Psicóloga, que integra a equipa da Comissão de Proteção de Menores do Patriarcado de Lisboa, pede aposta na prevenção primária
Lisboa, 20 fev 2023 (Ecclesia) – A psicóloga Rute Agulhas, que integra a equipa da Comissão de Proteção de Menores do Patriarcado de Lisboa, disse à Agência ECCLESIA que a reconquista da “confiança”, após a divulgação do relatório sobre abusos sexuais na Igreja, vai ser um processo lenta.
“A confiança não é algo que se ganhe de um dia para o outro. Não é porque a Igreja diz que está aqui uma Comissão à qual podem pedir ajuda que as pessoas se despem de todas as barreiras”, refere a especialista.
Para Rute Agulhas, os dados publicados na última segunda-feira deram voz a “décadas de segredo e de silêncio”, numa problemática como a violência sexual, que “ainda é tabu”.
A especialista considera que o relatório final da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal mostra “números assustadores”.
“Diria que, infelizmente, não são números que nos espantem”, aponta.
O relatório, pedido pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e divulgado a 13 de fevereiro, validou um total 512 testemunhos de abuso sexual na Igreja Católica nas últimas décadas, com um “pico” entre as décadas de 60 e 90 do século passado.
“Surpreendeu-me terem sido tão poucos os testemunhos validados”, indica a psicóloga.
Rute Agulhas entende que “o peso do segredo é imenso, o peso da culpa, da vergonha”.
O relatório da CI faz recomendações à Igreja e também à sociedade portuguesa, sugerindo que a prescrição dos crimes de abuso sexual aumente até aos 30 anos da vítima e propondo a realização de um “estudo nacional sobre abusos sexuais de crianças nos seus vários espaços de socialização”.
Para a entrevistada, esta é uma problemática de “saúde pública”, que acontece “nos mais variados contextos”.
“Não há um abuso sexual da Igreja, existe o abuso sexual na Igreja, tal como existe na família, na escola, no mundo online, no mundo desportivo, onde existem crianças e jovens”, precisa.
A par da formação, da sensibilização, porque é muito importante falarmos sobre estes temas de uma forma clara com as crianças, desde cedo, com os pais e com todas as pessoas que estão neste contexto, é importante focarmo-nos nas questões da prevenção primária”.
Rute Agulhas desafia todos a ensinar as crianças a “dizer não” e a “pedir ajuda”, perante situações de risco.
“O foco deve ser a prevenção primária, a par de processos de encaminhamento e de sinalização das situações para as entidades competentes”, indica.
A psicóloga destaca ainda a importância da intervenção terapêutica, quer com as vítimas, “sobreviventes que às vezes carregam o peso do segredo, há décadas”, quer com os agressores.
“Não chega afastar fisicamente o agressor das crianças, por algum tempo, se esse afastamento não for combinado com uma abordagem psicoterapêutica”, defende.
Para a responsável, pedir desculpas é “importante”, com uma “tentativa de reparação”.
A Igreja, acrescente, deve assumir o compromisso de criar “uma rede de profissionais” que possam oferecer cuidados psicoterapêuticos, em todo o país.
A CI recomendou a criação de um novo organismo, visando dar “continuidade” ao estudo e acompanhamento do tema, de forma multidisciplinar, com membros internos e externos à Igreja, sugestão com que Rute Agulhas diz concordar “inteiramente”.
“É importante pensar daqui para a frente. Além da prevenção, da intervenção terapêutica com vítimas e agressores, é fundamental que as pessoas continuem a sentir que há uma porta aberta, isenta, com especialistas das várias áreas”, observa.
A entrevista integra a emissão do programa ‘70×7’ deste domingo, com emissão às 17h30, na RTP2.
A Conferência Episcopal Portuguesa vai reunir-se a 3 de março, em Assembleia Plenária extraordinária, para debater os dados do relatório e decidir sobre medidas concretas a tomar.
HM/OC