Professor da Universidade Católica Portuguesa analisa ato eleitoral de domingo, que consolidou o fenómeno de um «país à direita»

Lisboa, 16 out 2025 (Ecclesia) – José Miguel Sardica, professor da Universidade Católica Portuguesa (UCP), rejeita comparar os resultados das eleições autárquicas aos das eleições legislativas, em maio, uma vez que as que aconteceram no domingo são focadas no poder local.
“Há muito quem arrisca a leitura do sentido de voto destas eleições, em relação às de maio, mas, de facto, de eleições legislativas para autárquicas, os resultados não podem ser lidos ao mesmo nível, portanto não há uma curva de votos que permita identificar se há fenómenos que se consolidam ou não”, afirmou o historiador, em declarações ao Programa ECCLESIA (RTP2, 15h).
No entanto, o docente da UCP constata que há uma tendência de um “país à direita, expresso em maio e consolidado agora”.
“Mas a direita também tem dentro dela muitas cores e, portanto, há uma direita moderada que ganha mais votos, ganha mais câmaras”, diz José Miguel Sardica, que defende que esta tem que ter “uma componente social importante, porque ganha quase todas as grandes câmaras urbanas e litorais”, nomeando as cidades de Lisboa, Porto, Sintra, Gaia, Braga e Setúbal.
“É um país que, nesse sentido, está mais à direita, mas é preciso perceber que nós votamos em tempos radicalizados, securitários”, assinalou.
Abordando o facto de o partido Chega ter ganhado algumas câmaras, isto é, alguma expressão local, conseguindo um ou dois vereadores, que podem ser fator de desempate nas câmaras, o professor da UCP confessa que vai ser “interessante” perceber até que ponto esta força política vai assumir responsabilidades governativas ou o diálogo com outras “mais enraizadas”.
Falando sobre o ato eleitoral de domingo, José Miguel Sardica refere que houve “resultados que, do ponto de vista de uma lógica central, são um pouco estranhos”.
“Ou seja, há autarcas que são eleitos muito na base de um capital simbólico, de uma importância e de uma obra que têm localmente, e que ultrapassam por completo aquilo que os partidos podem apoiar ou não”, evidenciou.
Para o historiador, “esse apoio é meramente instrumental para lhes dar máquina, mas para uma vitória que é deles, que não pode ser apropriada depois centralmente”.
No dia seguinte às eleições autárquicas, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. D. José Ornelas, saudou os eleitos e desejou que o ciclo político que se abre promova atenção a quem sofre e a quem vem “de longe”; o patriarca de Lisboa escreveu uma mensagem dirigida aos responsáveis políticos, referindo que “governar é cuidar” e “escutar as pessoas”.
A política, tal como a Igreja a encara, é uma das atividades mais nobres que existem. A Igreja não faz política naquele sentido em que não apela a que se vote pela cor política A, B ou C. A Igreja avalia por igual as políticas e pede a quem a segue que vote em consciência”, começou por dizer.
Da nota publicada por D. Rui Valério, José Miguel Sardica destaca os verbos “servir e cuidar”, que lhe parecem “muito bem escolhidos” quando aplicados à missão política, porque “servir implica ter consciência de que o mandato é uma representação”.
“Ou seja, são os eleitores que depositam, em relação de confiança, a uma pessoa para cuidar deles, para os servir, e servir a cuidar também naquele sentido em que os mais pequenos, aqueles que não têm voz, aquele eleitorado se calhar mais recôndito, mais interior, mais rural, mais pobre”, indicou.
O professor da UCP observa que os eleitores, ao nível das câmaras, ao nível das juntas, podem, de facto, conhecer o candidato, falar com ele, e, portanto, “há uma relação de contacto muito mais estreita”.
“E nesse serviço e nesse cuidado, de facto, as autarquias são, talvez, a primeira instância de mediação, o indivíduo, a família, a empresa, o seu meio, e depois o primeiro poder político”, realçou.
O historiador acentua o facto de que a participação nesta ato eleitoral ter aumentado face às eleições autárquicas de 2021.
“Quando a nota [do Patriarca de Lisboa] nos diz que vivemos um momento decisivo no nosso mundo ocidental, assim é, porque as mudanças políticas, culturais, sociais que temos visto, internacionais e mesmo aqui dentro, apelam a um voto com uma consciência maior”, disse.
Segundo José Miguel Sardica, hoje o voto “tem muito mais oferta, e tendo mais oferta implica, também, uma corresponsabilidade de quem vota, de escolher bem, e, de facto, quem foi à urna escolheu a opção que lhe parecia ser melhor para cuidar e para servir localmente”.
HM/LJ/OC