Igreja defenderá as suas convicções em Espanha

Arcebispo português é o representante do Papa no país vizinho «No dia em que José Rodríguez Zapatero foi eleito como secretário-geral do PSOE, jantei com ele… nem sequer imaginava que um dia conseguiria chegar a primeiro- ministro de Espanha». D. Manuel Monteiro de Castro, Núncio Apostólico em Espanha, não nega as relações pessoais que tem mantido com algumas figuras do panorama político espanhol, mas “separa as águas” quando se trata de defender os interesses da Santa Sé no país vizinho. «Por vezes tentamos entender os outros a partir das nossas categorias mentais. A Espanha tem diversas regiões autónomas, distintas umas das outras, e com idiomas próprios. Os Bispos de cada região reflectem a sua idiossincrasia e muitas vezes procura-se que os respectivos prelados defendam os seus interesses», explica o Núncio Apostólico, que, em relação às divergências mais ou menos mediáticas que opõem o Governo espanhol e a Igreja católica daquele país, admite que, «num ou noutro ponto, se tem tido algumas dificuldades », mas que «essas relações estão a melhorar». «As dificuldades são de carácter doutrinal: os Bispos propõem aos espanhóis – e fazem muito bem, pois essa é a sua missão – valores que a Igreja crê serem os melhores para tornar felizes as pessoas e as famílias. Esses valores foram recebidos por Jesus Cristo e pela Tradição da Igreja», afirma o prelado vimaranense, acrescentando que «o actual Governo entrou numa linha de dar o máximo de liberdade ao cidadão e não coloca os olhos em determinados princípios que a Igreja defende e que são essenciais para a sua convivência entre as artes». As grandes manifestações pela Vida, que têm sido organizadas pelos movimentos e episcopado espanhóis, «são um dos modos de expressar a posição da Igreja». «Há uns anos, queria- se proibir as procissões, mas depois viu-se que os sindicatos também organizavam este tipo de manifestações », desabafa o prelado vimaranense, que classifica as reivindicações como uma «manifestação pública de um sentimento». «Não esqueço as raízes» Nascido a 29 de Março de 1938, em Santa Eufémia de Prazins, Guimarães, D. Manuel Monteiro de Castro não esquece as suas raízes e mostra-se «disponível» para servir, «caso seja necessário », a Igreja no Minho. A carreira diplomática, que começou em 1967, na nunciatura apostólica do Panamá, é vivida de forma intensa e, a crer pela entrevista, partilhada com emoção (ver caixas). Seguiram-se, na qualidade de secretário, as nunciaturas da Guatemala, Vietname/Cambodja, Austrália, México e a Secretaria de Estado do Vaticano, e, como conselheiro, a nunciatura na Bélgica. De 1985 a 1990 foi núncio apostólico nas Antilhas e delegado apostólico na Guiana, Suriname, Saints Kitts e Nevis. Seguiram-se as Honduras, El Salvador, África do Sul, Namíbia, Lesoto, Suazilândia e Botswana. Apresentou no dia 29 de Março de 2000 as cartas credenciais a Juan Carlos, rei de Espanha, onde é o decano dos embaixadores. Memórias D. Manuel Monteiro de Castro sente que é «difícil de partilhar as memórias» da sua passagem pelo Vietname “comunista”, onde esteve na delegação apostólica de 1972 e 1975 «com missões muito arriscadas». «Recentemente recebi o cálice e a patena usadas pelo cardeal Nguyên Van Tuân depois deste ter saído do cárcere», recorda o Núncio. O purpurado vietnamita esteve preso 13 anos, nove dos quais em isolamento total, sem julgamento nem sentença. No cálice colocou uma dedicatória ao prelado vimaranense e a sua data da libertação, que aconteceu apenas no dia 21 de Novembro de 1988, e que coincidiu também com a primeira missão no Vietname do cardeal Roger Etchegaray. «Tenho uma recordação preciosa deste homem de Deus [cardeal Nguyên Van Tuân], que deve subir um dia aos altares. Estou convencido disso», sustenta o diplomata, que também lembra que «a nunciatura ajudou a salvar milhares de vidas». O Núncio Apostólico recorda alguns «perigos» vividos durante o tempo de serviço passado, entre 1969 e 1972, na Guatemala. «Na véspera do golpe de estado em El Salvador, liguei ao Núncio Apostólico e disse-lhe que tinha necessidade de me encontrar com ele [nos anos 70 do século passado, a Guatemala e El Salvador tinham um Núncio Apostólico comum]. Levantei-me às 03h00 e, acompanhado pelo motorista, atravessei a fronteira com El Salvador às 06h00. Íamos no último carro a fazê-lo, pois tinha acabado de acontecer o golpe [de Estado]», recorda o prelado, que refere que nesse dia, às 16h00, chegaram à Nunciatura quatro veículos que transportavam um dos grupos revolucionários que pedia asilo político. «O meu colega italiano entrou em pânico. Sugeri-lhe que abrisse as portas da Nunciatura, mas que proibisse a entrada das armas», conta D. Manuel Monteiro de Castro, que acrescenta emocionado que, no dia seguinte, quando se encontrava no jardim a rezar o breviário, «parou diante do edifício [da Nunciatura] um Volkswagen, de onde saiu uma senhora a perguntar pelo filho». «Esta mãe tinha procurado pelo filho toda a noite. Disse-lhe que era estrangeiro e que estava de visita à Nunciatura, mas que se quisesse participar na Eucaristia que o podia fazer. Ela entendeu perfeitamente a mensagem e deixei-a entrar. Depois de avisado o meu colega – que disse que ninguém poderia saber do sucedido -, aquela mulher pôde conversar com o filho», recorda emocionado o responsável. «A vida de um diplomata é feita de “fragmentos” deste género, que algumas vezes são visíveis e outras vezes não», conclui.

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