«Não faz sentido diabolizar os migrantes, transformá-los em bodes expiatórios, associar a imigração ao crime» – Eugénia Quaresma
Lisboa, 29 jan 2025 (Ecclesia) – A diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM), da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), defendeu hoje que “a imigração não pode ser polarizada” e está preocupada com a sua “instrumentalização” política do tema em Portugal, na Europa e nos EUA.
“Se houve uma época em que nós evoluímos, foi quando olhamos para a imigração não só como algo necessário, mas como algo humano e natural. A Obra Católica e as academias contribuíram para a evolução desse olhar, percebermos que somos um povo que emigra, um povo que recebe e que as políticas precisam de ser humanistas”, disse Eugénia Quaresma à Agência ECCLESIA.
A diretora da OCPM considera que “não faz sentido diabolizar os migrantes, transformá-los em bodes expiatórios, associar a imigração ao crime”.
“Quando olhamos para aquilo que está a acontecer neste momento, e é isso que é preocupante, se calhar ninguém fala das pessoas que Portugal e a Europa devolvem aos países de origem, e, se calhar, não falam porque não instrumentalizam esse ato e não ostentam a desumanidade, é feito em consonância com a lei”, acrescentou, observando que não ouve “vozes contra”, criticas que “uma pessoa com cadastro seja deportada”.
Neste sentido, salienta, que é preocupante que ao não cumprirem o número imaginado de deportações vão atrás de “trabalhadores que já criaram raízes, criaram família”, porque não têm a documentação conforme a lei, mas aceitam que “contribuam para a sociedade, seja a nível da segurança social, seja como força laboral”.
No contexto da atual política de migração nos Estados Unidos da América, a responsável católica, revela, mais uma vez, preocupação com “a manipulação da imagem da realidade”, e recorda que, no início, a Administração Trump “dizia que ia deportar em primeiro lugar as pessoas que tinham cadastro”, agora vai a”trás dos trabalhadores, que são uma força importante para o sucesso da economia norte-americana”.
“Há aqui vários sinais de alerta, várias campainhas que estão a soar, que nos fazem pensar nos critérios, nos valores, nos princípios, o que é que de facto importa. Há um egoísmo enquanto nação, um protecionismo, em detrimento de todo o mundo”, desenvolveu.
O que me preocupa é a questão dos valores, não se ouve falar numa estratégia de combater a pobreza ou a desigualdade, pelo contrário, estamos muito preocupados em gerar riqueza. Agora, à custa de quê? O que é que estamos a sacrificar? Quem são os grandes sacrificados nesta ambição de ganhar dinheiro, ganhar poder e de não estar ao serviço do crescimento da humanidade como uma família fraterna?”
Eugénia Quaresma afirma que “é importante pôr em prática o Evangelho”, e sublinhou a falta de visão de “um mundo como uma realidade interdependente”, de igual dignidade entre países, de uma visão de “cooperação global”.
CB/OC
37 organizações da sociedade civil em Portugal, onde se incluem instituições da Igreja Católica, como a OCPM, divulgaram hoje uma carta aberta com ‘recomendações sobre Migrações e Desenvolvimento’, dirigida a três ministros do Governo português, da Presidência, da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros.
“O enfoque na securitização das migrações, em detrimento do desenvolvimento e dos Direitos Humanos, o crescimento do discurso de ódio e anti-imigração nos países europeus e as possíveis incoerências do novo Pacto da UE sobre Migração e Asilo são algumas das preocupações”, lê-se na carta aberta enviada à Agência ECCLESIA. A diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações explica que esta carta aberta vem ressaltar a importância de continuar a “defesa dos direitos humanos e que a prática corresponda àquilo que são as intenções iniciais”, uma realidade para a qual “é preciso estar alerta”, e revela também “a preocupação da manipulação da questão das migrações”, dos factos, das imagens, “para fins que são contrários à promoção das pessoas, ao desenvolvimento humano das pessoas”. Eugénia Quaresma salienta que as instituições que trabalham para o desenvolvimento “contribuem” para uma visão das migrações de uma forma interligada, “olhar para os países de origem, para os países de trânsito e de destino”, como é que cooperaram uns com os outros, e se estão a pôr “as pessoas e o bem comum e o desenvolvimento dos povos no mesmo patamar de interligação”. “Por vezes, não é isso que se verifica, não é esta a realidade que temos. E as migrações, o movimento das pessoas, continua a denunciar as desigualdades, continua a denunciar a pobreza, as injustiças, politicas que podem ser injustas”, acrescentou. A diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações destaca que o povo português é empático, “é um povo que se solidariza com quem mais sofre” e que é capaz de mover montanhas para ajudar naquele momento, mas “não basta só esta boa vontade”, porque é preciso que “toda a linha de acolhimento seja capaz de corresponder”, ajudar a pessoa migrante a “autonomizar-se”, e as políticas têm que ajudar também. “Não é só o acolhimento de coração, é o acolhimento institucional, é o acolhimento das pessoas que estão nos serviços, nomeadamente nos serviços públicos. O modo como recebem e como atendem também faz parte do acolhimento. E isto vai bater depois na capacidade que nós temos, e as nossas instituições falavam disto, a capacidade que temos depois de apoiar institucionalmente também”, desenvolveu. Eugénia Quaresma salienta que as instituições da Igreja, a rede eclesial, está a evoluir para “sair da assistência emergencial” e conseguir “promover, ajudar a pessoa a autonomizar-se”, mas as políticas “têm que ajudar também”, e olhar para a pessoa “como capaz de crescer, ser protagonista da sua história pessoal”. |