No arranque do novo ano é nosso convidado Pedro Rodrigues, um dos chefes nacionais da edição 2024 Missão País
Entrevista conduzida por Ângela Roque (Renascença) e Paulo Rocha (Ecclesia)
O Pedro tem 22 anos, é estudante de mestrado em Engenharia e Ciência de Dados, no Instituto Superior Técnico, e esta é já a quinta missão em que participa. O que é que significa para um jovem como o Pedro estar envolvido num projeto como este? O que é esta experiência já fez mudar na sua vida?
Desde o meu primeiro ano na faculdade que faço Missão País, portanto, não conheço bem a realidade da faculdade sem fazer Missão País. Foi algo que me foi apresentado, a início a receio. Imagino que muitas pessoas que começam também tenham este receio, mas depois é algo, de facto, muito reconfortante e bom de fazer, tanto que, como deu para perceber, nos cinco anos seguintes, incluindo este, vou fazer missão. O ano passado também estive na equipa nacional, fui chefe nacional da expansão, que é uma pasta responsável por todas as missões em universidades novas, em sítios mais remotos. Por exemplo, este ano vai abrir nos Açores a primeira missão. A expansão tem o papel e o cuidado de acompanhar essa missão de perto e de mostrar o que é a cultura da Missão País.
Quer isto dizer que este é um projeto que continua a crescer?
Sim, felizmente sim.
Quantas missões novas abrem este ano?
Este ano abrimos cinco missões, a dos Açores é uma delas. Abrimos também em Beja, abriu uma na Católica, em Medicina, na Nova SBE, e no Porto, em Direito, abriu uma segunda missão.
Há sempre essa preocupação de escolher geografias ou locais e onde a Missão País nunca esteve?
Sim. Guardamos o registo de todos os sítios onde já estivemos e missionámos. O objetivo é podermos missionar sempre sítios novos, e garantir que conseguimos chegar ao máximo de pessoas possível.
Ao todo este ano, as missões envolvem quantos estudantes e vão decorrer em quantas localidades do país?
Somos 69 missões, cada missão tem uma localidade onde atua. Em termos de números e de missionários, fazendo as contas, este somos 4 mil e dois missionários, passamos assim a barreira dos 4 mil.
Num projeto que começou há 21 anos, com 20 missionários, isto já foi um crescimento brutal em duas décadas…
Sim, é verdade. Isto foi algo que começou um bocadinho a ‘pisar ovos’, mas depois foi crescendo ao longo dos anos, e há de ser por ser uma coisa boa, diria eu.
O tema deste ano é ‘Lança as redes e encontrarás’, que dá mote a todas as missões e várias iniciativas, ao hino, etc. Foi um tema escolhido por causa do pós-Jornada Mundial da Juventude?
Nós, quando a equipa nacional é escolhida, os dois chefes nacionais mais os dois chefes de oração nacionais, mais o nosso assessor espiritual que é o padre Gonçalo Cravo, temos várias reuniões – este ano foram quatro – e escolhemos qual vai ser o Evangelho. E teve graça, porque o Evangelho foi escolhido antes do Papa vir. Só foi anunciado há pouco tempo, em novembro, até aí não foi anunciado a ninguém, mas assim que fomos sabendo coisas que o Papa ia dizendo íamos percebendo referências também ao nosso Evangelho, e ele ter falado também nisso, tudo se encaixava! Aqui também temos a certeza que, de facto, não somos nós que escolhemos o Evangelho, não é pelo gosto pessoal, há todo um processo por trás e acreditamos genuinamente que temos aqui uma mãozinha especial que nos ajuda a liderar e a avançar com a Missão País.
E podemos falar exatamente no que é que consiste a Missão País? São semanas missionárias? O que é fazem? Como é que tudo se organiza?
A Missão País é um projeto de universitários para universitários, desde a equipa nacional ao público-alvo, também são universitários. A semana decorre na pausa entre semestres (letivos), em que todos os universitários são convidados a participar. Nesta semana somos divididos por várias comunidades, em que temos uma parte que vai até à escola, tem atividades com os estudantes, o que pode passar por dar apoio, educação moral, ou só brincarem nos recreios. É engraçado que já aconteceu rapazes e raparigas serem missionados e depois, mais tarde, quando chega a altura da faculdade, sentirem vontade de também querer fazer Missão.
Nestas duas décadas já dá margem para isso, não é?
Exatamente. Depois, também vamos aos lares, estar com os mais velhos, fazemos atividades. Depende muito de missão para missão, e das necessidades de cada localidade. Também podemos estar presentes nos centros de dia, e há missões onde vamos às casas de acolhimento de jovens que não têm pais, ou que foram retirados das famílias, e faz-se este acompanhamento também.
Importante realçar é a comunidade do Teatro. Às vezes é difícil, porque estas valências são escolhidas no início da semana. Ser escolhido para o teatro e ficar uma semana fechado, a ensaiar uma peça, às vezes é difícil ver como isso é importante. Falo por experiência própria, porque também já estive no teatro, e aguentar esta semana em que todos os outros têm histórias para contar todos os dias, e nós estivemos o dia todo a decorar papel….
Mas também é muito desafiante criar uma peça numa semana…
Sim, e somos privilegiados por podermos também rezar o Evangelho de uma forma diferente, através da arte, de uma forma mais concreta, e depois, no final, podermos apresentar para todos os missionários e para as pessoas da localidade, para os velhinhos com quem estivemos nessa semana. Podermos fazer teatro e fazer rir as pessoas é mesmo, mesmo muito bom!
O que é o ‘porta a porta’?
Foi muito daí que surgiu a Missão País, o querer levar o santuário de Schoenstatt às pessoas. Vamos a um bocadinho de história aqui: a Mãe Peregrina é uma imagem pequenina, de forma semitriangular, que simboliza o santuário.
Talvez convenha explicar que a primeira Missão País nasceu ligada ao movimento Schoenstatt, que tem a imagem da Mãe Peregrina como um dos seus símbolos, e é isso que marca sempre até hoje a Missão País, embora participem jovens ligados a diversos movimentos, paróquias, a toda a Igreja, não é?
Sim, e não crentes até. A Missão País é um projeto que está aberto a ‘todos, todos, todos’, como diz o Papa, quer sejam crentes, ou não, quer tenham outras crenças, todos são bem-vindos a vir de coração aberto, para poderem viver esta semana e esta experiência que propomos, e com toda a parte da oração, que tem um peso importante também. Mas é um projeto aberto e feiro a pensar em todos.
Mas, estava a falar dessa valência do ‘porta a porta’, que faz parte dessa semana missionária. Vão literalmente bater à porta das pessoas?
O objetivo é fazermo-nos próximos de todos. Saímos de manhã, normalmente vamos dois a dois, ou três a três, depende do à vontade dos missionários. Vamos bater à porta das pessoas, e passa muito por isto: se as pessoas quiserem só companhia, só estar e poder falar um bocadinho, estamos lá para isso; se precisarem de ajuda com o jardim – também já aconteceu -, estamos lá para ajudar: nem que seja para contar a história desta Mãe Peregrina, ou para rezar um bocadinho, também estamos lá para isso. No fundo, estamos para o que for e estamos para estar.
Porque esta é uma semana missionária, tem de ter essas dimensões todas?
Sim.
Este formato de missão tem 21 anos, este modelo permanece ou há alterações substanciais?
As missões têm todas a mesma estrutura. Tentamos manter a unidade ao nível do país inteiro, daí o papel importante – e aqui volto a puxar o tema da expansão -, quando há estas missões novas, haver este acompanhamento e este ensinar da cultura da Missão País, para podermos manter esta unidade ao longo de todo o país e ter alguma coerência entre todas as missões. Porque, assim, quando se fala na Missão País, todos sabem o que é e tem o mesmo molde para todos.
Já fizemos essa referência há pouco, é um projeto que continua a chegar a crentes e não crentes? Há muitos estudantes que querem participar, mesmo sabendo que este é um projeto de cariz católico?
Sim, sem dúvida. E de referir que este ano, tal como a JMJ que foi para todos, crentes e não crentes, notou-se um aumento, até relativamente grande, quando chegou o dia das inscrições e tivemos as candidaturas. Foi bom ver que há uma grande vontade e este chamamento à ação, de podermos fazer a diferença enquanto jovens. Isso é, de facto, muito bom e deixa-nos muito contentes. Abrirem novas missões também mostra muito este querer fazer das pessoas, de nos mandarem mensagem ‘olhem, queremos abrir uma missão’.
A Missão País desenvolve-se nas universidades, que nem sempre é um meio muito fácil para quem é católico. Isto prova que é possível os estudantes católicos afirmarem a sua fé e chegarem aos outros com a sua mensagem?
Sem dúvida. E esse acaba por ser um dos grandes objetivos. A Missão País nasce também muito disso, do querermos ter alguma coisa na universidade que nos permita viver a fé juntamente com os nossos colegas. E daí surge esta vontade de criar a Missão País. Dou o meu exemplo: quando entrei para a universidade conhecia poucas pessoas, só conhecia alguns colegas que foram comigo para a universidade, e que nem eram católicos…
Estamos a falar do Instituto Superior Técnico, que tem várias missões…
Tem quatro missões. É muito bom ver que uma escola de engenharia, onde a ciência assenta tão forte, temos tantas missões e tanta gente com vontade de querer fazer missão. É bom e deixo aqui o convite especial a todos os meus colegas do Técnico, mas também para todos os outros…
Para ver se ainda abrem mais missões noutros anos?
Exato.
E os que não participam, como é que olham para os que participam? É um convívio fácil e uma presença reconhecida, aceite?
A essência é sempre boa, portanto há sempre uma certa tristeza quando não se é colocado, mas todos os anos há missão e esta vontade pode sempre manter-se de pé. E é importante dizer que se não se entrar na nossa faculdade, porque não fomos tão rápidos como os nossos colegas a inscrevermo-nos, mais no final das inscrições são sempre publicadas no nosso Instagram as missões que ainda não encheram, e deixo aqui este apelo a estarem atentos: é muito bom fazermos missão na nossa universidade, porque conhecemos pessoas com quem passamos o nosso dia a dia, mas fazer missão só por si também é bom, e mesmo que não seja na nossa faculdade, há outras que não enchem. Vejam isso e deem uma oportunidade.
Que impacto tem a Missão País nas localidades que visitam? Há depois uma ligação que permanece, dos missionários com essas localidades? A transformação é visível nessas localidades?
Essa transformação é mesmo muito visível, e falo aqui das três graças e da razão destes três anos que passamos, que é o acolhimento, a transformação e o envio. No final, no terceiro ano, fica sempre aquela pena de termos de ir embora e seguir para outra localidade.
Cada missão fica três anos numa localidade?
Exatamente. No primeiro ano com o objetivo do acolhimento, em que chegamos, não conhecemos a localidade, a localidade não nos conhece, o ’porta a porta’ nem sempre funciona bem, há muitas portas fechadas, mas damo-nos a conhecer, ganhamos a confiança das pessoas e deixamo-nos conquistar. No segundo ano, que gostamos de chamar o ano da transformação, essa transformação é, de facto, visível, até ao nível do ‘porta a porta’, nota-se que as pessoas estão muito mais predispostas a abrir, a querer falar, já conhecem, já sabem que vimos pelo bem. No terceiro ano, depois de termos estado a ser transformados e a transformar – porque acredito, por experiência própria, que há uma grande transformação a nível pessoal, que nos enriquece muito -, tentamos deixar essa tal semente na localidade, nas catequeses, nos lares, lançá-los agora a eles em missão. Claro que não é – poderia ser, fica aqui a dica – de irem também em missão para outros sítios. O objetivo é que ali, onde vivem, façam missão também eles – porque, citando uma grande amiga, ‘a missão começa em casa’, e é esse convite que fica.
Cada missão tem sempre a presença de um sacerdote. De que forma é que escolhem os padres para fazerem missão convosco?
As missões são muito independentes, e esse é um papel que cabe aos chefes gerais. Eu, por exemplo, há três anos fui chefe geral de uma das missões do Técnico, tínhamos um padre que nos acompanhou sempre, acompanhou todas as missões que eu fiz como missionário e achámos que fazia todo o sentido manter o sacerdote. Nas missões novas que abrem cabe também aos chefes gerais poderem escolher algum padre que conhecem ou, se não souberem, nós enquanto equipa nacional temos sugestões e conseguimos ter estes contactos de padres que até falam connosco e dizem que gostavam imenso de fazer missão. É bom também ouvir isto do lado deles, e damos esta ajuda de juntar missões com padres e padres com missões.
E criam-se também relações de amizade?
Sim, sim. A presença de um padre nas missões é muito importante e até quebra algumas barreiras. Ver “ah, o padre à noite vem connosco beber uma cerveja? Isto acontece, eles podem fazer isto?”, perceber que os padres são pessoas normais que tiveram a sua vida como nós, passaram pela universidade, estudaram, não eram padres na altura e depois encontraram o seu caminho. E acho que esta partilha de vivências é importante. E convidamos as missões a poderem ter, por exemplo, um seminarista, alguém que está no caminho para o sacerdócio…
A Faculdade de Teologia, onde estudam os futuros sacerdotes, não tem missões?
Não. Muitas das pessoas que estudam Teologia também estão no seminário e quando participam é como seminaristas, ou seja, são mais distribuídos pelas missões. Estes seminaristas estão no caminho para o sacerdócio, de descoberta da sua vocação, e também é bom podermos pôr a nossa vida em perspetiva e pensarmos nestes assuntos. Estas perguntas vocacionais podem passar ao lado e acho que as missões são um bom sítio para pensarmos nisto também com seriedade.
Isso em relação aos sacerdotes, mas também às religiosas?
Sim, e deixo aqui mais um apelo a todos para que convidem irmãs e consagradas para as missões. Se calhar questiona-se mais quando somos rapazes ‘será que o meu caminho é pelo casamento? Será que é pelo sacerdócio?’, mas para as raparigas também há este caminho religioso e esta entrega. Ter uma irmã presente também desmistifica, quebra barreiras, e permite ver este caminho como alternativa.
Durante a Jornada Mundial da Juventude o Papa referiu-se por duas vezes à Missão País considerando-o um “projeto imprescindível” para os jovens e para a Igreja em Portugal. O que é que este elogio significou para a Missão País e para si?
Bom, é algo que nos tira o fôlego, e que nos dá ainda mais vontade de querer melhorar e de continuar a missionar. Deixa-nos até um pouco desorientados…
No momento, foi uma grande surpresa?
Sim! Somos um projeto universitário, somos jovens e é bom ter este reconhecimento, não pela fama, mas porque se calhar estamos a fazer alguma coisa bem. E temos esta vontade de continuar e demonstrar que, de facto, esta é a Juventude do Papa!
E neste pós-jornada, que papel é que a Missão País pode ter na mobilização dos jovens?
Como disse há pouco, este ano na Missão País notou-se um crescimento. O Papa veio acender esta chama nas pessoas e o nosso papel aqui é o de garantir que a chama pode continuar acesa, e não temos de a ter vivido só nas jornadas. Venham fazer Missão País, mantenham esta chama acesa e depois da Missão País ficam os contactos dos vossos amigos, católicos e não católicos, que conhecem nas vossas faculdades e fica uma porta aberta para todos os movimentos, todo os Núcleos de Estudantes Católicos das faculdades, como rampa de lançamento para poderem manter este fogo vivo dentro deles. Cada semana de missão encerra uma dinâmica que seria bom replicar na Igreja, no dia a dia, ao longo do ano. Porque se concentra numa semana tudo o que é importante os jovens fazerem, darem testemunho público da sua fé?
A ideia do que se vive nesta semana é mostrar que através de coisas tão simples nos podemos sentir tão bem, e o convite é viver esta semana e levar isto para casa. Ou seja, o que vivemos nesta semana não tem de ser só esta semana, assim como o que foi vivido na JMJ não tem de ser só aquela semana. É pegarmos no que aprendemos, no que pudemos experienciar e levar isso para casa, para as pessoas que estão à nossa volta e no nosso dia a dia. Podemos ser missionários durante o ano todo.
Como jovem católico, como é que olha para o atual momento na Igreja, que está em processo sinodal? Que expectativas tem para este Sínodo em curso e para a dinâmica de participação que se quer promover?
Dar esta voz também aos jovens é bom. Porque, de facto, os jovens são o futuro da Igreja. E o presente, porque o futuro começa hoje! Mas, acho que é bom para perceber o que os jovens sentem, o que vivem e rezam nos dias de hoje, e se se quer ter impacto no futuro tem de começar pelos mais novos e formá-los. Esta oportunidade dá importância e apela também à responsabilidade dos jovens.