Antigo diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária destacou evolução dos perigos no ambiente digital

Fátima, 27 nov 2025 (Ecclesia) – Carlos Farinha, antigo diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária (PJ), afirmou hoje em Fátima que é necessário colocar as vítimas “no centro” das intervenções institucionais, sem as culpabilizar pela violência que sofreram.
“A culpa nunca é da vítima, temos de sublinhar isto muito”, declarou o especialista durante a sua intervenção no Congresso Internacional ‘Da Reflexão à Ação’, promovido pelo Grupo VITA e pela Conferência Episcopal Portuguesa.
O responsável, que apresentou aos cerca de 300 participantes a perspetiva da investigação policial sobre os crimes sexuais contra crianças e jovens, alertou para novas formas de perigo, como a “submissão química” através de substâncias que adulteram bebidas, por exemplo, reforçando que se uma vítima está inconsciente, “ainda está mais vulnerável” e a sociedade tem o dever de a proteger.
Carlos Farinha destacou a evolução dos perigos no ambiente digital, mencionando fenómenos como o “sexting”, a “sextortion” (extorsão sexual) e a criação de imagens falsas através de Inteligência Artificial.
“O digital acontece sempre no real. O digital tem sempre um impacto no real, tem sempre um impacto na pessoa, e isso é que é a parte importante”, advertiu, notando que a distinção entre crimes presenciais e online é cada vez mais ténue, criando situações “híbridas”.
Sobre a atuação da Polícia Judiciária, o orador referiu a aposta na “especialização e supervisão” e a adaptação de espaços físicos para acolher as vítimas de forma digna, evitando salas desadequadas.
“As vítimas não chegam sozinhas. As vítimas têm um percurso antes e as vítimas têm um percurso depois”, recordou, lamentando que muitas vezes o sistema de investigação ignore essa trajetória.
Carlos Farinha abordou ainda a dificuldade que muitas pessoas sentem em denunciar, por não saberem “a quem bater à porta” ou por vergonha, o que contribui para as “cifras negras” deste tipo de criminalidade.
No plano legislativo, elogiou o instituto das “declarações para memória futura”, tornado obrigatório para crianças desde 2007, mas alertou que a sua eficácia depende de uma aplicação “bem organizada e bem realizada” pelos magistrados.
Apesar da complexidade do tema, o especialista deixou uma mensagem de esperança: “É fundamental olhar para esta problemática com resiliência, com algum otimismo”, concluiu.
A sessão de abertura dos trabalhos, sobre prevenção e resposta à violência sexual, contou com as intervenções de D. José Ornelas, presidente da CEP; da irmã Célia Cabecinhas, vogal da direção da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP); e de Rute Agulhas, coordenadora do Grupo VITA.
O programa da manhã incluiu uma conferência do padre Hans Zollner, especialista em proteção de menores e docente na Universidade Gregoriana (Roma), sobre a proteção de vulneráveis como “parte integrante da missão da Igreja”.
Seguiu-se a intervenção da investigadora irlandesa Marie Keenan, professora da University College Dublin, sobre o tema “Refletindo sobre o processo da negação à responsabilização”.
Os trabalhos da tarde abrem com o painel “Saberes em Diálogo”, que cruza as perspetivas do jornalismo (Rodrigo Pinedo), da educação (Rodrigo Queiroz e Melo, do Projeto CUIDAR) e do escutismo (Ivo Faria, do Corpo Nacional de Escutas).
O encontro prossegue com um momento de “Síntese e Caminhos Futuros”, com a participação do Departamento Nacional da Pastoral Juvenil e da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas, visando a articulação de esforços no terreno.
A parte final do congresso é dedicada a sete workshops simultâneos, que abordam temas práticos como programas de prevenção para crianças (incluindo o jogo digital ‘Lighthouse Game’), a intervenção psicológica com vítimas, a gestão de agressores e a implementação da justiça restaurativa.
OC
