Igreja atenta ao aumento da emigração

O diretor da Obra Católica Portuguesa de Migrações, frei Francisco Sales Diniz, fala do aumento do número de pessoas que deixam o país e assume as preocupações da Igreja Católica no setor, antecipando o próximo encontro de formação de agentes sociopastorais

Agência ECCLESIA (AE) – Os número recentes apontam para um aumento da emigração. Recordando números recentes avançados pelo Instituto Nacional de Estatística estima-se que a emigração aumentou 85 por cento. Entre 2000 e 2011 emigraram cerca de 44 mil pessoas, em 2012 o número ultrapassa os 140 mil. De que forma é que a Igreja acompanha esta realidade em que as pessoas procuram uma vida melhor fora de Portugal?

Francisco Sales Diniz (FSD) – Estes últimos dados são de alguma forma mais realistas porque agora há uma preocupação em ver e analisar os números, os primeiros 44 mil eu penso que estão um bocadinho longe da realidade porque foi nessa altura que começou a sair bastante gente de Portugal. Portanto, de fato esta nova realidade, esta nova situação da emigração portuguesa é uma grande interpelação à Igreja, penso que é um dos grandes sinais dos tempos como diz o Papa Francisco e como já dizia o Papa Bento XVI. É algo que nos deve questionar porque a realidade da mobilidade humana no mundo hoje é uma realidade tão complexa, tão grande, tão abrangente que se tornou como eu costumo dizer “ verdadeira terra de missão”.

A Igreja continua a preocupar-se, porque faz parte da sua identidade, do seu mandato missionário de Cristo de ir e anunciar o Evangelho, e hoje as migrações, o campo migratório, a verdadeira terra de missão. É uma obrigação moral do próprio carisma da Igreja acompanhar aqueles que saem das suas comunidades e vão para outros países, para outras zonas geográficas.

Fazemos um acompanhamento porque é preciso um processo bastante longo no tempo para que as pessoas depois se integrem nas Igrejas locais das zonas geográficas para onde emigram. Portanto este é um grande desafio, que para além de ser um desafio missionário e evangélico é um grande desafio humano, porque o drama das pessoas que estão a emigrar hoje deve-se a carências económicas com bastantes necessidades; emigram muita vezes sem uma rede social de apoio, uma rede social que os acolha nos destinos para onde vão e sem terem a certeza de encontrar trabalho. Por isso precisam de pontos de referência e é isso que nós procuramos fazer nos países de emigração: sabem que têm um espaço de acolhimento, um espaço com pessoas que os vão escutar, que os vão ouvir e que os vão tentar ajudar a resolver os problemas e as situações.

 

AE – Há pessoas disponíveis e preparadas para acolher os emigrantes nas comunidades missionárias, nas comunidades dos países de forma a acompanhar estas pessoas que se deparam com múltiplos desafios inerentes ao fato de terem de emigrar?

FSD – Nos países tradicionalmente de emigração portuguesa temos as nossas missões católicas estruturadas. Na Europa estamos na Alemanha, França, Holanda, Suíça, Luxemburgo, Bélgica, Inglaterra (Ilha de Jersey) e também no Canadá e nos Estados Unidos da América temos uma relação com as comunidades portuguesas mais de apoio, porque a emigração é mais antiga e está já integrada lá.

As comunidades vão ao encontro das necessidades que os emigrantes vão apresentando e na maioria dos países da Europa o suporte material, digamos, é dado pela Igreja local, através dos serviços nacionais da pastoral dos migrantes. Depois existem muitas parcerias que as missões fazem com as Cáritas e outras instituições civis, para promover o apoio aos nossos emigrantes, porque as situações são muito dramáticas. As pessoas apresentam muitas carências.

 

AE – Essas igrejas locais estão preparadas para fazer face a este aumento de emigrantes portugueses?

FSD – Estão preparadas para os receber, não estão é preparadas para as situações dramáticas que às vezes lhes surgem. Muitas vezes quer-se dar resposta a muitas situações de carências, mas as próprias missões não têm meios para isso. O que procuram fazer é encaminhar, serem mediadores para instituições dos países de acolhimento que possam ajudar a suprir essas carências que muitas vezes são materiais mas também a nível legal, por exemplo de situações de trabalho de exploração laboral e outras tantas situações que os nossos emigrantes hoje estão a viver.

 

AE – Uma das missões da Obra Católica Portuguesa das Migrações passa pelo esclarecimento das pessoas que optam por emigrar para não irem nem desinformadas nem à espera de encontrar um “el dorado” que depois não corresponde à realidade. São constantes estes desafios de pessoas que não estão preparadas, mas que mesmo assim optam por emigrar?

FSD – Sim, são constantes mas penso que neste momento que a questão está um pouco mais debatida. Houve uma altura em que as pessoas se lançaram um bocadinho à toa, no desespero de se verem sem meios para garantir a sua subsistência.

O Governo, através da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, lançou uma campanha a que nos associamos com a Cáritas Portuguesa porque estávamos a começar uma campanha semelhante.

Esta campanha que surtiu algum efeito, porque nós vemos que hoje em dia há situações que não têm sido tão dramáticas, mas continua a haver pessoas que, digamos, se deixam iludir e é precisamente por causa disso que no próximo encontro que vamos ter com as redes sociopastorais das migrações, vamos falar precisamente dos desafios, dos encantos e desencantos de toda esta problemática que está inerente à emigração, também como forma de formar e alertar aqueles que trabalham aqui em Portugal no terreno para poderem digamos sensibilizar as pessoas que pensam emigrar para não se deixarem iludir e não caírem em situações que os ponham se calhar numa situação pior do que aquela que estão a viver em Portugal.

 

AE – A crise e os cortes sistemáticas nos ordenados das pessoas que estão a trabalhar, além do número de desempregados que também pensa em emigrar, não levam a que as pessoas mesmo assim nesse desconhecimento se lancem na mesma no desconhecido?

FSD – As pessoas vão continuar a emigrar e cada vez em maior número. Consoante nós vemos os dados em Portugal, e a situação real do nosso país, percebemos que as pessoas estão a viver situações muito difíceis e que as pessoas vão procurar emigrar, muita gente vai continuar a emigrar.

Estou confiante que a partir de agora, com aquilo que tem sido feito, com os alertas que têm sido feitas e com as situações dramáticas que têm vindo a público na comunicação social, que as pessoas estejam com os olhos mais abertos e não se deixem iludir particularmente por ofertas de trabalho e angariadores de mão de obra barata, por promessas de um “el dorado” que depois se transforma em verdadeiros infernos, onde as pessoas praticamente se tornam escravas e entram num dos maiores crimes da humanidade de hoje, que é o tráfico de pessoas.

 

AE- Há gestos simbólicos que o Papa Francisco tem vindo a ter, como por exemplo o que aconteceu em Lampedusa, mas também palavras fortes que ele tem usado. Podem ajudar a uma mudança de atitude no tratamento dos migrantes e dos refugiados?

FSD – Penso sim e, no geral, as pessoas começam a tomar uma consciência maior da própria dignidade humana, começam a tomar consciência de que o sistema social foi criado centrado exclusivamente na economia, onde a economia e a alta finança se sobrepôs ao valor e a importância da dignidade humana, e isso vai levar a uma mudança. O Papa Francisco está a ser uma referência, o mundo estava a precisar de sinais, de referências e o Papa desde o início tornou-se num ponto de referência e eu penso que isso vai ajudar as mentalidades. É de facto importante e o Papa Francisco, naquilo que tem dito através dos seus gestos aos emigrantes – ele próprio, filho de emigrantes, tem essa experiência de saber o que é ser emigrante, do que é ver as famílias desenraizadas por pertencerem a mais do que uma cultura -, tudo o que ele tem afirmado vai ajudar a mudar mentalidades.

O problema da mudança de mentalidade não está na população em geral, tem a ver mais com os interesses económicos, com a classe política que dirige as sociedades no nosso tempo e que tentam defender a economia e a alta finança como um modelo “salvador da humanidade”, mas que em vez de estar a salvar está se calhar a destruir mais.

 

AE – Na mensagem para o dia mundial do migrante e do refugiado, o Papa Francisco acusa mesmo a existência de uma defesa do medo, que corresponde a um fechamento de fronteiras e apela a uma cooperação internacional, uma regulação que proteja mais do que propriamente limite. É isto que está em causa? Uma mudança de atitude?

FSD – Sim, está em causa uma mudança de atitude. Eu penso que é justo que as sociedades de alguma forma defendam as suas fronteiras, os seus cidadãos porque nós vemos que há uma grande parte da humanidade que vive em situações tão dramáticas, nós vemos este movimento fuga de África em direção à Europa que se houvesse uma abertura total, um controlo África ficaria destruída e a Europa também cairia. Portanto o que é preciso, e eu penso que a mudança passa por aí, é que os políticos principalmente os da Europa e os dos Estados Unidos, aqueles que são chamados de primeiro mundo face aos países chamados de terceiro mundo, deixem de apoiar como o fazem governos, políticos e situações corruptas pura e simplesmente por interesses económicos.

É preciso mudar, é preciso fazer um trabalho nestes países de origem para mudar as situações para que as populações possam ter condições para se fixar nos seus territórios, nos seus países, construírem as suas sociedades com os meios necessários para viverem com dignidade. Eu penso que o caminho tem de ser feito por aí.

 

AE – Essa é uma economia ao serviço das pessoas?

FSD – A economia deve ser sempre ao serviço das pessoas. Eu penso que o que está em causa e esta tem de ser a base sempre defendida pela igreja, que o Papa Francisco e todos nós defendemos. O mundo foi criado por Deus e foi criado para todos, não só para alguns. Infelizmente o que nós vemos e este mundo ultraliberal em que vivemos está centrado no poder de alguns que açabarcaram a maior parte dos bens que deviam de ser de todos, porque se tudo fosse distribuído equitativamente não haveria a miséria, a fome que existe agora. Continuamos a ver as lutas de poder desses grandes interesses que provocam tantas guerras, tantos ódios, tanta violência, tanta morte no nosso mundo.

 

AE – O Papa Francisco foca também um triângulo que tem responsabilidade na forma como a atitude perante as migrações poderia mudar, nomeadamente a responsabilidade da comunicação social, da igreja e da comunidade internacional. Como é que estes três atores, neste jogo de migrações, mudando de atitude poderiam ajudar a tornar este fenómeno migratório mais pacífico e mais equilibrado?

FSD – A nível da comunicação social, particularmente no nosso país, têm-se feito grandes progressos porque hoje os meios em geral tratam as migrações de uma forma muito positiva. Hoje em dia quem cria as visões culturais é a comunicação social e em especial a televisão, portanto eu penso que a comunicação social tem este papel fundamental de mostrar o lado positivo das migrações e não o negativo. Os medos com a criminalidade, com o roubo do trabalho aos autóctones às vezes transpareciam nas notícias que eram transmitidas, hoje em dia já não é assim e a comunicação social tem de dar uma imagem positiva do que é de facto a emigração porque para cada país é uma renovação, é um enriquecimento. Para a Igreja é um grande enriquecimento e particularmente para a nossa velha Europa, onde a Igreja continua a manter-se como uma igreja de tradição, uma igreja de sacristia, que deixou de ser missionária para ser quase uma igreja prestadora de serviços à qual as pessoas recorrem. Os emigrantes que vão chegando à igreja na Europa, ao velho mundo, trazem uma nova forma de ser, uma cultura religiosa cristã diferente e são uma lufada de ar fresco, podem ajudar.Há um grande trabalho a ser feito, há que mudar as mentalidades, porque as nossas comunidades continuam muito fechadas, quer em Portugal, quer mesmo nos países de acolhimento dos portugueses, onde as comunidades se fecharam em si mesmas e não dão abertura a esta nova realidade, não se deixam transformar por este grande sinal dos tempos.

A comunidade internacional é fundamental para uma visão positiva da mobilidade humana. Tem de haver um trabalho se calhar a partir das Nações Unidas, a partir da União Europeia de uma maior abertura, de uma cooperação porque o que nós vemos por exemplo na União Europeia é que não se fala a uma só voz. Se queremos construir uma Europa unida, é preciso que os governos trabalhem em conjunto: é preciso uma grande abertura, leis que promovam uma cooperação entre os Estados. Estive recentemente num centro de detenção de imigrantes clandestinos, na ilha de Malta: são situações verdadeiramente dramáticas, eu chorei ao ver centenas e centenas jovens, cheios de sonhos e de esperanças, que se veem barrados, detidos como se fossem criminosos. Se houver abertura de coração entre as nações e se criar uma legislação internacional que promova a dignidade humana, será possível transformar bastante as coisas.

A Igreja Católica deve ajudar, em qualquer país, a criar uma cultura do acolhimento, da abertura, da fraternidade, de respeito pela dignidade e pelos Direitos Humanos, que continuam a não ser respeitados em muitas nações.

 

AE – O 14.º Encontro de formação de agentes sociopastorais das migrações começa com uma conferência intitulada ‘Retomar a importância das Migrações para a Pastoral da Igreja’. Isso quer dizer que houve coisas que a Igreja poderia ter feito e não fez?

FSD – Mais do que dizer isso, a ideia é vincar que passamos uma fase em Portugal na qual a emigração estagnou e nós voltamo-nos mais para a imigração, esquecendo-nos dos portugueses lá fora. Após a recente explosão da emigração, é preciso que a Igreja, que os bispos, que a Conferência Episcopal ponha, de facto, esta pastoral dos emigrantes – a necessidade de os acompanhar, de continuar a disponibilizar agentes pastorais, a dar orientações para este trabalho, como uma das prioridades.

Nós não temos sentido isso em Portugal e será D. António Francisco dos Santos, bispo de Aveiro, a fazer uma conferência sobre este tema, ele que foi um homem que trabalho nas migrações e que tem uma maior preocupação com a pastoral dos emigrantes.

LS

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