«Carta de princípios» para regular relação das Instituições Sociais com o Estado A necessidade de criação, pelas instituições de solidariedade social ligadas à Igreja Católica, de uma “carta de princípios” que balize a sua relação com o Estado, foi hoje defendida, em Fátima, na abertura da XXIV Semana Nacional da Pastoral Social. O repto foi lançado por Maria José Nogueira Pinto, que perspectivou a inevitabilidade de conflitos entre as instituições e o Estado, caso o relacionamento entre as duas partes não evolua da contratualização estatal de serviços para “uma verdadeira parceria público-privada”. Estes conflitos surgirão quando as instituições cristãs quiserem fazer valer essa sua identidade em hipotéticos casos como a eutanásia, a adopção de crianças por casais homossexuais ou na criação de salas de injecção assistida. “Temos de ser agentes de Deus no reino de César. Temos de fazer com César um contrato de parceria, mas estabelecendo uma carta de princípios. Temos de nos deixar de negociações casuísticas”, afirmou Nogueira Pinto, para quem é fundamental que, ao mesmo tempo que se salvaguarda “o núcleo duro de valores distintivos da intervenção cristã”, as instituições de solidariedade social da Igreja passem “de uma postura ‘reivindicativa’ para o reforço de uma verdadeira capacidade negocial”. Perante uma assembleia de 270 participantes na XXIV Semana Nacional da Pastoral Social, que decorre até Quinta-feira em Fátima, Maria José Nogueira Pinto apontou também os aspectos que distinguem o papel das instituições sociais da Igreja do papel do Estado no sector. Começando pelo “o modo. Não vamos perguntar a quem precisa o que é que pensa de Deus”, ao mesmo tempo que “o cuidar [de alguém] não tem guichet, não tem horário, mas tem preocupação permanente”. Estes são factores que Nogueira Pinto entende como fundamentais na relação entre as instituições da Igreja e um Estado que “garante, mas também regulamenta e fiscaliza tudo o que se faz”. Na sessão de abertura, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. Jorge Ortiga, apelou a que os membros das instituições de solidariedade da Igreja não se inibam no testemunho da fé cristã perante quem cuidam. O Arcebispo primaz de Braga considera que as instituições sociais da Igreja devem com a sua especificidade e “identidade muito própria” exigir ”o reconhecimento legal de poder usufruir de contributos iguais”. Mas, “ nunca devemos renunciar ao que nos deveria distinguir”, frisou. Esse apoio pedido faz falta para “que consigamos corresponder melhor aos desafios e para que as Instituições da Igreja sejam capazes de mostrar a sua verdadeira identidade de servir o homem na sua integridade”. O apoio às instituições sociais foi um dos assuntos discutidos pelos Bispos da CEP com o governo, numa reunião no passado dia 12 de Julho. D. Jorge Ortiga, em declarações à Rádio Renascença, afirma que ainda é cedo para esperar alterações decorrentes do encontro, onde os Bispos tiveram oportunidade para manifestar algumas preocupações com a educação, a solidariedade social, o sector da comunicação social, o acompanhamento espiritual dos doentes e dos presos, o apoio à família e à natalidade, para além da falta de apoio à construção de espaços litúrgicos. O Arcebispo lembrou no entanto que, em Julho “saímos da reunião conscientes da colaboração mútua e que o governo tinha presente o espírito da Concordata”. Esperam por isso “que agora seja posta em prática”. D. José Alves, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, na abertura hoje da XXIV Semana Nacional da Pastoral Social, avisou que não é intenção dos cristãos que intervêm na acção social “impor aos outros” as suas opções religiosas, mas consideram-se “com o direito de serem aceites e respeitados pelos outros, inclusive pelo poder político”. A XXIV Semana Nacional da Pastoral Social, dedicada à “Identidade Cristã das Instituições de Acção Social da Igreja”, vai debruçar-se, até Quinta feira, sobre temas como “Os cristãos na intervenção social”, “Intervenção Cristã: que originalidade?” e “A qualidade na intervenção cristã” e organizar espaços de reflexão sobre “Pobreza e novas formas de pobreza”, “Exclusão”, “Solidão”, “Novos meios de comunicação e formação”, “Família: novas questões”, “Novos comportamentos”, “Cuidados paliativos” e “Multiculturalismo e imigração”. Os trabalhos encerram Quinta-feira, dia 6, com uma conferência sobre “Tradição e inovação no agir social da Igreja. Novos desafios”, pelo secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Carlos Azevedo. Reconhecer a pobreza Ao longo da Semana da Pastoral Social vai ser promovida a petição da Comissão Nacional Justiça e Paz para que o Parlamento reconheça a pobreza como “violação grave de direitos humanos”. O texto da petição, que deverá ter as assinaturas recolhidas até ao final de Setembro, sublinha que “a pobreza constitui uma grave negação dos direitos humanos fundamentais e das condições necessárias ao exercício da cidadania”. “A pobreza e a exclusão têm causas estruturais e, por isso, não se resolvem apenas com sobras ou gestos de generosidade esporádica”, acrescenta a petição a entregar na Assembleia da República pela CNJP. Considera ainda que “o nível de rendimento já alcançado no nosso país permitiria eliminar a pobreza que afecta cerca de um quinto da população residente em Portugal”. Os signatários da petição pretendem que o Parlamento português “estabeleça um limiar oficial de pobreza, em função do nível de rendimento nacional e das condições de vida padrão” na sociedade, que sirva “de referência obrigatória à definição e à avaliação das políticas públicas de erradicação da pobreza, bem como à fixação de prestações sociais”. A petição, cujo texto foi distribuído a cada um dos participantes da XXIV Semana Nacional da Pastoral Social, exorta ainda a que a Assembleia da República “proceda, anualmente, a uma avaliação da situação da pobreza” no país e “do progresso feito na sua erradicação”. Redacção/Lusa Foto: Fátima Missiónária