Vice-presidente da CEP admite «surpresa» perante declaração do Vaticano sobre casais irregulares e assume importância de novas políticas, perante aumento da pobreza, em Portugal
Coimbra, 31 dez 2023 (Ecclesia) – D. Virgílio Antunes, vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), assumiu que o impacto da crise dos abusos sexuais de menores “afetou” a vida das comunidades católicas, em 2023, destacando, por outro lado, a JMJ como um momento “ímpar”.
“A Jornada foi aquele ambiente que todos nós pudemos vivenciar, que nos marcou profundamente e que marcou a Igreja, embora nós estejamos todos agora muito preocupados e com algum receio de não dar uma continuidade adequada no processo evangelizador e de encontro com jovens”, refere D. Virgílio Antunes, convidado da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.
No último dia do ano, o bispo de Coimbra recorda a multidão que acorreu a Portugal, para a edição internacional da JMJ, e pede uma “atitude diferente diante dos jovens”.
“Não podemos ficar nem com as mesmas instituições que já tínhamos antes, nem com os mesmos dinamismos, na certeza de que precisamos de renovar e dar um salto qualitativo e quantitativo em tudo aquilo que fazemos enquanto Igreja, na relação com os jovens”, aponta.
Questionado sobre o relatório da Comissão Independente, apresentado em fevereiro, e o impacto sobre a vida na Igreja, o vice-presidente da CEP admite que esta foi “uma realidade absolutamente nova”.
“Na Igreja e no mundo não podíamos continuar com os olhos fechados àquilo que agora sabemos, de uma forma mais objetiva e evidente se passava. Este trabalho era necessário, teve a celeridade possível”, assinala.
Os bispos, acrescenta, estão “absolutamente disponíveis” para receber “todas as pessoas” que queiram partilhar os seus casos.
Temos a disponibilidade total, porque nós estamos neste processo todos de alma lavada, de espírito aberto, e o que nós mais desejamos é que a Igreja e a sociedade consigam ultrapassar um drama que as têm marcado tanto e que é um dos dramas mais duros que a Igreja em Portugal e no mundo tem enfrentado”.
Questionado sobre eventuais pagamentos de indemnizações, D. Virgílio Antunes desvaloriza polémicas e realça que a Igreja Católica em Portugal sempre esteve “aberta à possibilidade de ajudas a pessoas que estão em dificuldade e que precisam”.
“A Igreja está com certeza disponível para ajudar a refazer ou a reparar, como sempre tem dito, estas pessoas”, insiste.
Em maio de 2024, os bispos portugueses realizam a visita ‘ad Limina’, para encontros com o Papa e também com organismos da Cúria Romana.
Na bagagem, o bispo de Coimbra diz que “gostaria de levar uma Igreja pujante, cheia de vida, cheia de entusiasmo, evangelizadora”, admitindo que se vive “um certo afastamento do povo de Deus da prática do culto dominical”.
O responsável é um dos dois representantes da CEP na XVI assembleia sinodal, cuja primeira sessão decorreu de 4 a 29 de outubro de 2023, afirmando que “o Sínodo tem muito para dar, tem muito para dar à Igreja”.
Para D. Virgílio Antunes, que vai regressar ao Vaticano em outubro de 2024, para a segunda sessão sinodal, é importante que este encontro possa gerar “um consenso alargado, uma comunhão maior, um encontro de pessoas, também um debate de algumas perspetivas, mas de uma aproximação entre as pessoas”.
“Um Sínodo nunca pode servir para dividir mais as pessoas, embora, de facto, o espírito do mal às vezes vai reaparecendo e vai sendo foco de divisão aqui e ali”, adverte.
O bispo de Coimbra admite a sua “surpresa” perante a recente declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé, aprovada por Francisco, que permite abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo.
“Não estávamos à espera que, durante este percurso da sinodalidade, aparecesse uma declaração, inclusivamente em relação a um assunto que, de algum modo, também estava incluído e está incluído naqueles que fazem parte do Sínodo”, explica.
Para o vice-presidente da CEP, “estes gestos precisam de ser compreendidos e também precisam, de algum modo, ser explicados”, até porque há formas diferentes de os entender, “dentro da Igreja e fora da Igreja”.
Apontando a 2024, ano em que os portugueses são chamados a eleger um novo governo, D. Virgílio Antunes admite preocupação perante um cenário de incerteza política e de crise económica, desejando que “o futuro possa ser diferente pela responsabilidade, pela apresentação de programas partidários objetivos, realizáveis”.
O bispo de Coimbra aborda ainda a importância do combate à pobreza, registando uma “procura muito maior de auxílio” junto das instituições de solidariedade.
“Há aquele fenómeno, que nos últimos tempos se tem acentuado, de famílias que, estando a trabalhar, sendo pessoas que trabalham, não conseguem encontrar o necessário para organizar a sua vida”, acrescenta.
Criticando os “problemas graves de humanidade” que encontra na lei de eutanásia, cujo processo de regulamentação transita para o novo executivo, o responsável católico sustenta que “abrir as portas da morte, em vez de abrir as portas da vida a uma sociedade, mesmo aquelas pessoas que vivem em dificuldades, sejam elas as maiores que forem, é sempre um retrocesso”.
Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)