Igreja reforça diálogo com o mundo cultural

Caminhos abertos durante a visita de Bento XVI começam a ser percorridos já esta semana, em Fátima

A Igreja Católica em Portugal quer reforçar o diálogo com o mundo da cultura, aproveitando os caminhos abertos durante a visita de Bento XVI ao nosso país, particularmente o encontro de 12 de Maio, no Centro Cultural de Belém.

Em entrevista à Agência ECCLESIA, o Pe. Tolentino Mendonça, director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC), admite que a pastoral da cultura “avança lentamente na Igreja portuguesa”, explicando que este é um trabalho “desconfortável”.

“Desconfortável porque nos obriga a sair de nós mesmos, a pensar nos que não estão, nos que não fazem parte, obriga muitas vezes a estar em silêncio e escutar”, declara.

José Tolentino Mendonça diz que este área da pastoral deve levar a “criar uma cultura de atenção e de acolhimento, que nem sempre existe na pressa, no agendamento, na pressa daquilo que temos para fazer, esquecendo aquilo e aqueles que temos diante dos olhos”.

“Uma pastoral da cultura obriga a ler a realidade mais fundo e mais longe, nesse sentido ela é incómoda e é também profética”, prossegue.

Deus, diz o poeta, é uma questão que interessa a crentes e não crentes, “os crentes não têm um monopólio da ética”.

[[v,d,1301,]]“O que nós precisamos é de nos escutarmos mutuamente, a Igreja tem de ser motora desse diálogo”, que deve gerar um “confronto na cordialidade, mas sempre um confronto”.

Este responsável lamenta o tempo que se perdeu num “espaço confortável, cómodo, de silêncio”, porque “quando estamos parados, ninguém faz perguntas a ninguém, não se é questionado nem se questiona”.

O “pacto de silêncio” entre a Igreja e a Cultura “torna-se insustentável, porque nos conduz a um afastamento progressivo da própria realidade”.

“Corremos o risco de estar a pregar e a utilizar uma linguagem, um conjunto de representações que hoje já não tocam, não são sequer perceptíveis”, alerta.

Por isso, Tolentino Mendonça defende um “grande esforço de tradução”, que no caso da Igreja passa por acolher também “as novas linguagens, criar uma cultura de hospitalidade”.

“Não tem de haver uma coincidência total com o que é o ideário e a experiência da Igreja para poder existir diálogo”, observa o director do SNPC.

Novo relacionamento

José Toletino Mendonça destaca que “neste momento, o nosso episcopado está a envolver toda a Igreja numa reflexão sobre o modelo pastoral de conjunto e nessa reflexão percebe-se que a cultura ganha um espaço prioritário na acção e na atenção da Igreja”.

“Isso reflecte o trabalho que foi sendo feito até este momento e reflecte também uma visão da Igreja no seu conjunto, bem como aquele elan do Espírito que foi o encontro do Papa com o mundo da cultura no Centro Cultural de Belém”, acrescenta.

Para o director do SNPC, é importante “ver se, de facto, é desta que vamos lá”, com a Igreja portuguesa a ter “uma projectualidade cultural que se traduz numa multiplicidade de presenças”

“Hoje falar de cultura não é apenas falar dos âmbitos artísticos, é falar daquilo que move os nossos contemporâneos”, assinala.

O Pe. Tolentino Mendonça admite que os modelos pastorais tradicionais da Igreja tinham diante de si “um homem e uma mulher diferentes daquilo que são hoje os portugueses”.

Mesmo nesta visita papal, recorda, “o tipo sociológico de pessoas que estava presente no Terreiro do Paço, a comunidade cristã, é muito diferente do da primeira visita de João Paulo II (1982, ndr)”.

À Pastoral da Cultura compete, por isso, “fazer pontes, facilitar encontros, dar a conhecer, gerar presenças, abrir portas, dar à Igreja um elemento que é sempre fundamental, o ser especialista em humanidade”.

Para lá das “dinâmicas eternas no coração do homem”, o padre e poeta lembra que “há muito que depende da cultura e do tempo”.

Da passagem do Papa por Portugal, Tolentino Mendonça destaca o ênfase dado à beleza, sublinhando que “é a beleza que nos atrai para a verdade e a caridade, para o bem”.

“A beleza é aquilo que cria a ferida no coração do homem que desperta o desejo, que deseja a emoção”, assinala o sacerdote, para quem “vivemos uma estação de teologia e de fé talvez demasiado racionalista, a falar à razão e à parte mais dogmática da fé e da sua verdade”.

“Esquecemos este lado mais emocional, tocar as pessoas pela beleza, congregar, porque a beleza tem em si uma universalidade que aproxima”, conclui.

Jornada em Fátima

A próxima Jornada da Pastoral da Cultura, agendada para 25 de Junho, em Fátima, tem como tema “O Elogio da Igualdade”.

Um dia que os organizadores pretendem “profundo na proposta de reflexão, incluindo a dimensão do belo e do artístico”, além da entrega da edição de 2010 do Prémio de Cultura Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes à diocese de Beja.

No ano em que se assinala o centenário da implantação da República, a Igreja Católica em Portugal quer dar o seu contributo específico ao debate sobre a “Igualdade”.

O Pe. Tolentino Mendonça considera que o confronto com o ideário republicano da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade é um exemplo do que deve ser um diálogo “sem qualquer complexos”.

Para o director do SNPC, este é “um momento de grande importância”, como espaço de “encontro, congregação, refontalização”.

Nesta jornada, acrescenta, será relido “em chave cristã” o tema da igualdade, algo que considera ser “urgente”. Em Fátima, a discussão versará sobre a “igualdade social, numa linha de renovação do próprio conceito”.

D. Manuel Clemente, responsável pela Comissão Episcopal que acompanha a área da Cultura, diz que este é um “tema vivo”, que desta feita conta com contributos do cinema, da arquitectura, da economia e da própria Igreja.

O dossier apresentado esta semana pela Agência ECCLESIA projecta aqueles que serão os principais momentos da próxima Jornada da Cultura, do património ao cinema.

Foto: Ermida do Cristo do Silêncio, Palmela

(Arquitecto Bernardo Pizarro Miranda)

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Agência ECCLESIA

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