Igreja: Quando uma cerveja ou um biscoito ajudam a criar comunidade e a dialogar com turistas nos centros históricos de Lisboa

Comunidades do Castelo, Santiago, Socorro, São Cristóvão e São Lourenço, são hoje «museus» mas o responsável das paróquias quer que a cultura abra portas e seja um convite para «a beleza e a verdade»

Foto Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 11 jun 2025 (Ecclesia) – O padre Edgar Clara, pároco de quatro comunidades no centro histórico da cidade de Lisboa, afirmou a necessidade de abrir as igrejas para atrair as pessoas para a beleza e construir comunidade com quem habita os bairros.

“Todos os projetos querem congregar e envolver as pessoas. Eu acredito que a beleza é a única capaz de atrair as pessoas até à verdade e à bondade. O foco, a partir do qual eu pego, não é apenas o foco religioso, mas o foco cultural. Estas igrejas estão cheias de cultura. E eu tenho que lutar pelas duas coisas”, conta à Agência ECCLESIA.

A igreja de São Cristóvão inaugurou recentemente 12 telas – um projeto de restauro «Arte por São Cristóvão» – mas 20 telas aguardam ainda intervenção.

“Muitas pessoas me têm perguntado se não seria mais fácil cobrar bilhete de entrada nas igrejas, mas eu acho que não. A partir do momento em que eu fechar a igreja e disser só quem paga um bilhete é que pode ver a beleza, vou estar a mutilar aos pobres o direito de se espantarem com a beleza, de se maravilharem com a beleza. Agora todos entram, sentam-se, param e começam a dialogar com a beleza”, assinala.

A «Arte por São Cristóvão» é um dos projetos que está a ser desenvolvido pela paróquia mas há outros: o biscoito de Santa Cruz, a cerveja artesanal ou as almofadas.

O padre Edgar Clara é atualmente pároco das comunidades do Castelo, Santiago, Socorro, São Cristóvão e São Lourenço, tendo chegado àquelas comunidades há 15 anos.

“Quando eu cheguei, o número de fiéis já era absolutamente diminuto. Eu tenho igrejas onde estão 12 pessoas; à paróquia de Santiago vão 3; no Castelo, hoje não aparecem mais do que oito, 10, 12 pessoas”, indica.

Mas, esclarece o responsável, são locais cheios de história, que o padre quer ajudar a reconhecer e a valorizar , quer entre os habitantes dos bairros da Mouraria, Alfama e Castelo, mas também entre milhares de turistas que ali passam.

“No Socorro está localizada a primeira casa que os jesuítas tiveram no mundo inteiro. É uma igreja cheia de histórias – ali celebrou São Francisco Xavier a sua última Eucaristia antes de partir para o Oriente; São João de Brito, que nasceu um pouco mais acima, terá passado por ali também; em Santiago, foram batizados, por exemplo, os filhos do Gil Vicente e é uma igreja do caminho; a igreja do Castelo caiu no terramoto de 1755, foi reconstruída e estava cheia de túmulos de pessoas reais”, assinala.

O padre Edgar Clara dá conta que há 15 anos, quando ali chegou, já encontrou comunidades envelhecidas.

“O que nós encontramos hoje não é muito diferente do que encontrei há 15 anos. Mas é mais adensado: havia muitos casais novos que estavam a começar a viver ali no centro da cidade mas que, com a onda do turismo, perceberam que podiam alugar a casa que tinham comprado e o valor daria para pagar um empréstimo, e outra noutro local. Depois as obras: há prédios que estavam em obras e continuam. Alfama estava um pouco melhor, mas já com fama de turismo; o mesmo no Castelo”, conta.

“Quando eu cheguei encontrei pessoas saudosistas, mas só por serem velhos – porque alguns até nem são – mas porque havia muita vida. Havia muita vida em Alfama, na Mouraria e no Castelo. Hoje os bairros são museus.”

O padre Edgar Clara explica que os projetos criados para valorizar as igrejas servem para que os locais reconheçam os seus espaços e ajudem a criar comunidade.

“O primeiro objetivo é estar: estar com as pessoas. Sento-me nos bancos, a ver quem passa e a falar com as pessoas. Andamos todos tão a correr que não temos tempo para não fazer nada. Eu não posso ficar dentro da igreja à espera que as pessoas entrem, mas posso sentar-me à porta da igreja, nos bancos do jardim ou, em vez de ficar a trabalhar na minha secretária, levo um computador para um café”, explica.

A igreja do Castelo inaugurou recentemente uma exposição fotográfica «As bem-aventuranças», com fotografias de François Rousseau que resultam de uma ideia desenvolvida no Rio de Janeiro onde as oito bem-aventuranças são apresentadas “a partir de homens e mulheres, crianças e jovens nas favelas”, construindo um projeto que “dialoga com as pessoas”.

“Pôr a Igreja em diálogo, a paróquia em diálogo com a arte contemporânea com as novas formas de se fazerem ‘crowdfunding’, com as novas formas de envolvimento de pessoas. Eu posso ir embora amanhã mas as pessoas ficarão sempre com o orgulho da sua igreja e continuarão a estar juntas por um projeto em comum. Isso é muito importante”, valoriza.

A conversa com o padre Edgar Clara pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, emitido na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e disponibilizada no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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