Organismo recebeu 61 pedidos de compensação financeira
Lisboa, 21 jan 2025 (Ecclesia) – O Grupo Vita, organismo de acompanhamento das situações de violência sexual na Igreja Católica em Portugal, sublinhou hoje a necessidade de reparação às vítimas, num relatório de atividades apresentado aos jornalistas.
“Nas últimas décadas, os casos de abuso sexual no seio da Igreja Católica têm suscitado um intenso debate público e institucional, colocando em evidência a necessidade da Igreja enfrentar o passado e proteger as gerações futuras, reconhecendo, reparando e prevenindo”, indica um comunicado enviado à Agência ECCLESIA.
O documento aborda processo de elaboração do Regulamento para atribuição de compensações financeiras pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e Conferência de Institutos Religiosos de Portugal (CIRP).
“A CEP e a CIRP sentiram a necessidade de implementar um mecanismo de compensação financeira para as vítimas, com o objetivo de minimizar o impacto da violência vivenciada”, assinala a nota.
A 1 de junho de 2024 teve início o período de apresentação formal dos pedidos de compensação financeira, junto do Grupo Vita ou da Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis onde terão ocorrido os factos.
O relatório de atividades, apresentado aos jornalistas, em Lisboa, regista 61 pedidos de compensação financeira, 40 do sexo masculino e 21 do sexo feminino.
“Na sua maioria, as pessoas que solicitaram uma compensação financeira foram já anteriormente escutadas pelo Grupo Vita, que efetuou, à data, as respetivas sinalizações. Apenas 15 pessoas contactaram agora o Grupo Vita pela primeira vez e exclusivamente com o objetivo de solicitarem uma compensação financeira”, indica o documento.
O processo de escuta das pessoas que solicitaram uma compensação financeira foi iniciado no final de 2024, tendo sido realizadas oito entrevistas, relativas a casos em Institutos de Vida Consagrada.
Para as situações em que o relato da vítima não está documentado, o Grupo Vita decidiu realizar duas entrevistas; nos restantes casos, tem sido realizada uma.
“A revitimização, acima de tudo, pode ser evitada pela forma como as entrevistas são conduzidas”, sustentou Rute Agulhas, coordenadora do Grupo Vita.
O documento sublinha que “as pessoas que relataram previamente a situação abusiva não têm de repetir o seu relato, de modo a prevenir uma situação de revitimização”.
“Não obstante esta indicação, que é reforçada no início de cada entrevista, diversas pessoas verbalizam o seu desejo em falar sobre o que aconteceu, alegando que isso lhes traz algum alívio e sensação de libertação”, acrescenta o texto, falando num “feedback muito positivo”.
Rute Agulhas quis deixar uma “mensagem de confiança” a quem possa estar “ambivalente” sobre este processo.
“Criou-se uma relação de proximidade”, indicou aos jornalistas a coordenadora do Grupo Vita.
O relatório indica que a primeira proposta de modelo de compensação foi apresentada em abril de 2024 junto do Conselho Permanente da CEP, em Fátima, sendo posteriormente trabalhado com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas e aprovado pelos bispos e pela CIRP.
Posteriormente, “em sequência de algumas críticas e sugestões por parte de diversos quadrantes”, foi apresentada uma proposta de alteração, aprovada pela CEP em novembro de 2024.
“Importa reconhecer e reparar o passado, mas também pensar no presente e no futuro, ajudando a Igreja a ser um contexto mais seguro e protetor, assegurando a todos um ambiente pautado por uma cultura de cuidado e bom trato”, indicam os membros do Vita.
Em funcionamento há um ano e meio, o Grupo Vita tem investido, acima de tudo, no processo de escuta e acompanhamento das vítimas de violência sexual no contexto da Igreja, que nele reconhecem encontrar uma estrutura isenta e independente”.
A Conferência Episcopal Portuguesa anunciou em novembro de 2024 o alargamento, até 31 de março de 2025, do prazo para pedidos de compensação financeira de vítimas de abusos sexuais por membros do clero ou em instituições eclesiais.
Rute Agulhas lembrou a “dificuldade” que existe em pedir ajuda e sublinhou que a data prevista não “fecha a porta” a quem se apresente, depois.
“Tem de haver razoabilidade, bom senso, flexibilidade”, acrescentou.
O regulamento para as compensações financeiras às vítimas de abusos sexuais prevê a criação de duas comissões: uma primeira comissão procederá à análise dos pedidos e elaboração de um parecer (Comissão de Instrução) e, num momento imediatamente seguinte, uma segunda comissão determinará os montantes das compensações a atribuir (Comissão de Fixação de Compensação).
A Comissão de Instrução, deve ser constituída, pelo menos, por duas pessoas, uma designada pelo Grupo VITA e outra pela Equipa de Coordenação Nacional.
Questionado sobre os valores da indemnização, Rute Agulhas precisou que “não foi definido qualquer teto para esses montantes”.
“As situações não são todas iguais”, acrescentou, justificando a decisão de analisar cada caso, antes de atribuir a compensação financeira, em vez de optar por um montante igual para todas as pessoas.
Segundo a responsável, “em 61 pessoas, apenas duas dizem que deveria ser igual para todas”.
David Silva Ramalho, advogado que integra o grupo consultivo do Vita, recordou que o mesmo acontece fora da Igreja, com “critérios de gravidade” que os Tribunais seguem, tendo em conta “o caso concreto que apreciaram”.
José Souto Moura, da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, assinalou que “é preciso ter uma amostragem minimamente significativa dos casos, do dano e do nexo de causalidade”, antes de tomar uma decisão sobre as compensações.
“O que a Igreja está a fazer aproxima-se bastante daquilo que o Código Civil considera obrigações naturais”, com base em “critérios de justiça”, precisou.
“Cada pessoa deve receber aquilo que corresponda ao seu caso”, assinalou o antigo procurador-geral da República.
O responsável recordou, a este respeito, que ficou decidida a criação de um fundo da Conferência Episcopal Portuguesa, com o contributo solidário de todas as dioceses, dos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.
OC