Igreja, kerygma vivo na história

Luís Serpa, Diocese de Lisboa

A razão da existência da Igreja no mundo continua a ser assunto na sociedade actual. É conveniente que se continue a interrogar. É necessário refletir o sentido de ser cristão e de estar na Igreja. O documento final do recente Sínodo dos Bispos afirma que «a Igreja existe para testemunhar ao mundo o acontecimento decisivo da história: a ressurreição de Jesus»[1].

A chave de leitura da razão da existência da Igreja é a ressurreição de Jesus, isto é, a vitória determinante sobre a morte. A Igreja existe para anunciar que a morte foi vencida, que o pecado foi vencido, que todos os pensamentos obscuros, as duras memórias, feridas, ressentimentos, foram vencidos! «No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!» (Jo 16,33).

A Igreja anuncia em todas as Eucaristias que Cristo dando a vida, entregando o seu corpo, venceu, para nós, o pecado e a morte. «O Ressuscitado traz a paz ao mundo e dá-nos o dom do seu Espirito»[2]. A origem e fonte da paz, que tanto se anseia, está no acontecimento fundamental da história: a ressurreição de Jesus. «Deixo-vos a paz, minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração» (Jo 14,27). Nos últimos dias, tem-se manifestado a emergência e necessidade da paz. Mas onde vamos buscar essa paz? Jesus é a nossa Paz.

Enuncia o Sínodo que «Cristo vivo é a fonte da verdadeira liberdade, o fundamento da esperança que não engana, a revelação do verdadeiro rosto de Deus e o destino ultimo do homem»[3]. O sentido da liberdade só se encontra na pessoa de Jesus. Diz S. Paulo aos Gálatas, «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20), a verdadeira liberdade está na comunhão íntima com Jesus, não se trata de uma liberdade utópica e antropocêntrica, mas doadora de vida, fraterna, aquela que ama o inimigo. A cruz de Cristo é fonte de liberdade. Convém olhar o sentido e o significado da liberdade à luz da Páscoa de Cristo, porque, já fomos assistindo às consequências profundas das ideias egoístas e utópicas da liberdade, onde maior parte delas resultou em destruição, não só física, mas também, moral e antropológica.

Diz também o documento sinodal que «os Evangelhos dizem-nos que, para entrar na fé pascal e tornar-se testemunha dela, é necessário reconhecer o próprio vazio interior, as trevas do medo, da dúvida e do pecado»[4]. É necessário entrar naquele quarto escuro, onde nada se vê e, onde sabemos que o que lá se encontra, não nos agrada, porque não nos faz sentido. Cristo dirá: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jo 14,6), isto é, Ele é a Verdade que nos conduz à verdadeira vida, que é a vida eterna, na presença de Deus e da história fantástica que desejou para nós. É no hoje da nossa história que se manifesta a vida verdadeira, a vida com Cristo. É entrando no nosso vazio interior, que Cristo aparece glorioso e nos enche com a sua Shekiná, com a sua Glória. É caminhando nas trevas do medo, onde Cristo nos pode dar a Esperança, onde o medo se transforma em força, porque a «esperança não engana» (Rm 5,5). Dirá também S. Paulo: «De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo» (2Cor 12,10).

Ter dúvidas não é um mal, mas sim um bem, porque é a partir do nosso duvidar que Jesus manifesta o seu Amor na nossa história, é quando não temos certeza de nada, que Cristo nos vem dizer o quanto nos ama e que está permanentemente presente e estará sempre connosco. «Jesus disse-lhe em resposta: “És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no céu”» (Mt 16,17).

É verdade que o pecado nos leva a afastar de Deus e do próximo, mas o pecado, primeiramente, nos reaviva a memória para nos dizer que somos fracos e débeis. Que tantas vezes desejamos pôr-nos no lugar de Deus, de achar que o outro é indiferente, que é desprezível, que é um objeto, etc… Diz a Escritura, que «Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos, nele, justiça de Deus» (2Cor 5,21), isto significa que o próprio Deus, sabendo da nossa miséria e querendo Ele nos salvar, fez-se fraco, fez-se débil, fez-se pecado por amor a nós.

Neste tempo da Quaresma, o Papa Francisco, na sua mensagem, propõe a olhar exatamente neste sentido. Primeiramente, o caminhar, lembrando a travessia do povo de Israel em direção à Terra Prometida, a passagem da escravidão para a liberdade, a passagem do vazio, do medo, da dúvida, do pecado à liberdade, isto é, à santidade. Seguidamente, a viagem juntos, onde Francisco enfatiza que «o Espirito Santo impele-nos a sair de nós mesmos para ir ao encontro de Deus e dos nossos irmãos, e nunca a fechar-nos em nós mesmos»[5]. Depois, na esperança de uma promessa. Sublinha que a esperança, que não engana (cf. Rm 5,5), seja para nós o horizonte da Quaresma, rumo à Páscoa, à vitória de Jesus Cristo sobre a nossa morte. Onde aquela exortação que S. Paulo faz ao Romanos se possa concretizar: «Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8, 38-39).

Afirma Francisco: «A morte foi transformada em vitória e aqui reside a fé e a grande esperança dos cristãos: na ressurreição de Cristo!»[6]. Este é o grande pregão contemporâneo. Portanto, o sentido de ser cristão poderá começar por nos deixarmos encontrar, nos deixarmos olhar por Cristo. «Mas aqueles que, na escuridão, têm a coragem de sair e pôr-se à procura descobrem, na realidade, que são procurados, chamados pelo nome, perdoados e enviados juntos aos irmãos e irmãs»[7].

Luís Serpa

[1] FRANCISCO – XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DE SÍNODO DOS BISPOS, Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão, nº 14.
[2] Ibidem
[3] Ibidem
[4] Ibidem
[5] Cf. FRANCISCO, Mensagem para a Quaresma 2025, p. 2
[6] Cf. FRANCISCO, Mensagem para a Quaresma 2025, p. 2
[7] FRANCISCO – XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DE SÍNODO DOS BISPOS, Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão, nº 14.

 

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