Igreja/Abusos: Coordenadora do Grupo Vita insiste na necessidade de acolhimento e descarta «revitimização» (c/vídeo)

Processo de escuta das vítimas que pediram compensações financeiras está em curso

 

Lisboa, 07 abr 2025 (Ecclesia) – A coordenadora do Grupo Vita, que acompanha situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis na Igreja Católica em Portugal, sublinhou a necessidade de acolher as vítimas que pedem compensações financeiras, rejeitando a ideia de “revitimização” das mesmas.

“É muito importante que fique claro, porque temos muitas pessoas ansiosas, preocupadas, sem dormir, fruto de alguma distorção na informação e na forma como ela é passada. Efetivamente, quem já falou da sua situação abusiva, seja com o grupo Vita, seja com uma estrutura da Igreja, esse relato está documentado, está escrito”, refere Rute Agulhas, em entrevista à Agência ECCLESIA.

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e a Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP) anunciaram na última semana que 77 pessoas apresentaram pedidos de compensação financeira por abusos sexuais no contexto da Igreja Católica, entre 1 de junho de 2024 e 31 de março de 2025.

Neste momento está a decorrer o processo de escuta destas pessoas pelas comissões de instrução, compostas, pelo menos, por duas pessoas: uma designada pelo Grupo VITA e outra pela equipa de coordenação nacional ou pelo respetivo Instituto de Vida Consagrada – sendo constituída uma comissão de instrução para cada pedido de compensação financeira.

Rute Agulhas precisa que está em causa “uma conversa a três, num ambiente descontraído, num ambiente confortável, a maior parte das vezes num ambiente que não tem nada a ver com a Igreja”.

A responsável destaca que o objetivo é sempre partir do relato que já está documentado.

“Às vezes, temos um relato que já é muito detalhado, que já tem toda a informação necessária e, portanto, não precisamos perguntar absolutamente nada”, observa.

A coordenadora do Grupo Vita admite, no entanto, que há “relatos muito vagos, muito omissos”, que precisam de ser aprofundados pela referida comissão de instrução.

“A certeza só pode existir a partir do momento em que nós ouvimos a pessoa e percebemos o que é que aconteceu, quando é que aconteceu, com quem é que aconteceu, onde é que aconteceu. Se nós não tivermos a resposta a estas informações, não pode haver aqui uma avaliação até da verosimilhança desta situação”, justifica.

Apenas a comissão de instrução vai ter encontros presenciais com as pessoas que apresentam um pedido de compensação, por abusos sexuais contra menores ou adultos vulneráveis, seguindo-se o trabalho de outra comissão, responsável por fixar o montante a atribuir.

“O segundo grupo de trabalho recebe um documento com um relato e com um parecer. Se esse relato e esse parecer suscitarem dúvidas, forem vagos, o segundo grupo de trabalho pode, no limite, entender que não há direito à compensação. Estamos a tentar acautelar essa situação e, portanto, quando fazemos algumas perguntas é no sentido de clarificar, de perceber melhor alguma informação que está vaga, é no sentido de podermos auxiliar depois o processo de tomada da decisão do segundo grupo”, indica Rute Agulhas.

São perguntas de clarificação, não uma repetição daquilo que já foi dito, e acontecem num contexto de tranquilidade, de confiança, ao ritmo da pessoa que está a ser escutada. Apenas duas em 36 dizem não se terem sentido totalmente confortáveis nestas entrevistas”.

A coordenadora do Grupo Vita indica que, para muitas pessoas, “a verdadeira reparação começa a ser sentida a partir do momento em que são ouvidas, que são acreditadas, que são escutadas”.

A responsável adianta que as entrevistas a todas as pessoas devem estar concluídas “durante o mês de julho, agosto”, para que o segundo grupo de trabalho possa fixar os montantes que cada pessoa poderá receber.

A comissão de fixação da compensação vai ser composta por sete pessoas, maioritariamente juristas, com experiência na área em causa: duas indicadas pela Conferência Episcopal Portuguesa; duas indicadas pela Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis; uma indicada pela Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal; duas indicadas pelo Grupo VITA.

As vítimas continuam a receber apoio de psicologia ou psiquiatria, com a Igreja a suportar os custos, permitindo um “processo de continuidade”, realça Rute Agulhas.

A especialista defende a criação de uma “cultura de transparência”.

“Uma coisa é eu ficar sozinha numa sala, por exemplo, sem paredes de vidro, sem janelas de vidro, portanto no fundo sem visibilidade, estar sozinha numa interação de um para um e permitir determinado tipo de toque, ainda que seja um toque normativo, mas depois pode ser entendido de uma forma desajustada”, explica.

Rute Agulhas destaca que, “nesta perspetiva da política de criação de ambientes seguros e de ambientes de cuidado”, uma das regras principais é “a visibilidade”.

A especialista assina a obra ‘Podes falar comigo’, um guia prático para compreender, prevenir e agir em situações de violência sexual contra crianças, em coautoria com Jorge Neo Costa, assistente social

“Esse livro é pensado para adultos, está escrito de uma forma muito tranquila e muito clara, desconstruindo e também descomplicando um bocadinho o tema, um tema tabu”, indica.

A coordenadora do Grupo Vita realça que, neste momento, “cada vez mais a sociedade civil está a pedir ajuda em escolas, em câmaras municipais, entidades que não têm nada a ver com a Igreja Católica”.

PR/OC

Desde janeiro de 2021, a Igreja Católica em Portugal tem novas diretrizes para a “proteção de menores e adultos vulneráveis”, sublinhando uma atitude de vigilância nas várias atividades pastorais e de colaboração com as autoridades.

Durante o ano de 2022, a CEP pediu um estudo sobre casos de abuso sexual na Igreja em Portugal nos últimos 70 anos a uma Comissão Independente, que validou 512 testemunhos relativos a situações de abuso, que seria apresentado em fevereiro de 2023.

A22 de maio de 2023, a Conferência Episcopal Portuguesa criou o Grupo Vita para acolher denúncias de abuso, trabalhar na prevenção e acompanhar vítimas e agressores.

 

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