Piedade Lalanda, Diocese de Angra
Faz parte da tradição católica referir-se à instituição como a Santa Madre Igreja, uma imagem carregada de afeto e confiança. Quem duvida de uma mãe? Quem não confia genuinamente na mãe?
A mãe é sinónimo de colo, proteção, segurança, abrigo nas horas difíceis, coração sensível nos momentos de desamparo.
Quando a igreja se autointitula de “santa mãe”, então é suposto que todos os que a ela pertencem se sintam considerados como filhos, que nela procurem apoio.
A igreja é designada de mãe e os que nela são pastores, consagrados, são designados de padres/pais ou irmãos, expressões que, tal como a madre/mãe, são sinónimo de proximidade, proteção e solidariedade.
As designações carregam um mundo de significados e imagens, que conferem uma responsabilidade acrescida a quem assim é tratado; ser mãe, pai ou irmão, é ser reconhecido como próximo, confiável, fonte de segurança.
Vem esta reflexão a propósito do impacto que teve na igreja, o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos abusos sexuais de Crianças na Igreja católica portuguesa, intitulado “Dar voz ao silêncio,” a ponta de um iceberg, como referiu D. Armando Domingues, Bispo dos Açores (Lusa, 10 março 23).
A visibilidade dada aos casos denunciados de abuso sexual na igreja católica, abalou a comunidade dos crentes, não apenas por serem crimes que atentam contra a dignidade, fossem ou não praticados por membros da igreja, mas, sobretudo, porque os agressores eram ou são figuras, designadas como paternas ou fraternas, pessoas em quem se confia, cuja opinião ou orientação, em algumas ocasiões, pesa mais do que é ensinado nas próprias famílias.
Esta não é, nem pode ser, a igreja católica do séc. XXI.
A igreja que melhor responde às necessidades dos cidadãos de hoje deve ser construída na base da fraternidade. Somos todos irmãos em Cristo e, tal como refere o Evangelho, apelamos pela força do mesmo Pai. A igreja quando advoga posições de autoridade e poder, esconde-se por detrás da história, do silêncio e da vergonha. Como referia D. Américo Aguiar, “nós somos herdeiros de uma culpa. Eu não tenho culpa direta, mas sou herdeiro duma culpa. Assumo essa culpa, assumo o sofrimento e assumo essa vergonha” (R. Renascença, 14 março 23).
Uma igreja fraterna, constrói comunidade, está enraizada na Verdade e pugna pela autenticidade, traves mestras para quem quer construir a paz e uma sociedade mais justa.
Se a igreja quer falar aos jovens e, não tarda, virão milhares a Portugal para as Jornadas Mundiais da Juventude, não pode refugiar-se no “parecer bem”, na tradição oca de sentido, nos rituais cénicos e, muito menos, na passividade e silêncio dos seus membros. A igreja que os jovens entendem, e eventualmente procuram, fala verdade, é sinónimo de esperança, e aponta caminhos de justiça, denunciando desigualdades, exclusão de minorias, abuso de poder e todas as formas que atentam contra a dignidade humana.
A igreja do século XXI tem de ser uma igreja de irmãos, que se respeitam na sua diversidade, capazes de cooperar na construção da comunidade, na resolução dos problemas que afligem os mais fragilizados, os mais velhos, os que lutam para sobreviver.
Esta igreja fraterna, nos Açores tem nos romeiros um bom exemplo. Polémicas à parte, quanto ao facto de ser uma atividade ainda vedada, por tradição, às mulheres, as romarias quaresmais marcam o pulsar do quotidiano na ilha de São Miguel, com ranchos de homens romeiros. Trajados como os pobres de outrora, xaile, lenço e cevadeira/saco às costas, levam um bordão numa mão e o terço na outra, e caminham pelas estradas da ilha, visitando as capelas e igrejas com invocação a Maria, durante 8 dias.
Tratam-se sempre por irmãos, muito para além da romaria, e abordam quem lhes pede uma oração da mesma forma: “irmã, o seu pedido foi registado, somos 35 e vimos de Santo António”, o que implica depois rezar outras tantas ave-marias.
Esta é uma fraternidade transformadora, que derruba barreiras sociais, criando a comunidade de peregrinos, onde não há diferenças entre classes, idades ou condição. A fraternidade é sinónimo de solidariedade.
Precisamos todos de mãe e de pai, mas faz mais sentido considerar a igreja como uma comunidade de irmãos, que se unem porque acreditam no mesmo pai, praticam a mensagem de Cristo e partilham o Amor e o perdão, movidos pela força do Espírito.