Igreja/Portugal: Novo livro apresenta espiritualidade e vida «escondida» da Irmã Lúcia, a partir de excertos inéditos do seu diário

Vice-postuladora da causa de canonização diz que tempo está «maduro» para o milagre necessário ao avanço do processo

Coimbra, 28 mar 2025 (Ecclesia) – O livro ‘Viver na Luz de Deus: Itinerário espiritual de Lúcia de Jesus’, apresentado hoje em Coimbra, publica pela primeira vez passagens do diário da religiosa, que viveu 50 anos, em clausura, no Carmelo de Santa Teresa.

“Uma das grandes lições da vida da Lúcia para nós é que irradiamos o que quer que seja que tenhamos de fazer a partir da nossa santidade, muito mais do que especificamente palavras ou gestos que tenhamos”, disse à Agência ECCLESIA a irmã Ângela Coelho, vice-postuladora da causa de canonização da Irmã Lúcia e coautora do livro.

A responsável destaca que, para a vidente das Aparições de 1917, na Cova da Iria, é a própria vivência dessa mensagem que “vai acelerar nela um processo de santidade” e “é a partir da irradiação da santidade que ela difunde Fátima”.

Durante a sessão de apresentação que decorreu no Memorial Irmã Lúcia, a superiora geral da Aliança de Santa Maria falou de um livro escrito em “diálogo”, à imagem do que aconteceu na vida da vidente, vivida num “diálogo entre o Carmelo e Fátima”.

“Este diálogo pode ser metáfora e sinal de um diálogo que é tão necessário na Igreja” e na sociedade”, acrescentou.

Nas declarações à Agência ECCLESIA, a coautor recordou que a Irmã Lúcia foi sempre obediente às normas que lhe foram impostas sobre a difusão das Aparições, realçando que os livros escritos nas décadas de 50 e 60 seriam publicados apenas após o ano 2000, com a autorização final da Santa Sé.

“É a santidade da vida dela, muito fatimita, mas muito em diálogo com a espiritualidade carmelitana, que é um tesouro”, indica.

Com o novo livro, acrescenta a irmã Ângela Coelho, “os devotos de Fátima são enriquecidos com um itinerário espiritual e a espiritualidade carmelitana está enriquecida com Fátima”.

A religiosa sublinha que os 57 anos de clausura da Irmã Lúcia foram os anos de “maior produção interior”.

É como a raiz de uma árvore. Desenvolve-se muito lentamente, sempre às escondidas, ninguém o sabe, mas é da profundidade desta raiz que, eventualmente, a seu tempo, brotará a árvore com a envergadura e a fecundidade que é suposto ter. A vida escondida da Lúcia é exatamente como esta raiz”.

O bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, sublinhou, durante a sessão, que “tudo aquilo que diz respeito à Irmã Lúcia desperta curiosidade e interesse generalizados”, tanto por parte de devotos como de críticos.

O responsável, antigo reitor do Santuário de Fátima, assumiu o desejo de que a Igreja possa reconhecer em breve este percurso de vida “com a beatificação e a canonização”.

Para D. Virgílio Antunes, é essencial que as pessoas tenham oportunidade de conhecer em profundidade a “verdadeira pessoa” da religiosa, como vidente de Fátima e na “grande fase da sua vida”, como carmelita.

“A Irmã Lúcia tem sido um bocado prejudicada, vítima até da sua grande fama”, admitiu, ao rejeitar a ideia de que já “estava tudo conhecido” sobre a vida da religiosa portuguesa.

Os autores do livro realçam que Lúcia de Jesus passou por “incompreensões” por causa da sua missão relacionada com a transmissão da Mensagem de Fátima – desde as normas impostas pela Santa Sé à relação com alguns superiores.

A irmã Ângela Coelho assinala que as normas da Santa Sé, com o intuito de “proteger Lúcia”, acabam por limitar a “atividade de difundir explicitamente Fátima”.

“Ela vai acabar por difundir pela escrita, também no seu diário, mas muito mais pela fidelidade com que acolhe todas as indicações, inclusive a da Santa Sé, que aparentemente são contrárias à missão de difundir Fátima”, prossegue.

Nos seus escritos, a Irmã Lúcia mostra consciência do efeito que poderia ter uma palavra ou um gesto imprudente, face ao grande escrutínio público sobre a sua pessoa.

“Vivo encerrada numa clausura onde as pessoas de fora não entram nem eu saio, a não ser em casos excecionais e necessários, indo sempre com precaução e acompanhada”, escreve no seu diário.

O livro reproduz uma carta escrita por Lúcia ao Papa Pio XII, em 1958, a conselho do núncio apostólico em Portugal, sobre a sua missão de apresentar a mensagem das Aparições de Fátima.

“Nosso Senhor não me explicou como devo desempenhar esta missão, mas creio que sem sair do retiro do claustro, nem do recolhimento da cela, deverei escrever por partes o que o Divino Espírito Santo me comunicar”, assume.

A obra tem como pano de fundo os ensinamentos dos grandes mestres do Carmelo, nomeadamente Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz e Santa Teresa do Menino Jesus, promovendo uma síntese entre a Mensagem de Fátima e a espiritualidade carmelita e tem por base o diário da Irmã Lúcia, intitulado ‘O Meu Caminho’, escrito por obediência ao longo de mais de 60 anos – e atá hoje não publicado.

“Ela nunca cedeu à mediocridade”, sustentou o padre Joaquim da Silva Teixeira, carmelita descalço,

O responsável pela comissão de espiritualidade da Província Portuguesa da Ordem, destacou a importância de conhecer “excertos inéditos” do diário da vidente de Fátima, que apresentam uma “biografia espiritual”.

“Estamos diante de um estudo com um alcance notável”, referiu o sacerdote.

O teólogo assinalou que se relatam, no Carmelo “apenas três visitas de caráter extraordinário na vida de Lúcia”.

“Se teve outras, não as registou. A sua vida foi muito comum”, observou o padre Joaquim da Silva Teixeira.

O religioso destacou que a Irmã Lúcia sofreu com as “ameaças” de divisões na Igreja e com os “grandes dramas” do século XX.

A apresentação da obra contou com a participação de dezenas de pessoas, incluindo o reitor do Santuário de Fátima, padre Carlos Cabecinhas.

O superior provincial da Ordem Carmelita Descalça, padre Vasco Nuno Tavares da Costa, disse que o livro propõe um “itinerário interior”, que “aproxima a Irmã Lúcia “à vida e ao coração dos peregrinos de esperança”, num ano jubilar.

A publicação, promovida pelo Carmelo de Coimbra, é da autoria do padre François-Marie Léthel, carmelita descalço francês especialista em teologia da santidade – dos redatores da ‘Positio’ do processo para a declaração de Santa Teresa do Menino Jesus como Doutora da Igreja e pregador dos exercícios espirituais quaresmais à Cúria Romana em 2011.

A introdução do livro destaca que “Lúcia soube integrar o melhor da piedade popular, eucarística e mariana”, no seio da Ordem Carmelita, “oferecendo um grande enriquecimento ao seu carisma”.

Na saudação enviada para a sessão desta tarde, o padre François-Marie Léthel sublinhou a “esplêndida síntese entre a espiritualidade de Fátima e a do Carmelo Teresiano”.

OC

A venerável Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado (Lúcia dos Santos) nasceu a 28 de março de 1907 em Aljustrel (Fátima, Portugal).

Em 1915, enquanto levava o rebanho da família a pastar, recebeu três vezes a aparição silenciosa do Anjo da Paz, visão que se repetiu em 1916, quando se encontrava na companhia dos seus primos, os Santos Francisco e Jacinta Marto.

Em 1917, nos dias 13 de maio, junho, julho, setembro e outubro (em agosto, no dia 19), a Virgem Maria apareceu aos três pastorinhos, na Cova da Iria.

O decreto da Santa Sé, quem em 2023 reconheceu as virtudes heroicas da Irmã Lúcia – uma etapa decisiva para a beatificação, que depende agora do reconhecimento de um milagre atribuído à sua intercessão – refere que, durante toda a sua vida, a vidente “viveu com empenho a mensagem da Mãe de Deus”.

“Após a morte prematura dos seus dois primos, permanece em Fátima até 1921, altura em que, por intervenção de D. José Alves Correia, que se encarregou de a proteger, Lúcia ingressa no Colégio das Irmãs Doroteias de Vilar (Porto). Aqui adota o nome de Maria das Dores com o intuito de não revelar a sua verdadeira identidade”, refere o texto.

A 24 de outubro de 1925 entrou como postulante no mesmo Instituto religioso, em Tui, Espanha, fazendo a profissão temporária a 3 de outubro de 1928 e a profissão perpétua a 3 de outubro de 1934.

No período de 1935 a 1941, por ordem de D. José Alves Correia da Silva, bispo de Leiria, escreve quatro documentos, intitulados “Memórias”, onde descreve os factos das Aparições, vividas e recebidas na companhia de Francisco e Jacinta.

A 3 de janeiro de 1944, redige outro documento, contendo o chamado “terceiro segredo” e, em envelope fechado, entrega-o a D. José Alves Correia da Silva, que, por sua vez, sem o ler, o remete ao Santo Ofício, em Roma.

Em 1946 regressa a Portugal, à comunidade doroteia do Colégio do Sardão, em Vila Nova de Gaia.

“Desejosa de viver mais intensamente a sua vocação, em 1948, decidiu entrar no Carmelo de Coimbra, onde emitiu os votos solenes a 31 de maio de 1949. Aqui viveu a sua vida segundo os ritmos monásticos de oração e trabalho, desenvolvendo também uma intensa atividade epistolar, na qual dava sábios conselhos espirituais e promovia obras de caridade”, refere o Vaticano.

A 13 de maio de 1967, deslocou-se a Fátima para se encontrar com São Paulo VI, tendo feito o mesmo em 13 de maio de 1982, 13 de maio de 1991 e 13 de maio de 2000 para se encontrar com São João Paulo II.

Faleceu a 13 de fevereiro de 2005, no Mosteiro de Santa Teresa, em Coimbra; em 2006, os seus restos mortais foram trasladados para a Basílica de Nossa Senhora do Rosário, em Fátima.

“O silêncio e a discrição caracterizam as suas experiências de vida religiosa. Era generosa para com os necessitados, para os quais fazia obras de caridade através de pessoas a quem as confiava, de tempos a tempos. A riqueza do seu perfil espiritual está intimamente ligada ao acontecimento e à Mensagem das Aparições, para a qual manteve sempre o desejo de cumprir a missão de a guardar e difundir”, assinala o decreto da Congregação para as Causas dos Santos.

O reconhecimento das virtudes heroicas, em 2023, é uma fase do processo que leva à proclamação de um fiel católico como beato, penúltima etapa para a declaração da santidade; para a beatificação, é agora necessária a aprovação de um milagre atribuído à intercessão da religiosa carmelita.

“Não consigo prever, temos algumas graças, efetivamente, até desde o dia 13 de fevereiro até agora se soube um caso, vamos estudá-lo, mas é muito, muito precoce poder dizer alguma coisa”, referiu a irmã Ângela Coelho, esta tarde.

A vice-postuladora mostrou, no entanto, a sua convicção de que “o tempo está maduro para que possa acontecer um milagre”.

“Sinto que agora o tempo está maduro para que possamos acolher este dom imenso de um milagre, que sem dúvidas Deus nos fará através da Irmã Lúcia”, concluiu.

 

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