Igreja/Sociedade: Ensino da Ciência pode ser «antidoto» contra o populismo – João Paiva

Ciência, religião, literatura, ‘agri-cultura’, educação, filosofia são áreas onde o docente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto cultiva «misturas» para encontrar o caminho da Igreja católica hoje no mundo

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 28 mai 2025 (Ecclesia) – João Paiva, professor de Química na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, diz que o ensino hoje da ciência pode ser o “antídoto” contra as ameaças do “populismo” porque é “obediente à realidade e a “factos”.

“A Ciência tem uma cultura, por via do seu método experimental, muito obediente à realidade. Ou seja, é proibido especular tudo aquilo que não se reporta a factos e que, nomeadamente, não é suportado com rigor. E o que os populismos, os internacionais e os nacionais, praticam é uma ideia em relação à qual os factos e os números seguros são uma insignificância. Essa ilusão tem enganado muitas pessoas, é, infelizmente, promissor. Eu entendo que o ensino das Ciências pode ser também um antídoto contra essa ameaça que está em cima da mesa”, explica o docente à Agência ECCLESIA.

Para o professor no Departamento de Química e Bioquímica e membro da Unidade de Ensino das Ciências da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, “o populismo atual vive de ilusões e de insignificâncias em relação aos factos” e a “cultura científica, mesmo entre não especialistas, é uma ferramenta anti-populista”.

Com quase 40 anos de ligação a esta área científica, e com interesse desenvolvido em Didática, João Paiva recorda no seu percurso o interesse que tinha pelo estudo e pela aprendizagem e não esconde que gostaria hoje de ver valorizado o papel da escola como “espaço de conhecimento exigente e verticalizado” mas também lugar “democrático, com dimensões afetivas e sociológicas amplas”.

João Paiva, entrevistado no programa ECCLESIA emitido na Antena 1, cruza variadas áreas nos seus interesses, e radica no estudo e ensino da Química, a possibilidade de fazer “misturas”, procurando que a ciência, a sociedade, a educação, a filosofia, a poesia, a cultura e religião dialoguem entre si.

“A ciência e a religião só conseguem conversar se viverem bem a tensão entre perceberem que há uma unidade nas perguntas que o homem faz, quer aquelas a que a ciência pode responder, quer aquelas a que a religião pode responder, mas percebendo também que há diferenças e que algumas perguntas que se fazem à ciência não se podem fazer à religião, porque não tem método para lhes responder, e também algumas perguntas que se fazem à religião não se podem fazer à ciência, porque ela não tem método para responder”, regista.

João Paiva procura na espiritualidade ligada a Santo Inácio de Loyola a conjugação da “dúvida” com a prática religiosa numa comunidade crente, num percurso aberto a conversas e encontros ecuménicos que lhe confirmam a presença do “Evangelho nas fronteiras”.

Acho que não é um exclusivo das pessoas com fé ter um sentido para a vida, mas que há sentidos, há posições agnósticas e cinzentas que conseguem atribuir sentidos. Eu, enquanto pessoa de fé, acho fundamental convocar a dúvida – o crente honesto sabe que se tece de dúvida, o crente honesto pergunta-se se não está a inventar isto tudo.”

O professor, que há 15 anos se mudou para o interior do país, procurando a ruralidade na sua vida, diz entender que a questão de Deus coloca-se na sua “vivibilidade”.

“É vivendo que a coisa toma então definitivamente um sentido, e se pode depois redesenhar também as razões da fé e tudo isso”, sublinha.

“Percebi que era interessante ser uma pessoa religiosa, e a ideia também de uma fé que não se procura sozinho, mas comunitariamente, e um conjunto de rituais assumidos, bem vividos, poderiam tornar uma pessoa melhor. Embora desde o início com um sentido crítico agudo sobre a própria religiosidade, que eu acho que é uma coisa fundamental para qualquer pessoa religiosa poder viver bem, é ter um sentido autocrítico sobre a religião que professa bastante agudo”, acrescenta.

João Paiva é crítico da permanência de uma masculinidade a marcar as decisões na Igreja católica – “olhamos para o conclave e permanecem 133 homens, vestidos de príncipes, a escolher o futuro Papa” – e diz que é necessário enfrentar “seriamente a questão da mulher na Igreja”: “O lugar que a mulher ocupa na Igreja e a sua dificuldade em aceder a espaços de liderança é culturalmente insuportável”.

“Não vejo tanto a questão fraturante do sacerdócio feminino, embora também para ser muito honesto, como corolário daquilo que é preciso fazer de ombrear a mulher na Igreja, obviamente que se vão abrir também essas portas – o que me interessa mais é trazer a mulher e a sua forma tão especial por ser mulher, de ler o sentido dos Evangelhos e trazer mais feminino para a Igreja”, concretiza.

João Paiva reconhece que serão as comunidades que “viverem e manifestarem a sinodalidade” que irão “mudar positivamente a Igreja para que ela se torne mais aberta” mais “fiel ao Evangelho” e a “Jesus, que estava nas fronteiras e periferias”.

A conversa com João Paiva pode ser acompanhada esta noite na Antena 1, após a meia-noite, e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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