No último dia do ano transacto, o bispo emérito de Vila Real, D. Joaquim Gonçalves, deixou a vida terrena, mas o seu legado reflexivo fica gravado na memória de muitos. Apesar dos seus 77 anos de idade, o prelado que esteve 20 anos à frente da diocese das terras do Marão, nunca colocou a pena na gaveta e oferecia aos leitores de vários jornais regionais textos ancorados no II Concílio do Vaticano.
No último dia do ano transacto, o bispo emérito de Vila Real, D. Joaquim Gonçalves, deixou a vida terrena, mas o seu legado reflexivo fica gravado na memória de muitos. Apesar dos seus 77 anos de idade, o prelado que esteve 20 anos à frente da diocese das terras do Marão, nunca colocou a pena na gaveta e oferecia aos leitores de vários jornais regionais textos ancorados no II Concílio do Vaticano.
A missão da Igreja “não se esgota no culto, tem uma relação estreita com o mundo. De certo modo a Igreja só existe por causa do mundo”, escreveu D. Joaquim Gonçalves no Jornal Voz de Trás-os-Montes, de 06 de maio de 2010. Foi isso que o concílio convocado pelo Papa João XXIII e continuado pelo Papa Paulo VI exprimiu em duas constituições: «Sacrosanctum Concilium» e «Gaudium et Spes».
A da Liturgia foi a primeira a ser publicada e a da presença da Igreja no mundo contemporâneo a última: “A Igreja é um povo que reza e é igualmente um povo enviado ao mundo. Se a igreja olha para dentro de si mesma é para se robustecer a fim de melhor servir, e se é enviada ao mundo é para ajudar o mundo na sua vocação”, lê-se no mesmo artigo.
Natural da freguesia de Revelhe (Fafe), D. Joaquim Gonçalves tinha uma atenção permanente ao mundo que o rodeava. Nem mesmo depois do transplante cardíaco, o prelado deixou de acompanhar, ler e reflectir sobre a sociedade actual. Era conhecida a sua paixão pelos escritos de Miguel Torga, mas os pensadores contemporâneos, como Zygmunt Bauman, também preenchiam os seus tempos de leitura, muitas vezes acompanhados com a música de Verdi e Rossini.
Centrado na análise de Zygmunt Bauman que considera a mentalidade de hoje centrada na cultura «dos líquidos», D. Joaquim Gonçalves revelava que na ausência de princípios, “crescem a areia do relativismo e o fumo do subjectivismo” e multiplicam-se os contrastes: “fé e campanhas de ateísmo; superstição e terrorismo religioso; paixão política até à cegueira e cidadãos desinteressados da vida política; campanhas por melhores condições de saúde ao lado da matança organizada do aborto de modo que em cada hora um homem mata outro homem; esbanjamento de bens e pobreza extrema dentro do mesmo país”.
No seu artigo «Ser cristão no tempo dos líquidos ou a necessidade de pensar», o prelado falecido recentemente vinca que o mundo “trocou as estruturas de reflexão por cursos feitos à base de informações desconexas colhidas na internet”. Para o antigo prelado de Vila Real, os tempos actuais abandonaram o “eixo da cultura clássica e da dimensão religiosa” e debate-se agora com um mundo “sem eixo, deprimido e desencantado”.
“Trocou os «sólidos» pelos «líquidos» e, afinal, ainda se mantém de pé pelo apoio dos «sólidos» que rejeitou e que se manifestam na solidariedade dos povos e na entreajuda local”, escreveu D. Joaquim Gonçalves.
No texto «A desordem cultural e pregação», publicado (Notícias de Beja, 02 de Janeiro de 2014) já depois da sua morte, o bispo sublinha: “Há, pois, uma necessidade imperiosa de evangelizar as culturas para inculturar o evangelho”. “A pregação poética que não chega ao raciocínio não cumpre a sua missão”, termina.
LFS