Igreja tem de repensar acção junto dos ciganos

Director Nacional faz balanço de Encontro no Vaticano e condena pobreza, discriminação e exclusão deste povo

O Director da Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos (ONPC), Fr. Francisco Sales, defende a necessidade de reestruturar a acção realizada pela Igreja junto deste povo.

“É muito difícil trabalhar com eles. Mas este obstáculo e o facto de sermos cada vez menos para o muito que há a fazer não nos podem levar a colocar essa população no fim das nossas prioridades, optando sempre pelo mais fácil. É uma realidade que tem de ser enfrentada”, declarou o religioso franciscano à Agência ECCLESIA.

“Já o Papa Paulo VI dizia aos ciganos que eles estavam no coração da Igreja porque a opção de Jesus foi pelos mais pobres. Essa tem de ser também a nossa escolha preferencial”, assinalou o responsável.

Neste sentido, “a mudança principal tem de verificar-se na mentalidade dos bispos e dos sacerdotes”.

O director da ONPC reconheceu que algumas dimensões do trabalho que a Igreja faz com esta população “funcionam bastante bem”. No entanto manifestou-se “completamente contra o sistema caritativo que se baseia exclusivamente na dádiva” porque “só cria dependência”. “Temos de fazer com que este povo seja o protagonista da sua auto-promoção”, explicou.

Calcula-se que em Portugal vivam aproximadamente 50 mil ciganos. “O país já teve muitos mais”, notou o sacerdote franciscano. “No Brasil há cerca de 800 mil, na sua maioria descendentes de portugueses, o que revela as sucessivas deportações a que foram sujeitos”.

Preconceito é comum na Europa

Fr. Francisco Sales foi um dos 25 participantes no Encontro dos Directores Nacionais da Pastoral dos Ciganos na Europa, realizado entre os dias 2 e 4 de Março, no Vaticano. “O que mais se destaca desta assembleia é que a pobreza, discriminação e exclusão desse povo atingem todo o continente”, afirmou o religioso.

Os organismos eclesiais têm estado aquém das suas responsabilidades. “Há um fechamento quase completo das paróquias a esta população e uma falta de sensibilidade dos bispos para esta realidade”, disse o delegado português ao descrever as conclusões mais significativas do encontro.

“A Igreja tem um pecado, que é o de calar e omitir, contribuindo para a discriminação desse povo”, sintetizou o director da ONPC.

Estima-se que na Europa haja entre 12 a 14 milhões de ciganos. A Roménia acolhe o maior número – três milhões. A situação destas populações nos países do antigo bloco soviético é preocupante, chegando a ser pior do que ao tempo da antiga URSS.

A Hungria é o país que causa maior inquietação. “Tem havido confrontos e homicídios de ciganos; estes, por sua vez, respondem fazendo justiça pelas próprias mãos”, descreveu o religioso.

Bento XVI deixou esta Quarta-feira um apelo ao reforço da acção da Igreja em favor dos ciganos, ao receber no Vaticano os participantes no encontro de directores nacionais para esta área da pastoral. “Desejo que as Igrejas locais saibam trabalhar em conjunto para um compromisso cada vez mais eficaz em favor dos ciganos”, disse o Papa.

Uma história de desencontros e incompreensões

Na análise do director nacional para a Pastoral dos Ciganos, o fechamento e as atitudes de confronto com a sociedade que por vezes caracterizam estas comunidades têm como raiz a discriminação e perseguição sofridas ao longo da História. Estes fenómenos transformaram a sua cultura num gueto, conduzindo-as à auto-exclusão.

Para o Fr. Francisco Sales, “o preconceito deve-se ao facto de eles serem um povo especial. Têm uma visão do mundo diferente da nossa”.

“Os estudiosos dizem que eles chegaram à Europa pelo séc. XIV, em grandes levas. Pensa-se que eram cristãos originários da zona da Índia e que este exílio ter-se-á devido a perseguições religiosas”, observou.

Os ciganos que se estabeleceram na Península Ibérica atravessaram o Egipto e o Mar Mediterrâneo. “Ao princípio foram muito bem acolhidos. Mas o facto de estarem sempre em movimento, acrescido da sua perspectiva de tudo ser de todos – o que os levou ao roubo – criou alguma desconfiança”, historiou o religioso.

As dificuldades de integração cresceram quando foram proibidos de exercer determinadas profissões. “Em Portugal criou-se legislação que os impedia de trabalharem em certos ofícios e actividades comerciais, por receio da concorrência”, lembrou o também director da Obra das Migrações.

“De parte a parte vive-se num certo receio, que passa de geração em geração”, constatou o Fr. Francisco Sales. “É preciso ultrapassar estas barreiras, o que sucederá através da aproximação e do estabelecimento de uma relação de amizade, compreendendo que somos todos filhos de Deus e que as diferenças são para se aceitar”.

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Agência ECCLESIA

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