Igreja atenta aos filhos de imigrantes

Director da Obra Católica Portuguesa das Migrações defende que legislação em vigor contribui para o aumento de grupos marginais

A dificuldade no acesso à nacionalidade portuguesa sentida por filhos de imigrantes nascidos no país é uma das causas da criminalidade, considera o director da Obra Católica Portuguesa das Migrações, Fr. Francisco Sales.

A situação atinge a população mais nova que, além de excluída por Portugal, não é aceite pelos Estados de origem dos pais devido à instabilidade política ou à ausência de políticas que protejam os seus emigrantes, como acontece na Guiné-Bissau, que para o sacerdote constitui “o caso mais flagrante”.

“Muitos desses jovens viram-se obrigados a criar estruturas marginais por estarem sem documentos” referiu o religioso em declarações à Agência ECCLESIA.

Esses grupos, assinala o sacerdote, defendem os seus membros de “uma sociedade que não os acolhe, não lhes dá o direito de serem cidadãos do país onde nasceram nem lhes proporciona os meios para se integrarem e desenvolverem”.

“Quem não tem documentos, não existe. Não tem direito a exigir o que quer que seja da sociedade para o ajudar. Por isso tem de sobreviver como se estivesse num mundo selvagem”, realça o padre franciscano.

Susana Ferro, técnica ao serviço do Centro Social do Bairro 6 de Maio, na periferia de Lisboa, confirma que há grupos organizados à margem da lei nascidos, entre outras causas, da “burocracia” necessária para obter pelo menos o título de residência: “Acaba por ser uma estratégia quase de sobrevivência”, diz.

“Eles, que não conhecem a terra de origem dos pais, consideram-se de cá porque nasceram cá. E nós consideramo-los de lá porque são filhos de imigrantes que estão clandestinos”, sublinha o religioso.

O problema remonta ao processo de descolonização ocorrido na sequência do 25 de Abril de 1974: “Pessoas que se julgavam portuguesas” perderam a nacionalidade com a independência dos antigos territórios do ultramar e “nunca conseguiram registar os filhos ou nem sequer se preocuparam” com esse procedimento legal, explica.

O Fr. Francisco Sales realça que tem “orgulho” em ser português devido às “nossas leis de imigração” e salienta que “não conhece nenhum país do mundo com o trabalho de acolhimento que tem sido feito”.

Mas apesar de a legislação ter resolvido “muitas situações”, continua a haver “uma grande faixa que fica à margem”, denuncia.

A resolução do problema, “que se arrasta desde a descolonização”, exige “coragem, coerência e, principalmente, respeito pela pessoa humana”, vinca o responsável, que advoga a atribuição da nacionalidade portuguesa a quem nasceu no país.

Além de ser necessário consignar na lei a atribuição de nacionalidade às pessoas que nasceram no país, não basta esperar que elas se dirijam aos serviços oficiais para solicitar a documentação.

A regularização destes casos, indica o religioso, deve ser feita a partir dos organismos que trabalham nas áreas de residência dos imigrantes, numa aproximação que os ajude a perder o medo de sanções penais.

“Quem está numa situação marginal tem sempre medo de tudo o que esteja relacionado com a autoridade” e com a possibilidade de, “apesar de ter nascido em Portugal, ser enviado para o país de origem dos pais”.

O religioso lembra o que aconteceu com os emigrantes portugueses nos Estados Unidos e no Canadá: jovens que nasceram nesses países ou que foram para lá ainda muito pequenos e que, “por causa do mais pequeno crime”, foram repatriados para os Açores por não possuírem nacionalidade daqueles Estados.

A dificuldade em conseguir documentos estende-se também aos imigrantes que procuram trabalho: “Para renovar, e sobretudo obter o título de residência, precisa-se de ter um contracto de trabalho; mas para exercer actividade laboral é necessário possuir o título de residência. Acaba de ser um fenómeno circular”, assinala Susana Ferro.

A esta incoerência na legislação acresce um fenómeno que a técnica qualifica de “curioso”: “Muitas pessoas sem autorização de residência arranjam trabalho, os ditos biscates, sem contracto. E ainda assim descontam para a Segurança Social”.

Os dois responsáveis defendem que sem a alteração da legislação, a condição das pessoas que nasceram e trabalham em Portugal mas que permanecem sem nacionalidade corre o risco de se transmitir para os seus filhos, prolongando uma situação que nenhum Governo conseguiu ou quis resolver.

Semana Nacional das Migrações

A Igreja Católica portuguesa celebra até 15 de Agosto a 38.ª Semana Nacional de Migrações, dedicada ao tema “Com Francisco e Jacinta acolher Cristo nos Migrantes e Refugiados Menores”.

O título inspira-se no décimo aniversário da beatificação das duas crianças a quem Maria, mãe de Jesus, apareceu por diversas vezes em 1917, e no teor da mensagem de Bento XVI para a edição de 2010 do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, alusiva aos migrantes e refugiados menores.

A Comissão Episcopal da Mobilidade Humana lembra que muitos filhos de imigrantes nascidos em Portugal estão “votados à marginalidade, sem documentos nem registo de existência”.

“A estes – refere a mensagem para a Semana das Migrações – é preciso fazer justiça dando-lhes uma identidade e nacionalidade, pois não conhecem outro país senão aquele que os viu nascer e que, ao excluí-los está a contribuir para que surjam organizações juvenis marginais, muitas vezes criminosas e identificadas com determinada origem étnica, que são, na verdade, uma forma de defesa contra um meio social que lhes é hostil”.

Entre 12 e 13 de Agosto realiza-se a Peregrinação Anual dos Migrantes a Fátima e no dia 15, solenidade da Assunção da Virgem Maria, as comunidades eclesiais evocam a “Jornada de Solidariedade para com a Pastoral da Mobilidade Humana”, com os ofertórios das missas a reverterem para este departamento da Igreja.

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