Igreja/Economia: «Não se resolvem os problemas só com dinheiro» – Carlos Figueira

O Governo já entregou no Parlamento a sua proposta de Orçamento do Estado para 2025. A discussão do documento passa agora para a Assembleia da República, numa altura em que permanecem as dúvidas quanto à sua aprovação. Dias depois do Governo ter entregado na Assembleia a sua proposta de Orçamento, é convidado de Renascença e da Agência ECCLESIA, Carlos Figueira, da Equipa de Coordenação do hub português da Economia de Francisco

Foto: RR/Miguel Rato

Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

Teve a oportunidade de estar recentemente com o Papa, e Francisco mais uma vez convidou a mudar o mundo da economia. Pergunto se é um desafio particular, até para quem se assume como católico, aplicar os princípios do pensamento social-cristão a questões como o mercado ou o sistema financeiro, por exemplo? 

É claramente um desafio. Aliás, eu gostava de começar por dizer que é um desafio para todo o católico, não só no contexto da economia e no contexto do mercado financeiro. Na verdade, a economia está presente em toda a nossa vida, não é? É claramente um desafio, mas também é importante, até para quem possa estar menos familiarizado com aquilo que é a economia de Francisco, que o Papa, quando lança este convite em 2019, lança-o aberto a todos os jovens, de boa vontade. Portanto, não é só o ser católico ou não. Obviamente que, enquanto católico, tem essa responsabilidade, e todos nós temos essa responsabilidade, de aplicar o pensamento social-cristão no nosso dia-a-dia, e particularmente na economia, que o Papa nos lançou este desafio muito concreto, muito difícil também, de, aplicando os seus princípios, desde o bem comum, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, etc… Todos esses princípios da doutrina social da Igreja, aplicá-los no nosso dia-a-dia e aplicá-los no contexto da economia, no contexto dos mercados financeiros. E é isso que, no fundo, este processo visa fazer. Esta economia de Francisco, que é também pensar soluções, refletir nos problemas atuais e pensar qual a forma de responder a esses problemas e aqui com o papel fulcral dos jovens que dinamizam este processo, que são os protagonistas, e que também, enquanto jovem que pertenço a este processo, sinto muito essa confiança também do Papa, de que confia em nós, jovens, nas nossas características, no nosso entusiasmo, na nossa dinâmica, na nossa vontade de fazer e de fazer diferente para, no fundo, mudarmos a economia, a forma como se faz a economia, a forma como os mercados financeiros funcionam, e, claramente, trazer aqui para o centro a dignidade da pessoa humana.

 

Foi convidado a ser parte do grupo de membros da comunidade internacional na Assembleia da Nova Fundação Economia de Francisco. O que é que representa este novo passo da comunidade global, que se criou nos últimos cinco anos? 

 

Isto é um passo, sem dúvida, muito importante: a criação da fundação. Esta fundação também surge no decorrer de um processo de auscultação da comunidade e é vontade da comunidade esta fundação, o haver mais estrutura, mais organização. Portanto, a fundação é criada também como resposta aos nossos anseios, aos nossos desejos, aos nossos sonhos, e é importante exatamente por isto, porque vem dar estrutura e vem, no fundo, apoiar aquilo que a comunidade quer fazer, apoiar os seus projetos, os seus sonhos. No fundo é aqui um passo em frente neste processo, que começou há cinco anos. No fundo, vai-nos ajudar a dar passos mais concretos a nível global e tem aqui muito o objetivo de garantir também coisas muito concretas: acesso a financiamento, materializar mais projetos concretos para permitir que eles tenham mais impacto, unir mais também a comunidade, partilhar mais o conhecimento e, no fundo, também abrir novas oportunidades de colaboração. Reforçar a cooperação a nível global também, no interior desta comunidade, que é a Economia de Francisco, e vai promover processos não só globais como locais, havendo aqui um processo como é apanágio da Economia de Francisco, que escuta, dialoga entre toda a comunidade, e garantir também que as várias vozes são ouvidas. Estamos a falar de um movimento que é global, e cada contexto tem as suas características, tem a sua forma de ver a realidade, e nós aprendemos muito uns com os outros. Portanto, esta fundação vai dar mais estrutura e vai-nos permitir começar a materializar ainda mais passos muito concretos, aquilo que já vimos a fazer, mas que agora temos aqui um novo impulso.

Esta Economia de Francisco, este movimento, apesar de ser relativamente jovem, já começa a receber também uma outra geração de estudantes, de economistas. Isso é importante para o caminho que se faz? 

Sim, sem dúvida. Aliás, eu posso dizer que agora, quando estive em Roma, não só tivemos uma audiência com o Papa, mas também tivemos o início dos trabalhos daquilo que vai ser, no meu caso, a participação na Assembleia, que é um dos órgãos da Fundação que visa representar a comunidade, e posso dizer que, nesse início dos trabalhos, esse foi desde logo um ponto que nós falamos e que consideramos como fundamental, que é as novas gerações e garantir que há continuidade deste processo. E, de facto, se nós pensarmos no início do processo, em 2019, em que na altura até era suposto haver apenas um evento. O Papa quando lança o convite é apenas para um evento, depois isto, de alguma forma, contra todas as expectativas, porque tivemos o Covid e etc., ganhou uma vida muito para além daquela que à partida estava destinada, e que passou a ser um processo, um movimento que dura até hoje, e que agora ainda vai crescer mais com a Fundação. Esse evento, na altura, era para pessoas até 35 anos, e nós agora, as pessoas que na altura tinham 30 e agora já têm 35 ou mais, portanto, pessoas que ainda estavam nesse âmbito, agora muitas delas já começam fora deste âmbito, sendo que, apesar deste movimento ser um movimento em que os protagonistas são os jovens, a Economia de Francisco é aberta a todos e há diferentes papéis para diferentes profissões.

 

Tem professores universitários, empresários…

Exatamente. Nós também somos apoiados para aquilo que nós chamamos no interior da Economia de Francisco os Séniors, ou seja, pessoas já com mais experiência que nos vão guiando e ajudando a desbravar caminho porque uma das características deste processo é que também, à partida, não há caminhos pré-definidos e, portanto, nós vamos desbravando caminho, e para isso, obviamente, esta junção de gerações é fundamental, pela diversidade, pela partilha de experiências, de conhecimento. A partilha e a diversidade vai criando e vai permitindo construir um caminho melhor e, sem dúvida, as novas gerações são fundamentais. Eu aqui também aproveito para deixar um apelo porque, sim, há novas gerações. Eu neste momento tenho 30 anos, e, obviamente há pessoas mais jovens que estão a entrar no processo, mas, muitas vezes, também é difícil. Eu sinto que mesmo quando vou a uma escola ou a alguma outra ação de divulgação, nem sempre é fácil cativar os jovens para estes temas. A dada altura, parece que é preciso ter aqui alguma maturidade e querer olhar a realidade, se calhar, de uma perspetiva demasiado imediatista, e como o Papa até referenciou o ano passado, na JMJ, não nos ficarmos pelas respostas rápidas e ir mais a fundo. E nem todos, infelizmente, têm esta capacidade.

 

E a JMJ não serviu de trampolim para alargar a participação neste movimento? 

Serviu, claro que sim. Notamos que, obviamente, as pessoas tiveram mais interesse, e que, inclusive, nas escolas os convites continuam para nós irmos lá divulgar. Portanto, a JMJ teve o seu papel, foi importante. Nós tivemos, nessa semana, a Casa da Economia de Francisco que correu bastante bem, tivemos centenas de pessoas na casa, e na altura até foi lançada a Cátedra da Economia de Francisco e foi um tema bastante falado. Teve o seu papel, mas é hora de não ficarmos só para aquilo que foi um impacto mais imediato, mas de continuarmos porque este tem de ser um efeito que tem de ser duradouro. Não basta, pensar “ok, tive uma jornada, despertou-se o interesse, mas depois a chama morre”. A chama tem de continuar, e deixar desde logo esse apelo até aos portugueses: nós em Portugal somos alguns, mas não somos assim tantos. À nossa escala, até se calhar não somos assim tão poucos, mas as pessoas que se identifiquem com estes temas, que se identifiquem com uma forma de olhar a economia, o mundo, de uma perspetiva mais inclusiva, mais humana, mais sustentável, uma perspetiva mais da vida, que, de facto, querem pôr mãos à obra, e como o Papa nos chamou tantas vezes, em diversas ocasiões, queremos ser protagonistas e queremos, como ele disse muitas vezes, sujar as mãos.

 

Vamos agora a um ponto concreto dos ensinamentos e das reflexões do Papa Francisco, e que tem sido a preocupação com a ética nos investimentos. Olhando para o nosso mundo atual, uma das principais críticas que o Papa Francisco tem feito é o grande lucro que dão a produção e o comércio de armas. A pergunta é, faz sentido que a guerra seja lucrativa? 

Não faz, não faz. Na nossa perspetiva, não faz. Acho que isto é mais ou menos óbvio para toda a gente que pensa um bocadinho, quer dizer, para os beneficiários não, mas obviamente que a guerra não traz solução a ninguém. É muito óbvio que a guerra não traz nenhuma solução, não vai melhorar nada para ninguém. É, no fundo, duas posições que estão extremadas…

 

Mas o Papa tem repetido em várias intervenções esta ideia de que é efetivamente um dos negócios mais lucrativos. 

É verdade. E do ponto de vista ético, falando até da parte mais de investimentos, não é, na minha opinião, acho que também na nossa visão da economia de Francisco, não é ético fazer um investimento em armas, em tudo o que for algo semelhante. E por isso é que também, naquilo que têm sido os documentos produzidos, não só nas intervenções do Papa, mas nos documentos produzidos no interior da economia de Francisco, esta questão da não-proliferação de armas é fundamental. Não poderia deixar de ser se também, no fundo, a nossa inspiração não fosse São Francisco de Assis porque São Francisco, e nós há pouco tempo até tivemos uma iniciativa nesse sentido, que era os “Passos pela Paz”, São Francisco foi uma pessoa que deu passos pela paz, que no seu tempo, num tempo também muito difícil de guerra, de cruzadas, de guerra entre muçulmanos, católicos… procurou fazer a paz e teve sempre aqui esta abertura ao diálogo, a tentar construir pontos, e não se fixar pela resposta imediata e mais óbvia, se calhar, em muitos contextos. Às vezes na cabeça humana, a resposta mais imediata é passar à guerra, à violência, mas se formos a fundo, e se pensarmos naquilo que Deus nos pede… E aqui até vou mais longe, acho que isto não precisa de ser uma pessoa crente ou não crente, porque acho que a divisão não é essa. O Papa abre sempre os desafios a todas as pessoas de boa vontade, e a verdade é: mesmo uma pessoa que não seja crente, mas que tenha um sentido humanista, percebe que a guerra não leva a lado nenhum.

 

Além dessa área de investimento, essa talvez seja muito mais evidente para mais pessoas, um dos conceitos fundamentais que o Papa tem transmitido e que está na economia de Francisco, o da Ecologia Integral, leva também ao desinvestimento noutra área que é muito lucrativa, que são os combustíveis fósseis. Esse desafio talvez seja mais complicado, portanto?

 

Mas aí eu até prefiro focar-me pela positiva. Em vez de falar em desinvestimento em combustíveis fósseis, prefiro falar em investir em energias renováveis, fazer investimentos que façam bem, não só ao planeta, mas a toda a criação, ou seja, também a nós próprios. Acho que o conceito de Ecologia Integral é esse mesmo, porque passa, primeiro, por reconhecer que a realidade está toda integrada, e por isso é que o Papa também na ‘Laudato Si’ fala de que a crise ambiental não pode ser separada da crise social, da questão da pobreza, etc. Nós temos de reconhecer que a realidade é complexa e está toda interligada. Não podemos pensar numa solução que seja, por exemplo, desinvestir em combustíveis fósseis, se nós também ao mesmo tempo não tivermos uma solução integrada que permita, por exemplo, resolver alguma crise social que exista. E eu, lá está, prefiro falar pela positiva e fazer investimentos, não só do ponto de vista sustentável, ambiental, mas também que privilegie outro tipo de sustentabilidade que o Papa falou muitas vezes. Por exemplo, em Assis, há dois anos, quando estivemos lá, o Papa fez um discurso e falava de vários tipos de sustentabilidade, que são fundamentais, não é só ambiental; a social é muito importante. Portanto, investimentos socialmente positivos, que tenham um impacto positivo para a sociedade, são esses que eu devo privilegiar sempre pela positiva.

 

Como é que vê o debate que se gerou em torno de medidas fiscais que procuram ajudar a fixar os mais jovens em Portugal? É uma questão fundamental para o país a longo prazo?

É uma questão fundamental manter os jovens, sem dúvida. Mas eu aqui gostava de adicionar algumas considerações, não consigo falar destas medidas em concreto também sem dar aqui algum contexto e alguma perspetiva. Obviamente é fundamental manter os jovens, mas também é fundamental garantir coesão social, é fundamental garantir que os portugueses, as pessoas que vivem cá, para ser ainda mais lato, têm qualidade de vida. Isso é fundamental. Não só os jovens, mas também não os jovens.

Os jovens têm aqui um papel muito importante. Como é óbvio, nós sabemos temos uma população envelhecida, é normal, na Europa é a regra nesta fase, e, portanto, os jovens assumem aqui um papel muito importante. Estas medidas, se conseguirem fixar os jovens, são fundamentais, porque são também essas pessoas que vão garantir aqui algum equilíbrio do ponto de vista até da sustentabilidade da Segurança Social, etc.

Mas o problema é maior que isto, não é? Gostava aqui também de adicionar que estas medidas poderão ter impacto, mas ainda não estamos a sentir o impacto total. Temos a questão da isenção do IRS e do IMT, essa está em vigor desde 1 de agosto de 2024, portanto este ano, a outra da garantia pública, saíram as orientações a 27 de setembro, agora os bancos têm de, no fundo, operacionalizar. Ainda não estamos a sentir esses impactos.

Para fixar os jovens, e era esse o ponto que eu gostava de trazer para cima da mesa, não basta só a habitação; é muito importante, como é óbvio, e de facto é inegável que os preços de habitação em Portugal não são compatíveis com o bolso dos portugueses. É inegável. Na minha perspetiva, e até de uma perspetiva mais integral, se quisermos, há muitos problemas aqui que se têm que discutir: não consigo discutir política de habitação sem discutir política de transportes em Portugal, não consigo, e honestamente faz-me muita confusão como é que muitas vezes os transportes são completamente ignorados na questão da habitação; e não consigo discutir a permanência dos jovens em Portugal sem falar de educação de qualidade, sem falar de serviço de saúde de qualidade, sem falar numa abordagem do trabalho, em que a cultura de trabalho é completamente diferente, sem falar de uma redefinição daquilo que é a especialização da economia portuguesa, ou seja, em que setores é que nós estamos mais especializados, em que há emprego em Portugal.

Se olharmos para as pessoas que saem de Portugal, na maior parte das vezes são pessoas muito qualificadas, e que não vão só encontrar salários mais elevados. Há uma valorização profissional, muito provavelmente vão ter um maior equilíbrio lá fora entre aquilo que é a vida pessoal e profissional, vão para países onde os transportes são melhores, em termos de qualidade de vida, se calhar a habitação não é tão cara proporcionalmente ao salário, o trabalho que vão desempenhar também vai ter outras características…

São medidas importantes, a habitação é importante porque é um problema muito premente, mas o que a Economia de Francisco também traz é olharmos para os problemas de uma forma integral e reconhecer que a realidade é complexa.

 

Há preocupação suficiente com as situações de precariedade, por exemplo, e os baixos salários que muitos imigrantes encontram no nosso país?

Eu acho que é preciso fazer mais, sendo direto. Pode haver preocupação e não estarmos a conseguir fazer, mas acho que é preciso fazer mais. De facto, em Portugal ainda há muitas situações, até diria pouco humanas, pessoas com contratos precários… temos visto, por exemplo, o número de sem-abrigos aumentar muito no interior das grandes cidades. O número de trabalhadores pobres é enorme, as pessoas em risco de pobreza também é bastante elevado – claro que depois podemos entrar aqui nas tecnicalidades, nas definições, mas eu não queria ir por aí, acho que não é o propósito, mas isto para dizer que eu acho que é preciso fazer mais. E quando eu digo que é preciso fazer mais, nem me estou a referir aqui a apoios sociais e a dinheiro, para simplificar a linguagem, não estou a falar nada disso, porque não se resolvem os problemas só com dinheiro. Isso é algo que nós temos de perceber para poder resolver os problemas, porque, por exemplo, na questão da pobreza, não é só por eu dar dinheiro a uma pessoa que ela vai sair de uma situação precária, é muito mais que isso.

 

Portugal continua, sistematicamente, desde que há estudos, com 2 milhões de pessoas, cerca de 20% da população, em situação de pobreza. Não há vontade política, não há uma estratégia, o que é que se passa para Portugal não conseguir superar esta situação?

Bem, mantém-se aí sempre esse número que está a dizer, houve uns altos e baixos, mas manteve-se sempre à volta desses valores dos 2 milhões, dos 20%. Claro que houve aqui períodos com algumas especificidades, a crise financeira, a questão da pandemia, etc., mas acho que isso vai ao encontro daquilo que eu dizia, é preciso fazer mais. Acho que nós precisamos de atores políticos que tenham uma atitude diferente, honestamente, eu até no passado já escrevi sobre isso e mantenho essa posição muito clara.

 

Não apenas atores partidários, não é?

Exatamente, todos nós podemos ser atores políticos, e enquanto sociedade temos de ter essa vontade. Mas até falando concretamente dos políticos, em vez de estarem preocupados em ganhar a próxima eleição, em ter mais uma décima de crescimento económico, ou em reduzir a dívida abaixo dos 100%, só porque sim, quase, estou a simplificar, obviamente, mas é só para tornar claro, ou seja, em vez de estarmos só focados nisto, no meu umbigo…

 

É preciso uma nova cultura política, que procure discutir os princípios e as prioridades para o desenvolvimento económico do país, em vez de questões de sobrevivência, por vezes, partidária?

Sim, e o foco, em vez de ser o meu ganho pessoal, tem de ser o bem coletivo, tem de ser o bem comum, e colocar a pessoa, os problemas reais das pessoas no centro, porque só assim é que nós vamos conseguir melhorar os números do combate à pobreza, só assim é que nós vamos conseguir resolver a questão da habitação, a questão dos transportes, a questão da educação – que está, como nós sabemos, em crise, e é um elemento fundamental que se liga muito com a questão da pobreza. Vamos usar esta expressão do elevador social, se alguém quiser subir esse tal elevador social, a maior ferramenta que pode ter é a educação. Falo por mim próprio, sou a primeira pessoa da minha família a ter um mestrado, a ter uma licenciatura, isso significa que se tenho a vida que tenho atualmente foi graças à minha educação, também ao meu empenho pessoal, mas à possibilidade que tive de ter uma educação.

 

O tipo de discussão à volta do orçamento a que estamos habituados, alimenta as forças mais populistas, é uma forma de dar gás, dar combustível, é esse tipo de estratégia que muitos começam a adotar?

O que me parece é que muitas vezes ficamos pela rama, pelas respostas rápidas, pelas frases fáceis, o que qualquer pessoa pode entender sem ter de pensar a fundo nas questões. Quase apetece dizer que são aquelas frases para falarmos ali no café, sem pensar, descontraídos e sem querer ir a fundo nos temas. O que é preciso, exatamente, é ir a fundo nos temas, o Papa Francisco chamou muita atenção para isso, não vamos ficar pelas respostas rápidas, temos de ir ao fundo: às vezes vale mais fazer uma boa pergunta, mesmo que não se tenha logo a resposta, do que querer chegar a uma solução, a uma rápida resposta que depois se vai provar que não faz sentido.

Os políticos, em vez de ocuparem espaços, têm de se preocupar em iniciar processos, dar privilégio ao tempo em vez do espaço. eu não vou ocupar um lugar na política, não faz sentido, o que faz sentido é eu estar na política como um serviço, porque a política, olhada por este prisma, é quase uma arte, e é importantíssima. Ou seja, se eu estiver na política com o objetivo de servir, vou conseguir resolver o problema real das pessoas, vou conseguir colocar as pessoas no centro, e acho que isso é a grande questão.

O nosso primeiro-ministro há pouco tempo deu uma entrevista, estou a julgar pelas palavras que disse, afirmando que está na política sem qualquer objetivo de futuro. Pode ser um bom princípio, “estou aqui para fazer o meu serviço, não estou aqui com o objetivo de me perpetuar num cargo” ou com um objetivo político. Acho que às vezes falta um bocadinho esta noção de “estou na política e isto confere-me uma responsabilidade enorme”, como qualquer cargo público, como eu no meu trabalho também tenho determinada responsabilidade, e faço sempre esse esforço. Todos devíamos olhar para o próprio trabalho e ver qual é o impacto que o meu trabalho causa, obviamente em mim, mas do ponto de vista da sociedade, que serviço público é que eu vou prestar? Para mim é relativamente fácil, porque eu trabalho numa instituição que presta serviço público, mas todos deveríamos fazer esse exercício, porque de uma forma ou de outra, mais direta ou menos direta, naquilo que fazemos, todos temos uma responsabilidade.

Voltando a um dos princípios da Doutrina Social da Igreja, o princípio da solidariedade, isto significa que todos nós somos responsáveis uns pelos outros, e é a isto que os católicos somos chamados, a ter esta perspetiva de bem comum, a querer colocar a dignidade da pessoa humana no centro, e a termos esta preocupação coletiva de sociedade.

Somos uma comunidade e juntos é que vamos conseguir resolver as questões que temos, enquanto sociedade, porque se uns forem e outros ficarem, não há coesão social.

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