Igreja distingue percurso de Roberto Carneiro

O júri do Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes decidiu atribuir o galardão deste ano a Roberto Carneiro pela “aposta inequívoca” na pessoa humana do antigo ministro da Educação, que percorre memórias e apresenta convicções em entrevista à Agência ECCLESIA

Agência ECCLESIA – Certo dia, disse que tinha com a educação um «romance indestrutível». Atualmente, em que estado está esse romance?

Roberto Carneiro – Estamos cada vez mais indissociáveis porque é uma paixão que se vai acumulando ao longo do tempo e vai sendo consolidada. A educação é um tema inesgotável. Quanto mais estudo, menos sei… Estudar cada vez mais para conseguir tentar perceber as questões essenciais, como o sentido da vida, a missão da educação e a educação do homem integral. Questões centrais que tenho refletido e amadurecido ao longo da vida. Mas ainda não cheguei ao «ponto de rebuçado», ainda estou muito longe disso.

 

AE – Ainda não chegou ao «ponto de rebuçado», depois de tantas décadas de investigação nesta área?

RC – Quanto mais investigamos, menos sabemos. Quanto mais conhecemos, mais desconhecemos. Temos de investigar mais e determinar novos rumos a abrir. Muitas vezes, descobrimos coisas que nunca tínhamos pensado. A ignorância do investigador é, digamos, a humildade do perguntar constantemente. O colocar perguntas com frequência…

 

AE – Esta sexta-feira recebe o prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes. Conheceu o docente e jesuíta que deu o nome ao prémio?

RC – Fiz um curso com ele, na década de 60, na Faculdade de Letras em Lisboa. Era um homem fascinante. Frágil e franzino do ponto de vista físico, com voz abafada. Os alunos «lutavam» para ficarem nas primeiras filas para ouvir bem. Era um homem que cativava qualquer audiência. Punha todos os alunos em sentido perante a sua enorme sabedoria. Citava «coisas» em grego e em latim, mas suscitava a necessidade de aprender mais. Era um homem verdadeiramente insinuante na forma de lecionar.

 

AE – Isso é o verdadeiro troféu do educador…

RC – É. O troféu do educador é persuadir o educando (aluno) a aprender. É levá-lo a aprender. As pessoas aprendem quando conseguem ter a sede da sabedoria. É um libertar da mente humana para o ato contínuo de investigar.

 

AE – Quando foi ministro da Educação foram essas prioridades que tentou implementar?

RC – O ministério é um serviço. Sou o mais humilde dos servidores da causa da educação. Sou o soldado raso desta coordenação, não sou general nem marechal. É um serviço que se procura fazer, às vezes com muito martírio e sacrifício, mas às vezes com muitas satisfações também. É preciso perceber que por detrás de cada aluno e professor, há uma pessoa que tem direitos e deveres. Uma pessoa integralmente dedicada à tarefa de professor e outra dedicada à tarefa de aluno. É nesta interação única entre aluno e professor que resulta o milagre que é a peregrinação interior. É uma viagem de alma que o aluno tem de fazer para adensar os seus conhecimentos e amadurecer os seus valores. Ver no outro a metade de si próprio. A pessoa é incompleta sem ir ao encontro do outro…

 

AE – Atualmente, a educação não está muito tecnocrática? Esqueceu a dinâmica dos valores?

RC – A educação tecnocratizou-se ao longo do tempo. As ciências da educação tornaram-se muito dominantes. Somos filhos do iluminismo europeu e este elegeu a razão, a ciência e a tecnologia como a verdade absoluta. Ao fim de várias décadas de ensino e investigação universitária chego à conclusão que a verdade absoluta não se encontra só, na ciência e na tecnologia. Há verdade na revelação (para quem tem fé). Há verdade na emoção, nos afetos… Coisas muito importantes que a ciência não chega lá. Este imperativo que veio do século XVIII é redutor. Hoje, chegamos à conclusão que o mundo é feito de poucos vencedores e muitos vencidos. Há uma multidão de vencidos e muita exclusão. Precisamos de uma melhor capacidade de discernir.

 

AE – A magia do aprender está nesta relação entre o educando e o educador.

RC – Numa relação intersubjetiva. Não se pode abrir a cabeça do educando e colocar lá dentro os conhecimentos.

 

AE – É um assimilar lentamente…

RC – Sim. E para isso é preciso tempo… A escola ainda tem tempo, ao contrário de tudo o resto, porque tem muitas horas de relação entre aluno e educador. Atualmente, não há tempo para nada, tudo é urgente e tudo é descartável. A escola e a família têm de ter tempo… Se tal não acontece, não se é educador. É preciso fazer uma viagem interior com os educandos. A educação deve fazer a pessoa feliz e não apenas instruir.

 

AE – Com este dinamismo todo, ainda tem tempo para fazer a sua peregrinação interior e escutar o silêncio?

RC – O silêncio é fundamental para o exame de consciência. A educação para os valores começa em casa… Com os pais. A família é o primeiro educador.

 

AE – Mas alguns pais demitem-se da educação

RC – Alguns atiram os alunos para as escolas e pensam que os professores vão resolver a sua função. É um erro. O problema da incivilidade e da falta de obediência é um problema que vem casa. O respeito pelos mais velhos… O respeito pelo ato de educar… Tem de vir de casa. Os pais são os primeiros educadores, não por aquilo que dizem, mas pelo testemunho e pelo exemplo.

 

AE – As ciências neurológicas mostram isso.

RC – Sim. Estas ciências mostram que o ser humano imita. Imitam aquilo que os adultos fazem. O papel de testemunho é essencial, tanto nos pais como nos professores.

 

AE – No seu percurso de vida também esteve ligado ao projeto da TVI. O que falhou? A Igreja não estava preparada para um canal de televisão ou a sociedade não soube aproveitar esta embalagem?

RC – Não sei se falhou… O projeto TVI continua aí e até é líder de audiências. Continua a ter a missa. Penso que é a única televisão privada tem uma eucaristia ao domingo. É preciso ver as coisas pelas partes – basta ver um jornal que tem várias secções – e a televisão é um processo muito complexo e muito caro. Envolve uma grande disponibilidade de meios, que não tínhamos na altura, e uma grande disponibilidade aos aspetos de pormenor. Cada pessoa tinha a sua ideia de uma televisão de Igreja e uma televisão de inspiração cristã é diferente. Hoje, a TVI tirando algumas coisas que são mais reprováveis mantém um rumo certo.

Mas foi uma experiência fascinante, no sentido do serviço e de conhecer melhor o povo português. As audiências são uma coisa terrível…

 

AE – Quando nasceu, a TVI tinha um projeto educativo.

RC – A lei da televisão impõe um certo conteúdo educativo. Mas a TVI tinha um sentido mais intenso desse lado educativo e cultural. Um respeito pelos valores da humanidade e da pessoa. Não fazíamos programas que pudessem ferir o sentido civilizacional português e europeu.

 

AE – Atualmente, isso acontece?

RC – Infelizmente, acontece devido à guerra das audiências. Quem vai para este combate, tem de conhecer as regras de jogo.

 

AE – Arrependido de ter liderado aquele projeto?

RC – De maneira nenhuma. Aprendi muito e fiz grandes amigos. Deixámos uma marca importante na televisão.

 

AE – A taxa de desemprego no mundo juvenil é alta. Um flagelo da sociedade atual.

RC – É uma desgraça terrível. É dos aspetos mais negativos da atual conjuntura económica e social portuguesa. Os jovens representam a esperança do país. Houve um investimento deles e dos pais e depois não conseguem arranjar emprego. Não conseguem entrar na cidadania da produção. Ninguém é plenamente cidadão, se não entrar na produção. Sente-se parasita e dependente dos outros.

Muitos deles emigram. Emigrar é um direito…

 

AE – Estamos a exportar massa cinzenta.

RC – É o grande capital humano. Nós investimos e outros é que se aproveitam dessa massa cinzenta. Isso é mau. A emigração é um direito, mas na base da liberdade. Essa é das maiores tragédias que vivemos.

 

AE – Essa tragédia tem o seu lado positivo. Cria pilares intergeracionais.

RC – A escassez pode ter dois efeitos. Pode levar à competição e ao conflito ou pode levar à colaboração. Era bom que a sociedade portuguesa fosse uma família única e se ajudasse mutuamente.

 

AE – Utopia?

RC – Vejo a sociedade muito conflituosa. Professores contra alunos. Velhos contra novos. Não acho isso muito positivo… aliás, o discurso do governo não tem sido muito positivo nesse sentido.  O governo devia levar mais à cooperação e menos ao confronto.

 

AE – Com esse vigor intelectual que projeto tem para o futuro?

RC – Tenho várias livros para escrever. A revelação é um grande mentor da verdade. É o principal inspirador da minha verdade. Tudo o que fiz na vida de importante, foi pela paixão e não pela racionalidade.

Penso também escrever um ‘paper’ sobre o método científico como não sendo o único método para chegar à verdade. É extremamente insuficiente.

LFS

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Agência ECCLESIA

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