Igreja/Abusos: Processo de compensações tem sido «moroso», mas 94,95% dos pareceres estão «prontos»

Coordenadora do Grupo Vita aborda novos projetos de prevenção e fala em mudança de cultura nas instituições católicas em Portugal

Foto: Lusa

Lisboa, 28 set 2025 (Ecclesia) – Rute Agulhas, coordenadora do Grupo Vita, admitiu que o processo de atribuição das compensações a vítimas de abusos sexuais na Igreja tem sido “moroso”, mas indica que 94,95% dos pareceres estão “prontos”.

“À data de hoje, temos cerca de 94,95% dos pareceres prontos para entregar ao grupo de fixação das compensações, e, portanto, esta primeira parte, de facto, foi cumprida, não houve derrapagem”, refere a convidada da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.

Rute Agulhas sustenta que o tempo usado nas entrevistas às vítimas “se justifica”, destacando a “logística” envolvida em deslocações e contactos em todo o país e até com emigrantes.

“Entrevistamos 70 pessoas, de um grupo de 84, sendo que destes 84 houve pessoas que desistiram, houve pessoas que deixaram de contactar”, precisa.

O processo de atribuição de compensações financeiras a pessoas que declararam ter sido vítimas de violência sexual, quando crianças ou adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal, prossegue com o trabalho da Comissão de Fixação da Compensação.

O organismo vai entrar em funcionamento “neste mês de setembro como previamente anunciado”, segundo nota da CEP, divulgada esta sexta-feira, e é composta por sete juristas (advogados e juízes desembargadores): dois indicados pela Conferência Episcopal Portuguesa; dois pela Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis; dois pelo Grupo VITA; e um pela Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal.

“Mantemos firme o nosso propósito de concluir o processo de atribuição de compensações financeiras no final do ano de 2025 e estamos a envidar todos os esforços nesse sentido”, assume a CEP.

A coordenadora do Grupo Vita destaca que “o segundo grupo de atribuição das compensações não vai ter oportunidade, não vai falar com as pessoas”.

“Se restarem dúvidas ao segundo grupo de atribuição de compensações, na dúvida pode haver uma não atribuição de compensação”, adverte.

Nunca foi pedida a nenhuma vítima, também estava nessa entrevista, que mostrasse como é que foi o toque abusivo. Isso seria manifestamente desadequado, até porque nós não vamos pedir a alguém para mostrar uma situação que foi abusiva, seria repeti-la. Aquilo que foi pedido foi que a pessoa clarificasse”.

Para Rute Agulhas, sem esta clarificação o segundo grupo poderia “arquivar alguns processos dizendo que não há lugar a compensação porque não se configura informação suficiente para concluir pela existência de um crime sexual”.

O Grupo Vita continua a receber processos de ajuda, pedidos de ajuda por parte de vítimas, nem todos relacionados com as compensações financeiras.

“Temos 84 pedidos de compensação até o momento e pediram-nos ajuda mais de 140 vítimas, portanto temos aqui um universo de vítimas que não pede esta compensação, pede apoio psicológico, pede apoio psiquiátrico, pede apoio espiritual também”, precisa.

Rute Agulhas refere ainda que, em 2025, foram registadas mais de uma dezena de situações que “não tinham absolutamente nada a ver com a Igreja, situações de abuso intrafamiliar ou de abuso na escola ou até de assédio laboral”.

Quanto ao trabalho realizado nas comunidades católicas, a responsável entende que “neste momento já não se faz marcha atrás”.

“Nem todos os bispos, nem todas as congregações, de facto, veem esta problemática da mesma forma, apesar de ver uma evolução positiva nos últimos dois anos. Hoje a realidade é muito diferente do que era em maio de 2023, quando o Grupo Vita começou. A Igreja é uma engrenagem morosa, complexa e, portanto, os processos de mudança não acontecem do dia para a noite, é preciso tempo”, reconhece.

O Grupo VITA e a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) vão apresentar na próxima terça-feira dois programas de prevenção primária da violência sexual contra crianças, especialmente desenvolvidos para o contexto da Igreja Católica em Portugal.

O programa Girassol é destinado a crianças entre os 7 e os 9 anos e o Lighthouse Game é um jogo digital, para crianças entre os 10 e os 12, porque sabemos que nestas idades tudo o que é digital é também mais apelativo”, adiantou Rute Agulhas.

É importante salientar que a prevenção cabe aos adultos e, por esse motivo, o Grupo Vita tem nos últimos dois anos trabalhado com as mais diversas estruturas da Igreja, no sentido de as capacitar, de as formar, tentando criar aqui uma Igreja mais segura e mais acolhedora.”

A coordenadora do Grupo Vita rejeita críticas a estes programas, precisando que “prevenção da violência sexual é falar de respeito, é falar de segurança, é falar de limites, é falar de consentimento, é falar de ajudar as crianças a saberem distinguir, por exemplo, o que é um toque adequado ou inadequado”.

“Vamos tentar acima de tudo avaliar o impacto, ou seja, o que é que muda nestas crianças, porque nós estamos a falar de um programa e um programa não é uma ação pontual, é algo que é continuado, é um processo”, acrescenta.

O desenvolvimento dos programas contou com a ajuda de catequistas e professores de EMRC, considerados “embaixadores”, pelo Grupo Vita.

“O que eu queria também salientar é que estes programas não vêm, de forma alguma, “diabolizar” a Igreja”, insiste a entrevistada.

A responsável sublinha que “a maior parte dos abusos sexuais não acontece na Igreja, acontece em casa, acontece na escola, no fundo acontece no mundo digital, nos contextos onde as crianças estão”.

O Grupo Vita vai organizar um congresso internacional a 27 de novembro, em Fátima, com o objetivo de refletir sobre o percurso realizado até aqui, no que concerne a este combate aos abusos sexuais na Igreja Católica.

“O grande objetivo é também trazer algum input de quem já tem um caminho mais longo do que o nosso, é cruzar olhares, é cruzar perspetivas, é partilhar saberes e é providenciar aqui ou potenciar uma reflexão conjunta”, refere Rute Agulhas.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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