Igreja/Sociedade: Diretora-executiva do CEPAC alerta para discursos que promovem «desprezo» em relação a pobres e migrantes

Ana Mansoa destaca importância de «transformar o medo daquele que é diferente numa oportunidade de encontro»

Foto: RR

Lisboa, 16 nov 2025 (Ecclesia) – A diretora-executiva do CEPAC – Centro Padre Alves Correia, em Lisboa, alertou para discursos que promovem o “desprezo” em relação a pobres e migrantes.

“O grande desafio da nossa sociedade hoje é não corrermos o risco de tornarmos esta aporofobia, esta fobia dos pobres, ou este medo, ou este desprezo por aquele que nada tem, em ódio”, disse Ana Mansoa, convidada da entrevista conjunta ECCLESIA/Renascença, emitida e publicada semanalmente aos domingos.

A responsável evocava a importância do Dia Mundial dos Pobres, instituído por Francisco e que a Igreja Católica celebra hoje, em pleno Jubileu da Esperança.

A diretora-executiva do CEPAC defendeu a promoção de respostas que “dignificam e humanizam” a alimentação e o emprego, combatendo o medo e mesmo o “ódio aos pobres”, de que o Papa argentino falava.

“Temos de reconhecer que esse comportamento é contrário ao Evangelho. Quem defende ou quem vive este medo, este desprezo ou este ódio ao pobre, contraria de facto o Evangelho”, indicou Ana Mansoa.

A entrevistada entende que celebrar esta jornada é “sempre uma oportunidade de olhar para o outro como alguém que dá a oportunidade de viver o Evangelho de forma concreta”.

“É também uma oportunidade de podermos transformar o medo daquele que é diferente – o medo do pobre – numa oportunidade de encontro e numa oportunidade de olhar para o pobre como alguém que precisa de mim”, acrescentou.

Ana Mansoa fala de novos projetos do CEPAC, no combate à pobreza e de promoção humana, registando uma mudança no perfil de quem pede ajuda, nos últimos anos.

“Hoje quem nos procura são na maioria das vezes mulheres, mães solteiras, empregadas, algumas delas até com mais do que um emprego, mas que mesmo assim não conseguem fazer face às suas despesas”, registou.

Face às necessidades básicas, o CEPAC criou em 2021 a ‘Mercearia Sabura’, transformando o tradicional cabaz alimentar numa resposta com maior respeito pela autonomia das famílias.

O objetivo foi dar a possibilidade de escolher, entre os alimentos disponíveis, “os que melhor se adequam aos seus hábitos, às suas necessidades, aos seus gostos”.

Em outubro deste ano, a experiência deu origem à Rede Integrada de Mercearias Sociais (RIMES), em parceria com a Fundação Auchan.

A nova plataforma quer “escalar este modelo que dignifica e humaniza a resposta alimentar” e “ter mais força para podermos influenciar políticas públicas na área da alimentação, garantindo o direito à alimentação e à segurança alimentar”.

No campo da empregabilidade, o projeto Baobá 2.0, que arranca em janeiro de 2026, centra-se em mulheres imigrantes.

“São mulheres com histórias de vida de grande sofrimento e de grande superação e muito resilientes”, referiu Ana Mansoa.

O programa inclui diagnóstico participado, consultoria de imagem e teatro playback, ferramentas que procuram recuperar “a esperança, a autoconfiança e a autoestima” de quem enfrenta a imigração e dificuldades de integração.

“Aquilo que nós queremos devolver a estas mulheres é a capacidade de se olharem ao espelho e se reconhecerem e gostarem delas próprias, porque é essencial para também serem boas profissionais”, acrescentou a diretora-executiva do CEPAC.

A responsável sublinhou que alimentação, emprego e habitação são “pilares para a dignidade de qualquer vida humana” e ligam-se à missão do CEPAC, inspirado pela figura do padre Alves Correia, “grande defensor dos direitos humanos”.

Sobre as migrações, Ana Mansoa pede que o controlo dos fluxos seja feito “com verdadeiro humanismo” e sem cair na tentação de responsabilizar os estrangeiros pelos problemas da habitação, do trabalho ou do custo de vida.

“O processo de integração das pessoas migrantes ainda está por fazer”, advertiu, sublinhando que é necessário envolver Estado, Igreja e sociedade civil para acolher quem chega “não como ameaça, mas como alguém que contribui com toda a sua riqueza e experiência de vida para o desenvolvimento de uma sociedade plural e diversa”.

Na sua mensagem para este Dia Mundial dos Pobres, Leão XIV firma que “a pobreza tem causas estruturais que devem ser enfrentadas e eliminadas” e os pobres “não são um passatempo para a Igreja”.

“Desejo, portanto, que este Ano Jubilar possa incentivar o desenvolvimento de políticas de combate às antigas e novas formas de pobreza, além de novas iniciativas de apoio e ajuda aos mais pobres entre os pobres. Trabalho, educação, habitação e saúde são condições para uma segurança que jamais se alcançará com armas”, escreve.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

 

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