Igreja/Sociedade: 60 anos depois, declaração do Concílio Vaticano II sobre diálogo Inter-religioso continua a ser «documento revolucionário»

Khalid Jamal, da Comunidade Islâmica de Lisboa, defende que documentos como a «Nostra Aetate» deveriam ser «estudados na escola»

Lisboa, 27 out 2025 (Ecclesia) – A declaração ‘Nostra Aetate’ do Concílio Vaticano II, ‘sobre a Igreja e as religiões não-cristãs’, publicada há 60 anos, é vista como “um documento revolucionário”, que tem “o desafio” de ser projetado no século XXI.

“Sentimos, outra vez, que o mundo está periclitante em termos de organização internacional, e de reconhecermos valores e direitos que sejam transversais às culturas e às civilizações. E, há que lembrar esse pequeno documento, que acabou por ser um documento revolucionário”, disse o diretor do Departamento das Relações Ecuménicas e do Diálogo Inter-Religioso do Patriarcado de Lisboa, em entrevista à Agência ECCLESIA.

O padre Peter Stilwell explicou que com a Declaração ‘Nostra Aetate’ (‘Em nosso tempo’) mudou a “perspetiva da Igreja Católica”, que olhava o mundo “muito extra-eclésia nula salos”, isto é fora da Igreja não há salvação, “o que significava que os outros estavam todos entregues ao inferno, e iam ser batizados, às vezes, quase à força”, e isso marcava as relações, “mas a Igreja evoluiu”.

“Não era toda a Igreja, havia gente nas missões que tinha consciência da grandeza das outras civilizações, culturas e religiões, mas na Igreja Católica nem sempre havia isso”, realçou o sacerdote.

Para Khalid Jamal, da Comunidade Islâmica de Lisboa, o grande desafio é “converter esta declaração muito importante, simbólica”, que não é lateral, para os “atos”, aplicá-la na prática, no século XXI.

“Estas declarações deveriam ser estudadas na escola. Naturalmente que sou suspeito para falar, porque estas declarações dizem-nos muito na qualidade de crentes, mas estou convencido que, sem prejuízo de podermos não confessar, não sermos crentes, como documento e pelo simbólico que ele tem é extremamente importante”, acrescentou.

Já Isaac Assor considera que a questão educativa “é, sem dúvidas, fundamental”, e sobre a “grandíssima” Declaração ‘Nostra Aetate’, que é “revolucionária, particularmente com relação com o povo judeu”, realça que tem “uma rejeição clara” ao antissemitismo, “que, hoje em dia, é muito badalado no mundo”.

“Há uma rejeição clara da Igreja Católica ao antissemitismo, ou seja, lutar contra esta vaga de antissemitismo, que continua a ser, 60 anos depois, atual. E há uma declaração que é extraordinária, que é, finalmente, a desculpabilização do povo judeu, de uma forma coletiva, da morte de Jesus, isto parece muito simples, mas a relação entre o povo judeu e a Igreja Católica, até ao Concílio Vaticano II, até à ‘Nostra Aetate’, era muito titubeante”, acrescentou o entrevistado, membro da Comunidade Judaica.

Assinatura da Declaração da Abu Dhabi, 04 e fevereiro de 2019

Isaac Assor salienta que a ‘Nostra Aetate’ teve seguimento ao longo dos anos, incluindo na “célebre” declaração  sobre a Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a Convivência Comum’, do Papa Francisco e do grande-imã de Al-Azhar, Ahmad al-Tayeb, assinada a 4 de fevereiro de 2019, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

“Estamos a falar de algo que mantém-se presente, discutível e que, obviamente, tem de ser posto em prática. Eu acho que tem ganho terreno, não tem ainda, se calhar, os objetivos alcançados, na totalidade, mas tornou-se claramente uma forma de cooperação, não só institucional, mas também pessoal”, salientou no Programa ECCLESIA, transmitido hoje na RTP2.

Khalid Jamal salienta que a ‘Nostra Aetate’, para além do simbólico e da mudança de atitude, o que faz “é a criação de bases que permitam o verdadeiro diálogo inter-religioso”, por outro lado, a condenação da discriminação religiosa, e se esta declaração estabelece as bases, “depois, há todo um resto de coisas por fazer”, e o diálogo inter-religioso, “hoje, está claramente no topo das prioridades, não só da Igreja, mas de um conjunto de fés”.

Na Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) existe uma Subcomissão de Diálogo Interreligioso, criada formalmente em novembro de 2023 e tutelada pela sua Comissão Missão e Nova Evangelização, o padre Peter Stilwell explica que procura criar em Portugal “uma rede das pessoas ligadas ao diálogo interreligioso nas várias dioceses”.

“Sabemos que a Igreja Católica constrói-se de baixo para cima, de cima para baixo. E algumas dioceses são sensíveis a esta questão interreligiosa, por razões de migração, por razões de terem comunidades assediadas há muito tempo no âmbito dos seus distritos, das suas dioceses”, acrescentou o diretor do Departamento das Relações Ecuménicas e do Diálogo Inter-Religioso de Lisboa, que lembrou ainda a declaração sobre a liberdade religiosa ‘Dignitatis Humanæ’, aprovada também em 1965 [Paulo VI, no dia 7 de dezembro], que deve ser analisada, em conjunto, com a ‘Nostra Aetate’.

LS/CB/OC

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