Diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais aborda desafios que se colocam neste setor graças ao desenvolvimento tecnológico e às novas relações pessoais e institucionais que se estão a criar
Agência ECCLESIA – Está atento e presente nas redes sociais, como por exemplo o Facebook? O que significa para si estar presente nesta rede social?
Cónego João Aguiar Campos (JAC) – É importante. Encaro com normalidade, não encaro a minha presença no Facebook de uma forma lúdica embora também tenha esses momentos lúdicos. Mas encaro efetivamente como uma forma de apostolado, de valorização de algumas ideias, de confronto de ideais, partilhando umas, discutindo outras e contestando um terceiro grupo.
AE – E as suas partilhas, porque as faz? Sente que é também um portal de fé?
JAC – É essencialmente por causa disso. Para contactar simplesmente os meus amigos não iria usar a rede, iria usar o telemóvel, o telefone fixo ou o “cara a cara”. Mas os amigos do Facebook são muitos mais do que os nossos amigos afetivos, aqueles do dia a dia. E por isso é uma forma de chegar a outra gente de uma maneira recetiva porque naturalmente cria-se aí uma relação de respeito com aqueles que nos pedem amizade ou retribuem o nosso pedido de amizade. E aqueles a quem respeitamos também ouvimos com mais atenção e temos mais liberdade de lhes dizer um conjunto de coisas.
AE – As redes sociais vieram contribuir para uma nova praça pública aberta a todas as pessoas… Qual a importância destes espaços na Igreja?
JAC – É importante porque a Igreja é católica e tem de chegar a todos como diz a própria palavra católica. E hoje as redes sociais não são meramente um instrumento, são um espaço, são uma praça. O papa emérito Bento XVI, na mensagem para este dia, usa o termo grego “ágora” que significa praça. São uma praça onde muita gente convive, vive um lugar, um continente que nós hoje habitamos. E por isso mesmo são também um continente, um espaço a evangelizar. A Igreja tem de deixar de falar única e simplesmente aos mesmos, através dos mesmos meios e nos mesmos locais. Não quer dizer que deva abandonar as formas tradicionais, mas sim que deve aperfeiçoá-las. Ou seja, não deve abandonar as formas habituais de contacto mas deve estar presente neste outro mundo, neste outro continente.
AE – Mas para haver uma verdadeira comunicação têm de ser espaços devidamente equilibrados e valorizados como diz a Mensagem do Papa para este dia?
JAC – Evidentemente que nesta grande praça há gente que sussurra, há gente que fala e há gente que grita. E cada um sussurrando, falando ou gritando fala do que o ocupa ou preocupa, fala da sua cultura e das suas propostas. Habitar esta praça também é aprender a falar como se fala nela e aprender a ouvir e a discernir aquilo que vale ou não a pena captar. Há uma pluralidade de mensagens, há uma pluralidade de opiniões, de informações e por isso é preciso educarmo-nos para ouvir e dizer: “Isto vale a pena, isto é mensagem e isto é ruído”. Por isso o Papa diz-nos inclusive que temos de correr o risco de estar aqui sabendo que a forma discreta, como é normal, que a verdade se comporte e proponha vai encontrar às vezes a dificuldade. Como ela é discreta vai sentir a dificuldade de se fazer ouvir perante os que falam mais alto, os que gritam mais. Mas nós sabemos que é assim por exemplo na política e quase nunca aquele que grita mais é o que tem razão.
AE – Nas redes sociais, um dos objetivos pode ser a evangelização?
JAC – Pode e deve.
AE – Mas há o risco de uma pessoa se comunicar a si mesma?
JAC – Há esse risco, mas isso acontece também nos meios tradicionais. Eu lembro aquelas afirmações do Senhor Jesus: “Aquilo que eu vos digo, digo-o porque ouvi do Pai”. Quando o evangelizador, seja numa homília, num escrito, na rádio ou na televisão, se disser a si mesmo evidentemente que o atraiçoou porque ele não é a palavra, é a voz. Apenas empresta a voz a uma outra palavra. Nós temos que comunicar o Senhor Jesus. Daí que temos de entrar em contacto com ele, conhecê-lo, amá-lo para depois sermos capazes de o comunicar da forma mais autêntica, da forma mais testemunhada como escreve Bento XVI. Porque quando não testemunhamos, lembro-me do velho pároco da minha aldeia, a voz é “voz de cântaro” soa a qualquer coisa, ressoa, mas não é.
AE – Esta cultura das redes digitais traz novos desafios à Igreja Católica?
JAC – Traz o desafio de ser a grande praça onde todas as opiniões circulam. Traz o desafio da linguagem porque tem de ser abrangente ao mesmo tempo que nos dirigimos ao coração não podemos esquecer a mente. Por isso esta questão da abrangência da linguagem tem de ser obrigatória e um ponto de grande reflexão para não cairmos na pura emotividade das situações ou na pura apetência tecnológica porque o crente deve pôr coerência, testemunho e alma. Deve pôr alma nestas novas tecnologias, senão tiver alma são puramente técnicas e não serão compreensíveis a todos os níveis.
AE – A Igreja tem conseguido chegar aos jovens pelas redes sociais, já que esta é a faixa etária mais presente nestes meios?
JAC – As redes sociais não são um instrumento, são um sítio que se habita e há largos milhões de pessoas que vivem aí. Já não podemos fazer a distinção do offline e do online, estamos permanentemente ligados e interligados online. Através desta ligação virtual e testemunhada pode-se chegar concretamente à vontade de nos encontrar com… E encontrando aí o testemunho, o vídeo, a mera informação, o link a pessoa pode ser levada, santamente tentada ao contacto pessoal ou “cara a cara” com o Deus de Jesus Cristo.
AE – Também neste mundo é possível o desenvolvimento humano?
JAC – Sim, nomeadamente em sítios completamente isolados onde há pessoas infoexcluídas e outras até excluídas de tudo e de todos. Nalguns momentos mais isolados chegar através das redes sociais, o testemunho, a partilha da fé e da cultura faz com que essas pessoas geograficamente distantes possam entrar na praça onde se partilha o conhecimento, a alegria da fé.
AE – Foram surgindo oportunidades com as redes sociais que oferecem oração, partilha e palavra de Deus? Acha eficaz?
JAC – Com certeza que são. Há uma avaliação da eficácia que só a Deus pertence. Eu não sei até que ponto, colocando uma oração na rede por mais likes que tenha, quantas pessoas foram efetivamente através daquele texto, vídeo ou som, trazidas a uma reflexão mais profunda ou se quisermos a uma conversão. Mas de qualquer maneira senão tivéssemos lá dessa maneira não haveria a provocação para essa reflexão, ou para dizer:” Deixa cá ver!”.
AE – O Dia Mundial das Comunicações assinala-se este Domingo. Que componente pastoral deve ter este dia?
JAC – De acordo com o decreto ‘Inter Mirifica’, que foi quem marcou há 50 anos os objetivos deste dia mundial, ele é criado porque a Igreja, no Concilio Vaticano II quer afirmar a sua amizade pelos meios de comunicação social e esquecer de alguma forma o desconhecimento ou inimizade que se viveu até ao fins do século XIX. Quer-se chamar a atenção dos fiéis para a importância dos meios e para a responsabilidade de os usar não só profissionalmente mas também como consumidores. Depois sentindo a dificuldade que é nesta praça discernir também se quer um dia mundial que seja uma oportunidade de rezar pelos meios e pelos que neles trabalham. E um terceiro momento é o de, dada a importância destes meios na evangelização, dizer aos cristãos que estes meios são caros, que há que investir neles, que há que expandi-los ou pelo menos mantê-los. Por isso, pastoralmente, penso que deve ser um dia usado pela Igreja para manifestar o seu afeto pelos profissionais da comunicação, sejam eles mais ligadas a uma comunicação mais ligada à Igreja ou de uma comunicação dita neutra. E em segundo lugar além de agradecer este trabalho é importante também ensinar os crentes a serem consumidores destes meios. Hoje já não meramente consumidores, podemos também ser ao mesmo tempo produtores. Mas é importante ensinar a consumir e de uma forma crítica.
AE – As dioceses e as paróquias têm muitos projetos relacionados com várias áreas da pastoral, como a catequese, por exemplo. Que lugar e que relevância deve ser dada à comunicação?
JAC – Uma relevância ímpar. Porque a pastoral da comunicação não é, e isso é também uma afirmação da doutrina da Igreja neste domínio, uma pastoral à margem das outras pastorais. É uma pastoral presente em todas as pastorais. E tem que se dizer claramente numa paróquia, num movimento apostólico tem de se dizer claramente à Igreja aquilo que o monsenhor Claudio Maria Celli, que é o presidente do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, disse: “Uma Igreja que não comunica nega-se a si mesma.” O movimento que não comunique enquista-se. Vive assim muito contente por si mas sem a proposta do testemunho. Por isso acho que em todas as paróquias e dioceses, em todos os setores da Igreja deveria haver esta preocupação pela comunicação que gere a comunhão. Porque é para aí que a comunicação aponta.
Margarida Duarte