Homilia de D. Teodoro na Solenidade da Imaculada Conceição São Paulo na carta aos Efésios, como ouvimos proclamar na 2ª leitura, escreveu que Deus “nos escolheu antes da criação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na sua presença”. A beleza da Igreja é a santidade dos seus filhos, vivendo em comunhão uns com os outros, porque, Deus ama a todos. Em oposição ao modelo de santidade estabelecido por Deus, encontramos Adão e Eva a se esconderem no paraíso, porque, após o pecado, têm medo de se encontrarem com o seu Criador. O pecado separa Adão de Eva e de Deus, rompe a unidade original que é recuperada em Maria, a nova Eva e mãe do Redentor. A Festa da Imaculada Conceição, que estamos a celebrar, antecipa a alegria do Natal, convida-nos a amar a beleza, mostrando em Maria seu verdadeiro modelo. Ela sempre foi santa e irrepreensível, em caridade. Não convinha que a mãe do Redentor de todos os homens fosse nalguns momentos da sua vida sujeita ao pecado e ao mal. Deus interveio, para através dos méritos de Jesus, a redimir desde a sua Conceição. Esta acção santificadora de Deus é expressa por São Paulo: “escolheu-nos antes da criação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis…”. Em Maria realizou-se plenamente este plano de Deus que, para nós, passa pela conversão e penitência. Maria é a grande novidade de Deus para um mundo que tem crise de sentido e sente uma inquietação profunda. Cresce o medo e diminui o gosto e a procura da verdade e do bem. O homem é atormentado por um sentido de angústia como individuo e como povo. Aumenta o desejo de omnipotência e diminui o respeito da dignidade humana, condena-se a massificação cultural mas serve-se da mentira como arma para destruir o adversário. A Festa da Imaculada dá-nos um sentido de paz e confiança e apresenta-nos em Maria o retorno ao paraíso perdido, a promessa salvadora de Deus e Sua confiança no homem. Sociedade pluralista e secularizada 2. Como anunciar hoje no seio da sociedade europeia em que estamos inseridos, o valor da beleza da santidade, quando a religião é apresentada por alguns como um facto privado, e o homem pretende viver como se Deus não existisse? A secularização, que abalou o sentido da presença de Deus no mundo, não toca na essência da Igreja, mas colocou-lhe novos desafios e dá-lhe oportunidade de reflectir na melhor forma de anunciar o evangelho. Não podemos afirmar que a Igreja não tenha influência nas democracias ocidentais que admiram a sua função social, as exigências pelo bem comum, a solidariedade, a ética, o sentido dos excluídos, o terceiro mundo. Mas o centro do Evangelho é Deus que salva o homem. A Igreja não é uma organização no sentido profano, mas está submetida às exigências do mundo contemporâneo. A credibilidade das pessoas e das estruturas da Igreja são importantes para a sua missão evangelizadora assim como o conhecimento das pessoas e a comunicação com elas numa linguagem adequada. O evangelho dirige-se às pessoas, mas o seu anúncio vai de encontro a uma sociedade que se apresenta como neutra ou laica. Vivemos numa sociedade pluralista e secularizada, algumas pessoas têm fé e vivem segundo as normas da sua fé, outras são religiosas mas sem prática religiosa, uma outra parte, que aumenta cada vez mais, orgulha-se da sua laicidade e secularização e rejeita Deus e a Igreja. Para estar presente na sociedade pluralista, a Igreja precisa de preparar cristãos para dialogar com a “intelligentia”. Deve afastar atitudes de arrogância, não tentar impor-se pela força do direito, mas através de um diálogo sereno, longo e difícil, com uma grande estima pelo valor da liberdade do indivíduo. Cada homem “é uma história sagrada”, onde nasce uma fé livre, manifesta-se o mistério de Deus. A Igreja numa sociedade pluralista, traz um contributo ao processo democrático a partir do evangelho, anunciado como palavra de Deus salvador. Nas sociedades livres, a fé adquire-se cada vez mais pela liberdade de escolha, menos pela herança familiar. Prova-o o número crescente dos que procuram o baptismo na idade adulta, entre eles, homens de negócios, intelectuais, artistas. A fé cristã não é partilhada de maneira pacífica e tradicional por uma grande parte da população europeia, embora com diferenças entre o norte e o sul. A secularização assume cada vez mais um a forma de descristianização. O Papa Bento XVI tem apresentado magníficas reflexões sobre este tema. O céu está fechado? 3. Os tempos fortes da liturgia da Igreja colocam muitos desafios à fé cristã. O Natal foi invadido pela agressividade comercial e seus símbolos, alguns deles adulterando figuras de santos como o Pai Natal a substituir São Nicolau, e a Befana na Itália, a personificar a Epifania. Em tempos de crise aparecem problemas de endividamentos e gastos para as famílias e indivíduos. Os pequenos comerciantes sentem-se inseguros e esperam novo respiro nesta quadra festiva. Nalgumas sociedades pluralistas Cristo não aparece no Natal. Celebram a festa da estação, com muitas ofertas, divertimentos e jantares. A moderação é uma conquista difícil. Entre nós, o Natal de Jesus Cristo ainda prevalece nos ritos religiosos, alegrias e festas. Os presépios aparecem nas praças, centros comerciais e principalmente nas Igrejas e casas dos cristãos, os concertos de música litúrgica e natalícia acontecem em toda a dioceses e a tradição das Missas do Parto nunca esteve tão viva e difusa, chegando mesmo à Catedral. As iluminações das cidades e campos têm um fundamento bíblico – Cristo é luz do mundo que vence a escuridão da noite – embora entre nós os temas sejam cada vez mais vazios de sentido religioso, exceptuando os anjos que vigiam a entrada da Catedral como os guardas o túmulo de Cristo. Os símbolos e mentalidade consumista abundam por todos os lados, já fazem parte do tempo natalício. Não pretendem substituir o Menino Jesus nem se opõem ao presépio, são os ícones da sociedade pluralista e secularizada que os empola até ao exagero. Os homens, hoje, não encontram respostas para as suas perguntas sobre o mundo que constroem com suas mãos, mas esperam da Igreja respostas concretas e possíveis, expostas de maneira positiva, coerente com a situação em que cada um se encontra. Dizia o Santo Padre aos Bispos suíços na visita ad Limina deste ano que “a tarefa fundamental da pastoral consiste em ensinar a rezar e em apreendê-lo pessoalmente cada vez mais”. Os que não rezam dizem que o Céu está fechado, mas para os crentes a vida não pára no limiar da morte. A Europa sofre de uma fome religiosa que nem sempre se exprime num vocabulário religioso. Criaram um Deus em conformidade com os próprios desejos e representações. O Deus que fabricam não é o Deus de Abraão e de Jesus Cristo. Santo Estêvão, ao morrer exclamou: “Vejo os Céus abertos e o Filho do Homem sentado à direita de Deus” (Act. 7, 53). Neste grito do primeiro mártir, cuja festa a Igreja colocou a seguir ao Natal, exprime-se a vocação mais importante da Igreja num tempo de crise e secularização. O Céu está aberto, o homem pode entrar. Cristo desceu, como os anjos na escada de Jacob (Gen. 28, 12) para que nós possamos subir até Deus. O primeiro ser humano, logo a seguir a Cristo, que penetrou no céu aberto, foi Maria, a Imaculada Mãe de Jesus, a Senhora toda santa e toda bela que veneremos como rainha de Portugal e dos nossos corações. “O mundo será salvo pela beleza” escreveu o grande Dostoevskje, mas pode também perde-se se a não procura. O mundo salva-se se encontrar o Deus vivo que vem até nos e nos convida a sermos discípulos na escola de Maria Imaculada, a Senhora da Conceição. Catedral do Funchal, 08 de Dezembro de 2006 † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal