Igreja e Media: relações entre o sagrado e o profano?

Pontes de diálogo devem ajudar a superar pontos de conflito mútuo entre o discurso religioso e a agenda jornalística A Igreja católica é um dos temas de eleição para os media. Mas o contrário não sucede. E isso pode tornar-se complicado na gestão de uma relação diária que algumas vezes parece mais um conflito. O desconhecimento mútuo que ainda existe, apesar do meritório trabalho da Agência Ecclesia, tem dificultado o diálogo e as parcerias. A superficialidade e a rapidez dos media não se compadece com a complexidade do discurso religioso. E a solução não pode ser a adaptação dos media àquilo que a Igreja considera ser importante. Porque os media são aquilo que o público quer – essa massa enorme de gente que também inclui muitos católicos. Aqui está, na minha opinião, um dos principais pontos de conflito. A dinâmica dos dois discursos não se conjuga. Na dúvida, os jornalistas tendem a desvalorizar o discurso religioso (porque não o percebem ou ele não é claro o suficiente) e a hierarquia tende a olhar para os media como predadores sedentos de sangue. Isso só sucede por falta de comunicação entre os dois lados da barricada. Aos media faltam especialistas e jornalistas conhecedores de religião como sucede noutras áreas editoriais como a política, a defesa ou a justiça. À Igreja faltam pontes de diálogo. E as suas escolhas de protagonistas não se coadunam com uma estratégia de comunicação com a opinião pública. Em regra, maus comunicadores não podem ser bons dirigentes. E isso também é verdade na Igreja. A falta de contactos directos e rápidos dos media com os responsáveis religiosos de pelouros essenciais na relação com a sociedade. A ausência de uma estratégia de comunicação articulada por parte da hierarquia junto da opinião pública. A incom-preensão em relação às consequências das frases ditas. A lentidão na resposta em matérias urgentes e actuais. Tudo isto são grãos de areia que emperram as relações da Igreja com os media. Mas para tudo há solução. A Igreja tem de se assumir como corpo organizado e actuante nos media. Os jornalistas e as suas instituições são uma mole errática sem uma estratégia definida sobre quase tudo. E isso pode ser aproveitado pela Igreja para fazer o seu caminho pastoral, utilizando os media como aliados e não como adversários. Mas para isso é necessário atacar a raiz em vez de podar apenas as folhas. A formação eclesiástica deve incluir disciplinas ligadas à comunicação junto dos crentes e dos media. Qualquer pároco é um líder de opinião que deve utilizar os media, laicos ou não, como instrumentos de divulgação da mensagem. Mas para isso, tem de se adaptar, no discurso, aos novos tempos. Porque os tempos também são novos para os crentes. E um padre que não saiba falar para os jornais também não sabe falar para os jovens de hoje. O número de jornais de inspiração católica deve ser reduzido com uma aposta mais séria na profissionalização. Uma folha de paróquia vale menos do que uma página regular num semanário concelhio ou diocesano. E é nisso que a Igreja deve investir em vez da profusão incoerente de títulos que perde eficácia. O discurso deve ser menos hermético e mais concreto. Em muitos casos, a descodificação do texto religioso colide com as intenções de quem o proferiu por isso mesmo. A opinião pública, bem como os crentes, não é composta por teólogos. E o erro em comunicação é sempre do emissor e nunca do receptor. Se existe alguma anomalia é porque quem fala não se fez compreender. E isso, lamentavelmente, é frequente no discurso religioso. Nos jornais e na televisão, os elementos da hierarquia que mais aparecem são sempre os mesmos. No caso dos bispos, a lista reduz-se quase toda a D. Carlos Azevedo e D. Januário Torgal Ferreira. Não porque eles queiram um palanque ou tenham o objectivo pessoal de auto-promoção. Mas porque são os únicos que estão sempre acessíveis e disponíveis para comentar a realidade quotidiana. E não são eles que ditam as perguntas. Somente têm a capacidade de controlar as respostas que dão. Isso leva-me a outro problema recorrente. Muitas vezes, os elementos da hierarquia não percebem a dinâmica noticiosa. E não têm em conta o peso de algumas frases que proferem, ficando depois desiludidos ou desapontados com o tratamento dos media. Por isso, julgo que deveriam existir acções de formação sobre comunicação para aqueles que são os porta-vozes, aos mais variados níveis, da Igreja. Para os jornalistas, falta também formação sobre religião. A experiência positiva de formação do Patriarcado a alguns jornalistas de Lisboa deveria ser replicada noutras dioceses. Em cada uma delas, o bispo diocesano ou um seu representante deveria estar acessível para os jornalistas, nomeadamente os de órgãos regionais. A transmissão da mensagem cristã não se resume aos púlpitos das igrejas. Os media são um novo altar de divulgação em que a Igreja parece querer ter um papel subalterno em vez de ocupar o lugar a que tem direito. Mas para isso só com estratégia, eficácia e humildade. Porque no campeonato diário da informação não há vitórias em todas as jornadas. E a Igreja tem de estar preparada para alguns jogos difíceis em que até os árbitros podem ser desfavoráveis. Paulo Agostinho, Jornalista

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