Igualdade manifesta-se na diferença

No ciclo de conferências «Eis o Homem», Daniel Serrão referiu que a dimensão espiritual é «a mais delicada»

A exteriorização da Igualdade – “que existe mas não se vê” – é uma das dimensões mais complexas e contraditórias das sociedades contemporâneas, defendeu Daniel Serrão na palestra proferida na passada Quarta-feira no ciclo de conferências “Eis o Homem”, que se realiza no Porto.

No plano biológico, “observamos que todas as pessoas têm o mesmo genoma, embora o manifestem de maneira diferente”, referiu à Agência ECCLESIA o professor universitário jubilado.

A vida e a morte também são características comuns da humanidade. “Mas cada pessoa – relembrou o investigador – é irrepetível na sua forma de estar no mundo, de acordo com a cultura em que está inserido”.

Na vertente social, verifica-se que “os seres humanos são obrigados a viver em sociedade, e como tal têm que se adaptar e aceitar as normas sociais”. Daniel Serrão defende que a política é a “gestão da diferença”, pelo que deve “dar a cada um aquilo que lhe cabe por merecimento”, não esquecendo “aqueles que são vulneráveis”.

No entanto, nem sempre “nos apercebemos que estamos a tratar como iguais situações que são diferentes”. “Temos que respeitar a forma como cada um simboliza a sua observação do mundo exterior”, observou o presidente da Comissão de Fomento de Investigação em Cuidados de Saúde.

“Os sistemas políticos, mesmo os democráticos, raras vezes realizam a verdadeira justiça”, constatou. E deu um exemplo: “Se discutíssemos o Orçamento Geral do Estado, chegaríamos provavelmente à conclusão que não está a realizar a justiça nem a respeitar a cidadania igual de todas as pessoas, pobres ou ricas”.

A dimensão espiritual da Igualdade – “radical, essencial, absoluta, onde não cabem diferenças” – é a mais delicada.

“Eu existo como um corpo e como uma alma. Quando o corpo acaba, a alma também termina. O que é que sobrevive? Aquilo a que eu hoje chamo ‘espírito’, que se patenteia na auto-consciência”, explicou o docente. Isto é, “eu ser capaz de me ver a mim próprio como um outro”. Esta particularidade, “que não tem suporte material”, aponta para “a existência de um espírito transcendente”.

Dado que “este espírito não é produto do meu corpo”, a sua origem é “a grande Transcendência”, a que “nós hoje chamamos Deus”, embora “não possa ser nominada” em virtude de “não ter matéria nem tempo”.

“A aceitação da Transcendência absoluta é uma revelação que acontece no interior de nós, podendo ser aceite ou rejeitada”, observou Daniel Serrão. Esta decisão “não é definitiva” porque a revelação de Deus depende, além do influxo divino, de uma “disposição íntima para a poder receber e aceitar”: “Se eu estiver completamente embriagado, não há nada que possa perceber de coisa nenhuma”, elucidou. Neste sentido, a influência da dimensão pessoal no acolhimento do Transcendente “é a grande dificuldade das religiões em geral, e não apenas do Cristianismo”.

“A atitude espiritual de gostar do outro e ajudá-lo porque está infeliz” constitui também um “espaço onde Deus se pode manifestar”.

Para Daniel Serrão, a Igualdade é “uma grande e generosa utopia”: “Cada um de nós deve tudo fazer para a encontrar, para encontrar essa Ilha perdida de Tomás More, onde ‘é pleno e perfeito cada instante’, como profetizou Sophia de Mello Breyner”.

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