No dia seguinte ao adeus a Francisco é convidado da Renascença e da Agência Ecclesia o padre José Frazão Correia, antigo provincial dos Jesuítas em Portugal, teólogo e diretor da revista Brotéria

Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
A Igreja Católica fica melhor depois do pontificado do Papa Francisco?
Direi sem hesitação que sim, que fica melhor. Foi mais de uma década muito marcante e das muitas coisas que precisaríamos de dizer para ser justo, em relação a este pontificado, diria que a grande marca é de alguém que verdadeiramente assumiu o legado do Concílio Vaticano II. Não sei se para muitas pessoas isto diz muito ou diz pouco, mas do ponto de vista eclesial creio que esta é a grande marca e que não fica encerrada com a morte do Papa Francisco, mas seguramente será um legado que dificilmente não será retomado.
O Papa Francisco é verdadeiramente um filho do Vaticano II e que mostra que esse acontecimento eclesial dos anos 60 continua vivíssimo, com uma força extraordinária, mas que ainda falta alguma coisa, ou falta bastante para lhe dar uma forma eclesial. Parece-me que então esse grande processo iniciado pela Igreja nos anos 60, o Papa Francisco pegou nele com grande coragem e impulsionou um conjunto de processos que agora precisam de ser alimentados e aprofundados para que eles cheguem a uma reforma, a uma mudança institucional.
Que caminhos de futuro deixa este pontificado que desafiou os católicos a viver a fé na alegria e em saída sem medo de abraçar a todos, todos, todos, não é?
Sim, eu acho que deixa essa coragem, essa audácia, essa leveza que o Papa Francisco tinha, talvez por estilo pessoal, mas de alguma maneira também como um estilo eclesial, essa ideia de abertura, uma ideia que ele já expressou antes do conclave aos outros cardeais, que era preciso abrir as portas da Igreja para deixar sair o Espírito e para deixar entrar aqueles que desejavam entrar. Essa marca de abertura, de grande contacto com o mundo, com a audácia, é interessante recordar como terminam os atos dos apóstolos, que Paulo na prisão fala com desassombro e sem impedimentos, acho que é algo do género que o Papa Francisco encarnou.
Aquela palavra que o Papa usou muitas vezes, a parrésia, não é?
Exatamente, é esse falar franco, essa liberdade evangélica que o Papa Francisco penso que traduziu com grande autenticidade, obviamente também sua autenticidade pessoal, sem o aparato barroco ou medieval que ainda cobre muita forma eclesial. O Papa Francisco tem esse lado de autenticidade que marcou muito o mundo, mas não parece que seja simplesmente uma espécie de fait-divers pessoal, é um estilo eclesial. Nesse sentido, retomando a ideia com que comecei, é um estilo que encarna um modo da Igreja estar que assumiu com o Vaticano II, e portanto esse processo que ele retomou com grande liberdade e grande ousadia, e que de alguma maneira se traduz neste Sínodo sobre a sinodalidade – são palavrões que nós usamos pouco interessantes, mas não temos outro, isto é, de uma Igreja que se compreende como um sujeito que caminha em conjunto com partes diferentes, mas que se compreendem numa unidade a partir do Batismo.
Esse processo agora precisa de ser alimentado, obviamente com os tempos necessários, a maturação necessária e a paciência também necessárias, porque se não traduzir numa mudança institucional começa a ser um círculo que não gera nada, e creio que esse é o grande legado. Independentemente de quem vier a ser eleito Papa, esse testemunho que o Papa Francisco assume do Vaticano II, e que passa ao próximo, penso que dificilmente não será retomado, independentemente depois do estilo mais pessoal, de uma maneira ou de outra.
Não receia que esse processo, em construção ainda, que é o Concílio, possa de alguma forma ser travado? Há quem tenha dúvidas de que o legado do Papa e os caminhos traçados por ele possam vir a ser interrompidos. A sua perceção não vai por aí?
Não vai, obviamente, falo também a partir do meu entendimento e da minha expectativa, do meu desejo, mas parece-me que aqui, e é também o risco, toda esta dinâmica mediática em torno de uma figura que é o Papa, pode ser injusta e enviesada se for a concentração numa pessoa e não numa dinâmica eclesial, digamos.
E nesse sentido, creio que essa dinâmica eclesial vem do Vaticano II – isto é, a Igreja inteira entendeu nos anos 60 que é uma Igreja Fechada sobre si mesma, que mantém uma tradição que é entendida sobretudo como uma espada que combate o presente e o mundo, não servia de todo à sua missão de enunciar o Evangelho. Esse é um processo também, é uma dinâmica cultural, é uma dinâmica social, para além de ser uma dinâmica evangélica, e dificilmente esses movimentos são bloqueados porque, se o fossem, a Igreja ficaria reduzida ao seu pequeno grupo, eventualmente com alguma tutela política de movimentos também, que agora percebemos que procura uma certa legitimação sacral do seu projeto político. Seria uma Igreja Fechada, sem relevância nas vidas das pessoas e sem relevância cultural e, portanto, independentemente depois do estilo mais pessoal, parece-me que esta dinâmica, este grande processo iniciado com o Vaticano II e está longe de estar realizado na forma eclesial, dificilmente não será um legado a continuar.
Eu quero lembrar aqui um momento, que seguramente terá sido muito particular para os jesuítas portugueses: o encontro de 5 de agosto de 2023, aqui em Lisboa. Entre muitas coisas, o Papa disse “não tenham medo de ser imprudentes a perguntar”. Esta capacidade que ele de enfrentar o desconforto e o imprevisto vão fazer falta?
Se não forem continuados, vão fazer falta, mas esse contacto vivo com a realidade, com as pessoas concretas, com as dinâmicas culturais e sociais concretas e políticas, isso está no coração da experiência cristã. Quando nós dizemos que Jesus Cristo encarnou, isso não é uma palavra simplesmente que se repete e que não significa nada, estamos a dizer que, segundo a nossa compreensão cristã das coisas, Deus fala na realidade e, portanto, sem um contacto vivo com a realidade, sem a disponibilidade para se deixar tocar por ela e para tocar essa mesma realidade, a experiência crente é uma ideia vaga, é um sentimento muito intimista.
E o Papa Francisco sempre conseguiu fazer do concreto uma categoria teológica central?
Sem dúvida, e essa é uma questão interessante, porque muitas vezes se diz que o Papa Francisco não era teólogo, como se fosse alguém que gosta de fazer coisas e que não pensa, e é tudo falso. Ele tem um entendimento teológico muito claro, só que é uma teologia que não se pensa a si mesmo, digamos assim, fechada sobre si mesma, é um pensamento sobre o fenómeno cristão, onde a relação com a realidade, com os sentimentos, as emoções, as dinâmicas políticas, as dinâmicas sociais, a realidade da pobreza, da ecologia, entram como categorias de pensamento. Nesse sentido, não lhe interessa um pensamento erudito que se autocelebra e que fala para os seus, seguramente não é a teologia que o Papa Francisco cultivava.
A autorreferencialidade...
Exatamente, aliás, a autorreferencialidade que diz respeito a muitas dimensões da Igreja e pode dizer respeito à teologia. O Papa Francisco parte da realidade, ficou famoso o princípio de que a realidade é superior à ideia; obviamente nós precisamos de ideias para pensar a realidade e para lhe dar categorias, mas o ponto de partida é a realidade. É muito interessante, mesmo em relação à dinâmica, digamos assim, doutrinal, a caridade, a misericórdia, um termo que o Papa Francisco pôs no centro do seu pontificado, a misericórdia, o amor cristão, o que quisermos chamar, precede a doutrina e permanece válida e ponto de referência mesmo quando a realidade não é de todo clara, mesmo nas zonas cinzentas das existências, da compreensão das coisas. A caridade preside e, portanto, a caridade, a misericórdia, para o Papa Francisco foi o elemento estruturante da relação com a realidade. Nós podemos ter um entendimento não claro, por exemplo, sobre a transexualidade, para trazer assim um tema difícil, mas o Papa Francisco recordou que antes de pensar essa realidade, mesmo do ponto de vista moral, há pessoas concretas que se compreendem assim e, portanto, um ponto prévio à ideia que possamos ter e de juízo moral é o contacto com estas pessoas, e o contacto com estas pessoas faz com que o pensamento sobre essa realidade, eventualmente do ponto de vista teórico ou teológico, seja informado. Isso diz respeito a todas as realidades, à realidade política, à realidade cultural, à realidade ecológica, à realidade das relações fraternas, etc. Esse é um modo muito elementar, ainda que pareça original, mas muito elementar de realizar o Evangelho e nesse sentido percebemos também como o Evangelho tem um alcance universal enquanto é capaz de tocar a realidade muito para além das fronteiras que são aquelas do espaço eclesial e daqueles que professam explicitamente a fé cristã.
Nós sabemos que o pontificado encontrou resistências nas suas dinâmicas de abertura e também de sinodalidade, por exemplo. Teme que haja uma reconfiguração de prioridades numa espécie de movimento pendular de recuo no futuro imediato?
Eu gostaria que não, é verdade que o pêndulo pendula por natureza, percebemos que depois de um determinado perfil vem outro que corrija um pouco e essa dinâmica talvez seja incontornável e se calhar justa, uma espécie de correção. Agora, no conjunto, eu gostaria que não acontecesse, eu acho que a força do legado do Papa Francisco é que não chega dizer ‘sinodalidade’, é preciso praticá-la porque é essencialmente uma ação e aqui está a exigência e muitas vezes também a fragilidade, se calhar, da Igreja e de muitos líderes na Igreja é pensar que, porque se diz, a realidade se altera. Estamos a falar de práticas que implicam a exposição, que implicam a inércia das dinâmicas, a força das dinâmicas, gostaria muito que não se perdesse. Como dizia, no fundo este longo processo que vem do Vaticano II precisa ser continuado para que desague em alterações, em mudanças institucionais, isto é, em alterações que configurem o modo como a Igreja se compreende, mas, sobretudo, como se realiza, que chegue ao Direito Canónico, que chegue ao modo de organização, ao exercício do poder, à teologia, etc. Quando falamos de instituição estamos a falar da forma visível e, sem chegar à forma visível, deixamos a fé apenas ao nível do pensamento ou apenas do sentimento e não da forma eclesial.
E será que o futuro nos reserva um acentuar de posições entre conservadoras e progressistas?
Enfim, para usar essas categorias… eu gostaria mais, parece mais interessante, entre aqueles que compreendem o cristianismo exposto à realidade com a capacidade de tocar, mesmo, o risco dessa exposição. Um cristianismo, em concreto a Igreja Católica, que já não se compreende como o centro, mas como uma voz, entre outras vozes, mas que ainda assim não renuncia à sua voz e, nesse sentido, capaz de agir entre tantas outras, expõe-se a esse risco. E uma compreensão do cristianismo, talvez, mais fechado sobre si mesmo, mais protegido, mais recluso. Parece-me que essas são as duas grandes dinâmicas. Há um risco para a Igreja Católica, em concreto, mas não é um problema apenas da igreja Católica, basta olhar para a Igreja Ortodoxa Russa: a manipulação do património cristão para fins políticos que lhe são alheios, ainda que haja aparentes afinidades no exercício da autoridade, da recuperação dos valores cristãos, da herança cristã da Igreja, elementos que à partida soam bem, mas que são, parece-me, muito sensíveis do ponto de vista da limitação da liberdade da Igreja no exercício da sua missão.
O pontificado do Papa Francisco, de certa forma, funcionou como barreira desses movimentos, em muitos casos. Também há pessoas que, olhando para o que foi o pontificado, talvez tenham ficado frustradas por alguns temas não terem avançado tanto quanto desejariam, como, por exemplo, a ordenação de mulheres, sobretudo a diaconal, ou a possibilidade da ordenação sacerdotal de homens casados. Não houve tempo, não houve consenso, não houve capacidade de criar as condições para que este debate fosse frutuoso?
Talvez todas essas razões. Estou de acordo que muitos processos não tenham, talvez, chegado ainda tão longe como poderiam chegar. Mas são processos, eu acho que eles foram abertos e necessariamente terão continuidade. Porque o quadro cultural em que o cristianismo se compreende hoje, não permite à Igreja não dizer alguma coisa sobre estas realidades. Os processos, eventualmente, não foram tão longe como tantos gostariam, mas foram abertos e já tiveram as suas etapas. Terão de ter muitas outras. Obviamente, estamos a falar de temas muito sensíveis dentro da Igreja e na sua relação com o mundo, onde há também muita pressão cultural, digamos assim, de ir em determinada direção. Portanto, acho que há aqui uma paciência e uma maturação necessárias, mas, ao mesmo tempo, não tão previdentes que também não se exponham a essa mesma dinâmica. São campos onde, inevitavelmente, o caminho terá de ser feito, terá de dar mais passos, sob pena de a Igreja ficar sem capacidade de uma palavra significativa no espaço público.
Começamos agora a olhar para o que vai ser o futuro. Como é que olha para a reconfiguração do catolicismo em geral, que deixa de ser um fenómeno centralmente europeu, e como é que o Papa conseguiu traduzir isso na constituição do Colégio Cardinalício?
Do que posso perceber, é claro que houve um desejo de alargar este colégio, dando voz a Igrejas e a comunidades que, à partida, não teriam grande voz, por serem tão limitadas do ponto de vista numérico, ou por estarem em zonas geográficas tão remotas.
E muitas vezes zonas em que são minoria. Isso é relevante?
Eu creio que é relevante, porque é um modo de ser consequente com esse desejo de pensar a Igreja não a partir do centro, mas da periferia, não a partir daqueles que têm o poder económico ou de influência teológica ou outra, mas a partir, precisamente, daqueles que estão na margem. Portanto, parece-me que o que está subjacente à escolha do Colégio Cardinalício é também uma coerência com esse desejo de a Igreja de se pensar a partir do fora e do periférico, e seguramente que essas vozes terão alguma coisa a acrescentar.
Além de que, parece-me que a constituição do Colégio também traduz uma compreensão clara, talvez por ser latino-americano e ele vir de uma zona periférica em relação à Europa e a Roma, digamos, que é de se compreender também a partir da periferia e de compreender que o mundo, o norte global, precisa de dar outra voz ao sul global. Percebemos isso do ponto de vista geopolítico e também do ponto de vista da igreja, me parece que será incontornável.
Esta dispersão, vou chamar-lhe assim, também torna mais imprevisível perceber o que é que vai acontecer num Conclave, por exemplo?
Eu imagino que sim, confesso que não conheço suficientemente os nomes que vão surgir.
Sim, no caso aqui nem estamos a falar de nomes, estamos a falar mesmo de perceções geográficas de várias ideias de Igreja, de várias proveniências, várias experiências de vida. Tudo isso vai entrar na Capela Sistina…
Imagino que sim, porque uma Igreja alemã é muito diferente da Igreja americana e esta é muito diferente de outras Igrejas do sul global, talvez, imagino que essas sensibilidades se vão encontrar, se vão confrontar. Eu espero que se confrontem de uma maneira honesta e, diria, espiritual, isto é, que o Espírito possa manifestar-se não por uma espécie de consenso que ilumina as diferenças, mas através de uma compreensão da unidade Da Igreja, não apesar das diferenças, mas nessas diferenças, que são diferenças muito significativas. Dizia, a Igreja alemã e a Igreja dos Estados Unidos atualmente são experiências eclesiais muito diferentes e um Conclave que não exprima, que não pense significativamente e com honestidade, com a tal parrésia, com a tal coragem evangélica e falar franco, seria a procura de uma unidade que vai à revelia das dinâmicas, das diferenças da realidade, também da realidade eclesial.
Cada vez mais a Igreja se compreende como uma Igreja plural e isso torna difícil o exercício da autoridade, mas ao mesmo tempo também abre possibilidades, eu diria, talvez mais evangélicas. A questão não nos é facilitada pelo reconhecimento dessa pluralidade, mas essa pluralidade, diria, que também tem a marca do Espírito.
A reforma interna da Igreja era uma prioridade do Papa, mas também se mostrou sempre atento aos dramas da humanidade. Que peso pode ter o papel político da Igreja no contexto atual internacional de conflitos e tensões na escolha do sucessor de Francisco?
O que eu notei pessoalmente foi que, durante o tempo em que o Papa Francisco esteve hospitalizado, senti faltar uma voz nos debates internacionais, o que me deu a entender que a Igreja e o bispo de Roma, em particular, têm uma palavra a dizer. Possivelmente não alterará nada de significativo nas dinâmicas geopolíticas, mas é uma voz que é importante ouvir porque fala a partir de um lugar não de poder militar, ou económico, ou outro, mas ainda que com as suas fragilidades, a partir de um lugar moral, digamos assim, humanamente consistente. Só ter essa voz já é um serviço à comunidade internacional.
Essa voz foi particularmente importante para periferias, populações migrantes, refugiadas. Podem sentir-se agora um pouco mais órfãs, com a partida de Francisco?
Eu espero que não fiquem, enquanto a Igreja no seu todo, mantenha viva essas expectativas. De facto, quando todas as políticas são controversas do ponto de vista da migração, alguém recorde que apesar de tudo há migrantes, há refugiados concretos, há ciganos, há minorias que precisam de ser atendidas, independentemente das estratégias geopolíticas. Ter alguém que dá voz verdadeiramente a essas pessoas, comunidades, regiões geográficas. é um bem para a comunidade internacional inestimável. Espero que não seja apenas a voz do Papa, mas seja uma pluralidade de vozes que se refazem ao Evangelho, portanto, seja a Igreja no seu todo que assume essas dores, digamos assim. E que isso tenha traduções, tenha tradução na avaliação crítica das dinâmicas políticas, dos atores políticos, porque o Evangelho informa a nossa leitura das coisas. A voz do Papa foi uma voz crítica para a própria Igreja. no modo como ela se relaciona com todas essas zonas de exclusão, de marginalidade, de periferias, para lhes recordar que essas, precisamente, não estão na periferia, mas estão no coração da Igreja, porque são o coração do Evangelho, em última instância.
Uma última pergunta mais, pessoal: como jesuíta, como foi acompanhar o pontificado de Francisco, o primeiro Papa da Companhia de Jesus?
Foi muito bom, não por um sentido de pertença. “Ah, o Papa é jesuíta e, portanto, é cá dos nossos”, nada disso. Foi aliás uma grande surpresa, nunca pensei que pudesse haver um Papa jesuíta por todos os motivos históricos e pela própria dinâmica da Companhia, nada assim de uma espécie de clubismo familiar, mas foi uma experiência muito feliz. De alguma maneira, sentir confirmação no meu próprio estudo da teologia, no meu entendimento da Igreja e, portanto, um Papa que veio dar materialidade a muito pensamento que cultivava. E uma experiência feliz por sentir que, de facto, havia ali um homem com uma grande estatura humana, uma grande estatura espiritual e uma grande estatura evangélica e de me parecer que era alguém que foi capaz de entender o seu poder, a sua autoridade, e não há que ter medo destas palavras, poder e autoridade, porque elas são um bem. Colocou-se verdadeiramente ao serviço da missão da Igreja e do mundo, deixando de lado aquilo que muitas vezes parece tão essencial, quase o anedótico, o etnográfico, para pôr no centro o Evangelho. Por isso, parece-me que o Papa Francisco, e mesmo vemos agora nas disposições que deixou para o funeral, quis apontar muito pouco para si mesmo e mais para aquilo que é essencial, que é o Evangelho e o modo como o Evangelho se relaciona com a realidade.
Do ponto de vista pessoal, foi um tempo de grande satisfação e de grande contentamento por parecer que a Igreja foi capaz de, com todas as debilidades e todas as fragilidades que também aconteceram durante este pontificado, de perceber que a Igreja tem um património extraordinário que é o Evangelho e que este património, este bem, esta força, continua a fazer todo o sentido para a nossa experiência humana e como crente, também para a nossa experiência crente, obviamente. Foi um tempo muito feliz.