Igreja/Portugal: «Produtividade das empresas não se faz com uma exploração dos colaboradores» – Patrícia de Melo e Liz

Na contagem decrescente para o Dia Nacional do Empresário, e num momento de forte agitação laboral com a anunciada greve geral de 11 de dezembro, é convidada da Renascença e da Agência ECCLESIA a presidente da ACEGE- a Associação Cristã de Empresários e Gestores

Foto Agência ECCLESIA/TAM

Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

Participou no primeiro encontro ACEGE de Londres. O que nos pode dizer desta iniciativa?

Esta iniciativa tem a ver com os muitos portugueses que trabalham em Londres, e que tem ligação à ACEGE, tem os seus grupos de reflexão, e neste encontro falámos também um pouco daquilo que é o espírito de trabalho também aqui em Londres, a aceleração dos dias, aquilo que é a luta também pela competitividade que aqui se vive, e depois obviamente ligamos isso à parte também mais espiritual, mais de reflexão pessoal e da vida familiar de cada um.

Foi um encontro muito interessante e com bons amigos portugueses e as suas famílias. É muito interessante ver que vieram as famílias também, os filhos, e tudo se organizou de uma forma muito produtiva.

 

Nós falámos num momento de alguma tensão e de mudanças legislativas em Portugal. Pergunto-lhe se sente um afastamento, um resfriamento na relação entre trabalhador e empregador, e que muitas vezes o empresário é visto como alguém que apenas procura o lucro e se perdeu o sentido humanista?

Eu gostaria de acreditar, e acreditamos fortemente no contrário, no sentido de que as empresas vão tendo mais sensibilidade para aquilo que é necessário em termos de equilíbrio da família e do trabalho. Vejo cada vez mais empresas a terem as suas políticas de cuidado com os seus colaboradores. Sabemos que as coisas têm ainda caminho para evoluir, mas sinto que as vozes que se levantam vão um bocadinho em contraciclo com aquilo que são as práticas. Nós temos um programa, o programa das empresas familiarmente responsáveis, em que se trata de uma forma muito profunda aquilo que são as práticas do trabalho e da oferta de comodidade, e de situações de saúde mental, situações de equilíbrio dos horários de trabalho, equilíbrio salarial. E aquilo que vemos é as empresas a aderirem para poderem realmente certificar-se e certificar a empresa nestes tipos de práticas. Por isso acredito que, como cada vez temos mais empresas a aderir ao programa, acredito que de facto o caminho seja mais positivo do que aquilo que se vem falando.

 

 

Como é natural, há sempre espaço para melhorar. Como uma associação cristã, o que é que ACEGE pode fazer pela melhoria da relação laboral?

Sem dúvida. Há espaço para melhorar, há espaço para sensibilizar mais empresas e aquilo que nós acreditamos é que as empresas têm de olhar aos seus colaboradores primeiro como seres humanos que querem também dignificar a sua vida, depois obviamente com o sentido muito prático de que a produtividade das empresas não se faz com uma exploração dos colaboradores. As empresas devem dar condições aos seus trabalhadores, devem dar condições não só salariais, mas condições de vida equilibrada aos seus trabalhadores e obviamente depois ter também a reciprocidade.

O lucro pelo lucro não faz sentido. O sentido é que as empresas existem, o trabalho existe para dignificar o homem e dignificar a nossa vida e também com o humanismo e com o sentido prosperar, de levar prosperidade às pessoas, no sentido de evoluírem na sua vida, de evoluírem nas suas carreiras, de evoluírem no seu conhecimento, na sua condição familiar, poderem constituir família, poderem ter a sua casa, poderem ter uma vida digna, naquilo que é necessário. E nós temos de facto programas e ações de sensibilização que vai muito ao encontro desta prática. As empresas são um grande veículo para fazer prosperar o ser humano.

 

Falou de um tema que faz parte das preocupações do debate contemporâneo, porque obviamente há muitos trabalhadores que cada vez mais procuram diversas motivações quando estão em determinado local, mas a verdade é que em Portugal, sobretudo, os baixos salários surgem quase sempre como uma das queixas dos trabalhadores. É um reparo que se justifica na sua perspetiva?

Acredito que sim. Portugal continua e persiste na questão dos salários abaixo daquilo que seria desejável e daquilo que são os parâmetros europeus e tem de fazer algo sobre isso, mas eu acredito que esse passo deve ser dado também. E as empresas têm de dar esse passo de melhorar os salários em Portugal. Isso tem de acontecer no sentido de  se aproximar das empresas europeias e até pela competitividade que queremos gerar. E é um ciclo, é um ciclo que tem de se criar, um ciclo virtuoso, no sentido de que se eu tenho mais produtividade torno-me mais competitivo, se me torno mais competitivo tenho mais resultados e se tenho mais resultados posso pagar melhores salários.

Isto tem de acontecer porque eu não posso querer pagar salários e não ter resultados para o fazer. Por outro lado, distribuir bem, distribuir bem aquilo que são os resultados gerados. Esse sentido mais colaborativo e menos mercantilista tem de acontecer.

Como dizia há pouco, acredito que de facto há empresas – também muito por aquilo que é, toda a influência de multinacionais, que vimos tendo já sobretudo depois da entrada na comunidade europeia – as empresas têm de ter esta consciência de que aquilo que é o fruto do trabalho, com certeza que as empresas existem para ter o seu lucro, para distribuir aos seus sócios, mas para distribuir também às suas pessoas e isto tem de entrar no mindset das empresas.

 

 

Sem os empresários e as empresas o pedirem, sem o governo o ter anunciado em campanha eleitoral, a verdade é que o país discute por estes dias alterações significativas à lei laboral. Falava-se no início de 100 medidas de alteração. Do ponto de vista da ACEGE, esta é uma prioridade nesta altura?

Eu diria que no ponto de vista da ACEGE a prioridade é sempre aquilo que acabei de descrever, no sentido de haver equilíbrio, mas acredito que as medidas de competitividade ajudam o país também a prosperar, desde que seja sempre com sentido. E as leis que estão a ser feitas têm de ser com o sentido, de facto de gerar mais riqueza para que ela seja devidamente distribuída. E esse é o mindset que tem de se criar. Nós temos de deixar um pouco esta ideia, como disseram no início e bem, de que a empresa e empregado/colaborador é uma situação antagónica, estão virados de costas. Não podem estar. Não é assim que se gera competitividade nas empresas nem num país, não é assim que se leva um país a ser mais competitivo e mais próspero.

 

 

Os sindicatos dizem que as propostas de alteração penalizam sobretudo os trabalhadores, retirando-lhe direitos. A proposta tal qual nos chegou é, do seu ponto de vista, desequilibrada?

Não acho totalmente desequilibrada, acho que há medidas que são necessárias, no sentido da aposta na competitividade. Porque se queremos estar na Europa, se queremos estar no mundo, temos que também ser mais competitivos, mas não digo que não careça de alguns ajustes. Penso que tem tudo muito a ver com a atitude, quer dos empresários, quer dos colaboradores, e se tiverem uma atitude colaborativa e de empenho, e numa atitude de distribuição justa da riqueza gerada, há questões na lei que são importantes para que isso aconteça. Porque a atitude do colaborador tem de ser também no sentido de levar prosperidade às empresas e ao país. No caso contrário, tem de existir justiça. Justiça no pagamento de salários. Mas tem de ser uma situação de reciprocidade.

 

 

E acredita ser possível um entendimento que permita a desconvocação da greve geral?

Eu espero que sim, este governo em muitos momentos tem provado ser dialogante, esperamos que seja, desta vez também.

 

É esse o apelo que faz? Que haja diálogo?

É este o apelo que faço, que haja diálogo, que haja abertura de espírito, que haja um sentido de evolução, que haja um sentido também de dever de parte a parte, porque muitas vezes estamos muito focados no que é que é o meu direito e devemos estar focados também no que é que eu posso fazer, o que é que é necessário fazer para levar o nosso país, as nossas empresas, as nossas pessoas a prosperar.

 

 

E a evolução pode ser o recuo nalguma das matérias?

Eventualmente. Eu não me queria manifestar muito sobre isso, porque são muitas medidas, como disse, são muitos detalhes.  A discussão ideal é a que aquela que leva ao equilíbrio necessário.

 

Vamos olhar agora um pouco mais para o que é o pensamento social sobre esta matéria. Na primeira exortação apostólica Dilexi Te, o Papa Leão XIV foi muito duro a reforçar críticas que já vinham de antes a uma economia que mata. Depois, no Jubileu do Trabalho, em Lisboa, onde estivemos juntos, aliás, disse que recusa ver as empresas como algo a bater, que devem ser, pelo contrário, incubadoras de desenvolvimento humano. Como é que se faz esta ponta entre as duas realidades e como é que a Associação quer criar alternativas a esta economia que mata, que foi denunciada pelos últimos Papas?

Primeiro que tudo, não ver a mensagem destes dois últimos Papas como uma mensagem contra os empresários. Esse é o primeiro ponto. A mensagem é de sensibilização aos empresários, de sensibilização aos gestores para aquilo que referimos de distribuir melhor a riqueza, não haver desequilíbrios tão grandes entre o lucro gerado e aquilo que é distribuído.

No entanto, há um respeito muito grande, não tenho qualquer dúvida, da Igreja por aquilo que as empresas fazem pela humanidade. Portanto, é preciso ler de uma forma muito clara que aquilo que está a ser feito é pedir para humanizar mais as empresas, pedir para ir mais longe, pedir para ver esta sensibilidade para com quem realmente faz as empresas evoluírem, que faz as empresas atuarem para a frente. Eu costumo dizer que as empresas não são dos sócios, as empresas são de todas as pessoas que lá trabalham e o sentido de responsabilidade que nós apelamos sempre aos nossos empresários é o sentido de responsabilidade de olhar para cada pessoa como, de facto, um elemento que contribui e que faz parte e que é parte de uma empresa.

 

Uma das grandes preocupações do momento prende-se com os desafios da inteligência artificial. Estamos a conviver bem com esta nova realidade? Acautelamos os seus desafios?  

Protegemos o trabalho?

A inteligência artificial ainda está num ponto muito inicial para se conseguir tirar conclusões daquilo que vai acontecer. Ouvimos muitos comentários acerca disso e alguns deles muito dispares. Eu diria que acredito que a inteligência artificial seja boa no sentido de facilitar o trabalho, no sentido de ajudar a evoluir, e que terá a sua evolução.

Mas também acredito que tem que haver uma adaptabilidade dos tempos, como sempre houve quando houve evoluções tecnológicas e de várias ordens. É necessário adaptarmos e percebermos onde é que, de facto, podemos encontrar saídas. Eu acredito muito que encontremos saídas em tantas profissões, sobretudo ligadas a um bem-estar do ser humano, que vão ser cada vez mais necessárias e que vai haver uma substituição de algumas atividades para outras atividades e que o ser humano vai ser imprescindível.

A inteligência artificial vai ocupar o seu lugar, e isso deve ser feito com ética, deve ser feito com regra, que ainda não existe o suficiente, mas acredito que vá aparecer porque o homem também, naquilo que é a sua inteligência, vai-se adaptando e vai adaptando os tempos e vai-se adaptando aos tempos.

 

Olhando para o trabalho que ainda é feito por seres humanos, em Portugal fala-se muitas vezes de um problema de falta de mão de obra, o que também afeta a produtividade do país. Também neste momento estamos em vias de aprovar legislação que dificulta o recrutamento dessa mão de obra quando se trata de trabalhadores imigrantes. 

Partindo do princípio que todos concordamos com a necessidade de regular a imigração, como é que analisa também este processo e até os posicionamentos da Igreja Católica que tem sido crítica em alguma desta legislação?

A legislação tem de ser no sentido, como disse e bem, de regular a imigração, não de afastar a imigração. Aquilo que tenho vindo a ler acerca disso parece-me que aquilo que se quer é travar uma situação de desnorte que estivemos a sentir. Isso também traz depois problemas sociais graves, porque quando nós recebemos muitas pessoas e não temos as pessoas a adaptarem-se e a integrarem-se no país e na cultura e naquilo que é o trabalho e terem o trabalho devidamente pago, devidamente regulado, depois temos também essas próprias pessoas a não terem uma vida digna. Portanto aquilo que se procura e acredito aquilo que se está a procurar é que todas as pessoas que recebemos estejam de forma digna em Portugal. E acredito que a lei vai sendo nesse sentido.

Há situações que podem parecer um travão, mas acredito que também há aqui claramente uma vontade de que venham pessoas que haja a intenção de receber mais imigrantes. Temos que ver isto também como um ciclo, porque os ciclos de imigração têm as suas flutuações e a imigração, se neste momento é preciso regular um pouco mais, não significa que seja uma lei estanque e que não vá depois moldar-se àquilo que seja necessário. Até os acordos com os países que vão existindo acabam por auxiliar também, acredito eu, a que possa depois haver, mais pessoas para, de facto, cobrir aquilo que disse muito bem, a falta de mão de obra, que não deixa de ser interessante esse antagonismo em relação àquilo que falamos da inteligência artificial.

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