Padre José Luís Costa sublinha dificuldades no acompanhamento dos reclusos, pedindo mais envolvimento das comunidades católicas
Lisboa, 22 set 2024 (Ecclesia) – O coordenador nacional da Pastoral Penitenciária em Portugal defendeu a superação de uma “cultura punitiva”, na sociedade, sublinhando as dificuldades no acompanhamento e reinserção dos reclusos.
“O sistema prisional tem de ser um bem comum, um bem comum também para o recluso, não propriamente apenas um castigo”, refere o padre José Luís Costa, convidado da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.
“Na cultura punitiva, se o homem prevarica deve ser punido. Ser punido é ser colocado atrás do muro alto e pronto, já está. E isso é curto”, acrescenta.
O responsável católico alerta para as dificuldades de um sistema prisional “elaborado já há muito tempo, que não vai ao encontro das necessidades concretas” da atualidade, preso a uma “lógica de crime-castigo”.
Este domingo, no Vaticano, o Papa saudou os participantes numa marcha de sensibilização sobre as condições dos reclusos.
“Temos de trabalhar para que os reclusos tenham condições de dignidade. Toda a gente pode cometer erros… ser detido serve para retomar depois uma vida honesta”, sustentou, falando após a recitação do ângelus. |
Duas semanas depois da fuga de cinco reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale dos Judeus, o entrevistado sublinha que estes casos resultam de “um conjunto de coisas que falham”, acrescentando que “há muito a fazer” para assegurar melhores condições nas cadeias.
“Fala-se muito, fala a sociedade sobre as fugas e evasões da prisão, e eu recordo uma das evasões mais tenebrosas que nós temos na cadeia, que é o suicídio”, aponta.
A própria geografia de muitos dos estabelecimentos prisionais potência alguma dificuldade, quer de controlo por parte dos guardas prisionais, quer também da própria relação entre os reclusos”.
O padre José Luís Costa destaca o impacto negativo de ter celas com cerca de 15 a 20 reclusos.
“Eu apostaria muito mais na prevenção, ou seja, e acima de tudo, de tornar a cadeia mais do que um espaço de ameaça, começando a ter um espaço que pudesse ser de alguma forma resultado da própria sociedade”, assinala.
Para o sacerdote, é importante “restabelecer novamente uma base de confiança” entre a sociedade e os reclusos, algo que a presença dos católicos pode ajudar a construir.
“Não podemos deixar que ninguém seja descuidado ou descurado, ou seja, é importante que as pessoas saibam o que acontece dentro das cadeias”, realça.
O desafio para as comunidades católicas, indica o responsável, passar por “cuidar em termos pastorais, a preocupar-se e a fazer-se próximos dos vários agentes, seja dos agentes prisionais, que estão mais ligados ao sistema prisional em si, da contenção do recluso, mas também aos aspetos da educação, do acompanhamento e da reintrodução na vida da comunidade”.
“Uma pastoral de presença diante do mistério do sofrimento obriga a alguma paciência, alguma disponibilidade, também alguma inclinação e vocação, e não a tratar apenas como uma coisa estranha ou exótica, que devemos experimentar uma vez”, declara.
O coordenador nacional refere que os reclusos levam “muitas vezes para o ambiente religioso a pergunta, a pergunta que muitas vezes não conseguem ter tempo para fazer ao educador, que muitas vezes não conseguem ter coragem de fazer à família”.
O padre José Luís Costa elogia o exemplo do Papa, que tem passado por várias cadeias italianas e de outros países, ao encontro dos reclusos e reclusas.
“É um trabalho inspirador, evocativo, desafiante e profético para nós, ou seja, a comunidade cristã não pode apenas olhar-se a si mesma como uma comunidade fechada”, afirma.
Henrique Cunha (Rádio Renascença) e Octávio Carmo (Agência Ecclesia)
Notícia atualizada às 11h30