Ana Sofia Marques afirma que esta «não é hora dos fiéis se afastarem, não é hora dos padres se afastarem»
Lisboa, 16 fev 2023 (Ecclesia) – A coordenadora-executiva do projeto ‘Cuidar’ afirmou que, após a apresentação do relatório final sobre os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica em Portugal, “há um trabalho que tem de ser feito em articulação”.
“É preciso olhar para a realidade dos abusos sexuais de crianças na Igreja Católica portuguesa não como um problema abstrato, mas para pessoa a pessoa, vítimas em concreto, o sofrimento de cada um em concreto, obriga-nos, impele-nos a fazer alguma coisa, a fazer mais”, disse Ana Sofia Marques, também coordenadora provincial do Serviço de Proteção e Cuidado (SPC) da Companhia de Jesus (Jesuítas), em entrevista à Agência ECCLESIA
Para a responsável, esta “não é hora dos fiéis se afastarem, não é hora dos padres se afastarem”, mas é a hora de todos se unirem e ver “o que é que está a ser pedido como Igreja”, e como é que cada um se implica “na resposta, na solução”.
“Não é entregar esta missão a outros, não é retirá-lo da Igreja. É fazê-lo em colaboração, as associações de apoio à vítima, os serviços das congregações, os serviços das dioceses, trabalharmos em conjunto”, acrescentou.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica (CI), criada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), apresentou esta segunda-feira o seu relatório final, na Fundação Calouste Gulbenkian, numa sessão em que foram lidos alguns dos testemunhos.
Para a coordenadora do SPC, é preciso “ter muito cuidado” com a reprodução destes depoimentos, nomeadamente pela Comunicação Social, porque “para crianças pequenas, ouvir o conteúdo daquele relato é uma forma de violência sexual”.
Acho que há um agradecimento grande às vítimas, não só pelos testemunhos que fizeram, mas pelo facto de estarem a abrir caminho. Algumas delas estão a sofrer pelo facto de nós não sabermos fazer ainda bem. Nós estamos a aprender, aprendemos muito no último ano”.
A entrevistada acrescenta que os pais também “devem aproveitar esta oportunidade” para explicar o que é que se passa, “não é desligar a televisão, não é para levar medo”, mas para estarem “todos numa atitude de prudência, de algum acompanhamento, e de uma implicação”.
A Comissão Independente validou um total 512 testemunhos de abuso sexual na Igreja Católica nas últimas décadas, com um “pico” entre as décadas de 60 e 90 do século passado, segundo o relatório final, divulgado esta segunda-feira, onde faz recomendações à Igreja e à sociedade.
Ana Sofia Marques assinala que as recomendações são “muito genéricas e dirigidas a vários quadrantes”, e destaca a recomendação sobre a formação, partilhando “algum receio que pareça que a formação resolve tudo”.
“A formação é essencial como sensibilização, como mais conhecimento, mas não pode retirar a necessidade de acompanhamento das pessoas. É uma formação que tem que ser contínua, a inicial de sensibilização tem que ser contínua”, explicou.
A entrevistada destaca também a “última recomendação”, sobre a criação do provedor da criança, “como sugestão muito importante”, porque se revê nela “há muito tempo”.
“É uma figura institucional que me parece que resume a importância que a proteção da criança seja em que contexto for, merece”, aponta.
O primeiro-ministro português, António Costa, anunciou que vão decorrer reuniões do Governo com membros da Comissão Independente, que vão envolver a ministra da Justiça e a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Ana Sofia Marques salienta que é importante que o tema da proteção e da cultura do cuidado “entre nas escolas”, acrescentando que “há muitas outras formas de mau trato mais subtis que marcam a vida das crianças e dos jovens”.
A entrevistada de hoje no Programa ECCLESIA (RTP2) realça que o relatório tem “um número preocupante relacionado com o acolhimento institucional, o acolhimento residencial”, e todos os fenómenos equiparados – seminários menores, colégios internos, casas de acolhimento.
A coordenadora executiva do projeto ‘Cuidar’ entende que o passo seguinte é identificar fatores e áreas de risco, num exercício de “prevenção”.
“Quando falamos de abusos sexuais, não estamos só a falar de toques e de apalpões, estamos a falar de coisas muito intrusivas, muito sérias e muito marcantes. Estes toques não podem ser desvalorizados, mas não estamos a falar só disto”, explicou.
O Cuidar é um projeto de extensão universitária de apoio a organizações para promoção de cultura de cuidado e é promovido pelo Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP) da Faculdade de Ciência Humanas da Universidade Católica Portuguesa.
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