Igreja da Santíssima Trindade: para lá dos números

A nova igreja de Fátima é uma obra impressionante, seja pelo esforço que implicou a sua construção (a todos os níveis), seja pelo impacto que causa a quem visita o Santuário. Procurando fugir à tirania dos números nas apreciações sobre a obra do greco-ortodoxo Alexandros Tombazis, vale a pena dizer que, do ponto de vista decorativo, é a simplicidade e o despojamento que domina: encontramos poucas imagens e mesmo pinturas não-figurativas, silhuetas que escondem um significado para além do que poderia ser óbvio. A luz é mesmo o elemento decorativo dominante, o único luxo que o arquitecto não recusa. No conjunto, estamos perante um espaço que apresenta vários elementos do nosso quotidiano, em especial no que se refere aos materiais utilizados, à preocupação ecológica e a uma certa noção de conforto que se procura transmitir, mas que consegue cativar pela limpidez e a simplicidade com que se propõe ao seu visitante/utilizador. A aceitação da nova igreja junto dos fiéis pode, contudo, ser uma questão bem delicada, apesar do optimismo manifestado pelos responsáveis do Santuário. Habituados a uma concepção de “igreja” que reproduz modelos do passado, os peregrinos poderão demorar a habituar-se a este olhar sobre o futuro da arquitectura religiosa que é lançado em Fátima. O problema essencial, em construções deste género, será o de perceber se a arte que serve a Igreja deve revestir-se exclusivamente de um conjunto de modelos pré-determinados ou se existe a possibilidade de uma renovação constante, geradora de formas, sentidos e imagens novas, mas igualmente válidos. A construção de uma igreja revela-nos elementos capazes de traduzir a nossa aspiração de infinito (escala sobre-humana, verticalidade, horizontalidade, luz, cor, vazio). A própria história da arquitectura revela esta propensão para o desprendimento, o ultrapassar da realidade terrena, deslocando-se para o sentido da desmaterialização e, portanto, da elevação do espírito. No caso da igreja da Santíssima Trindade, o projecto arquitectónico e o programa iconográfico (mais fragmentário, apesar de tudo, e com mais atenção às “particularidades” de Fátima e da piedade dos peregrinos) mostram um desígnio notável de ir ao essencial, à escuta da Palavra de Deus e à Comunhão Eucarística, na linha da reforma litúrgica encetada pelo Concílio Vaticano II. Alexandros Tombazis, o arquitecto da nova igreja de Fátima, é um dos mais proeminentes arquitectos da Grécia, internacionalmente famoso pela qualidade e o vanguardismo dos seus projectos. Tombazis considerou que não houve “nenhum problema” no facto de ter sido um ortodoxo a projectar a obra. Falando aos jornalistas da experiência de construir uma igreja desta dimensão num santuário católico, o arquitecto greco-ortodoxo considera que “há muito mais em comum do que a separar” católicos e ortodoxos, indicando que a sua preocupação foi mais o “enfrentar problemas funcionais e de criação de espaço”. Para o arquitecto, este foi um projecto muito importante, seja pela relevância do espaço seja pela maneira como todo o processo de construção se desenrolou. Alexandros Tombazis relevou, em resposta a uma questão da Agência ECCLESIA, que uma igreja é “o projecto mais abstracto” que pode ser atribuído, dado que a função do edifício – apesar de importante – não é tão determinante como, por exemplo, no caso de um hospital. “A espiritualidade do espaço, a noção da abstracção, da espiritualidade, torna tudo muito desafiante”, indicou Num olhar sobre o futuro, Tombazis acredita que o público em geral vai perceber, nesta obra, que a arquitectura é “expressão de vida, que evolui”. A igreja da Santíssima Trindade procurou, por isso, ser expressão de “desenvolvimento e da contemporaneidade”, tanto no projecto arquitectónico como nas obras de arte, mas “sem hipérboles”. Falando à sala de imprensa do Santuário de Fátima, o arquitecto grego manifesta a sua convicção de que “a arquitectura é uma síntese da arte e da técnica, mesmo nas coisas mais humildes é possível encontrar inspiração”. Para este responsável, o resultado final será um sucesso se “todos encontrarem um espaço de calma e serenidade, que ajude a reunir as pessoas”.

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