Espaço litúrgico da comunidade cristã dá a muitas peças de grandes compositores o seu total significado e recupera o fim para que foram criadas
Lisboa, 14 abr 2019 (Ecclesia) – A Semana Santa, que hoje se inicia nas comunidades católicas, inspirou ao longo da história vários dos maiores compositores, em criações que expressam sentimentos de súplica, lamento, tragédia ou arrependimento.
O ano litúrgico, que percorre todos os mistérios da vida de Cristo, desafia a música a exprimir intensamente todos estes passos e sentimentos da vida cristã e é no espaço litúrgico que muitas dessas peças encontram o seu total significado e o fim para que foram criadas.
A Semana Santa, de modo especial, está ligada a um mundo de sentimentos e de tradições muito particulares, que procuram apresentar o mistério da redenção.
De Portugal, pode destacar-se a obra Frei Manuel Cardoso (1566-1650) e a “Aquam quam ego dabo”, coleção de motetes para várias festas litúrgicas que antecedem a Páscoa, culminando numa série de lições e responsórios da Semana Santa.
Diogo Dias Melgaz (1638-1700), o último de uma série de grandes mestres da Sé de Évora, apresenta os seus motetes para a Quaresma e as “Turbas da Paixão”.
Manuel Luís foi o grande impulsionador da música litúrgica em português, após a abertura da liturgia às línguas comuns, com o Concilio Vaticano II; musicou, em 1966, textos para cantar na Semana Santa, como “Meu Povo, que te fiz eu”.
Outra obra de referência são os responsórios da Semana Santa, de Manuel Faria, expoente da música sacra em Portugal no século XX.
A Paixão de Cristo tem sido no tempo também uma experiência de criação musical, defende o antropólogo Alfredo Teixeira, para quem a “Paixão como forma musical, está inscrita no coração” do último século.
O investigador fala em particular dos compositores do século XX, que vêm narrativa da Paixão, “uma capacitação do valor que é o trazer para o centro da cultura o olhar da própria vítima sobre a história”.
Para o professor universitário e antropólogo, “a música é um veículo que permite continuar a dar pertinência pública e intelectual à mensagem cristã”.
“Esta capacidade do texto, da memória cristã das suas narrativas, saírem de dentro das próprias igrejas, é hoje um desafio interessante e as artes são um laboratório ideal para isso” reconheceu Alfredo Teixeira, que apresenta como exemplo o compositor argentino Osvaldo Golijov, com uma proposta de Paixão “claramente da rua”, que incorpora muitos elementos da cultura latino-americana.
“Sob esse ponto de vista, a própria linguagem da Paixão abre-se a essa universalidade das expressões musicais”, conclui.
HM/OC