Icónio: de São Paulo aos monges rodopiantes

São Paulo não haveria de esquecer Icónio: foi nesta cidade da actual Turquia que encontrou refugio depois da expulsão de Antioquia da Pisídia, relata o livro bíblico dos Actos dos Apóstolos.

O capítulo 14 abre com uma sucessão de sucessos e fracassos, referindo que os “milagres e prodígios” feitos pelo apóstolo e por Barnabé, seu companheiro, não foram suficientes para entusiasmar a generalidade da população.

A cidade chegou mesmo a dividir-se: enquanto que uns eram pelos apóstolos, outros tomavam o partido dos judeus e pagãos, cujos chefes suscitaram um levantamento popular para “maltratar” e “apedrejar” Paulo e Barnabé.

Conhecedores do que se estava a preparar, fugiram para Listra, mas os de Icónio não desistiram: depois de os dois enviados terem caído nas graças da população por causa de uma cura, alguns judeus vindos daquela cidade e de Antioquia aliciaram a população e apedrejaram Paulo.

Julgaram-no morto, e foi nesse engano que o arrastaram para fora de Listra, mas com a ajuda dos discípulos regressou à cidade, para, no dia seguinte, partir para Derbe com Barnabé.

No regresso a Antioquia da Síria, ponto de partida e de chegada da primeira viagem missionária de Paulo, o apóstolo e o seu companheiro passaram novamente por Icónio, onde constituíram anciãos, palavra que no texto original grego equivale ao termo “presbíteros”.

A segunda carta de Paulo a Timóteo revela as marcas que a cidade deixou no apóstolo: “Que perseguições tive de suportar!”, refere o texto a propósito dos sofrimentos enfrentados em Antioquia, Icónio e Listra.

Hoje, dificilmente se encontram sinais do testemunho cristão na cidade, que inclui Timóteo e Tecla entre os seus santos.

Entre dezenas de mesquitas e minaretes, ergue-se desde 1910 a pequena igreja de São Paulo, construída para servir de base de apoio espiritual às famílias da comunidade francesa que trabalhavam na região.

O sexto maior aglomerado urbano da Turquia, com 1,3 milhões de habitantes, situa-se 700 km a sudeste de Istambul e 300 km a sul de Ancara, a capital, num planalto fértil a mil metros de altura, sensivelmente ao centro da região da Anatólia, uma posição estratégica que lhe assegurou a passagem da Rota da Seda.

Icónio é actualmente um importante lugar de peregrinação para os muçulmanos porque acolhe o túmulo do místico e poeta Mevlana, fundador da ordem dos “Dervishes Rodopiantes”, e um museu que recorda a sua herança teológica e sapiencial.

Esta corrente islâmica, fundada no século XII, acreditava que o movimento giratório do corpo permitia libertar o espírito da prisão da carne.

A trajectória rotativa, que retoma o percurso de alguns dos elementos mais importantes da natureza, como a lua, os planetas e as estrelas, contribui para o principal objectivo de vida do monge: morrer antes de morrer.

O simbolismo do branco e do negro, da música que evolui da tristeza para a alegria, e dos gestos, com uma mão apontada para o céu e a outra para a terra, são alguns dos elementos da cerimónia ritual de 45 minutos.

As quatro fases da liturgia começam por evocar o sofrimento do espírito enclausurado e culminam na festa do reencontro com o Criador.

Num país em que 98% dos 76 milhões de habitantes são muçulmanos, como é que o cristianismo se situa em diálogo com esta imensa maioria? No primeiro dia de viagem que a Agência ECCLESIA está a fazer à Turquia, encontrámos três sinais.

Primeiro, os paralelos entre as duas religiões, de que a espiritualidade dos monges rodopiantes é um exemplo singular.

Depois, o acolhimento que não olha a convicções: sem conhecer de lado nenhum os 25 padres, religiosos e leigos que fazem esta viagem, o pai do guia turístico entra no autocarro e lança um convite para o chá.

O terceiro sinal chega ao final do dia pela voz de Yusuf, o cicerone, já a missa na igreja de São Paulo havia começado: “Tenho muito gosto em que participem na celebração nesta igreja. Faço questão de mostrar que os turcos acolhem todas as religiões”.

Rui Martins, Turquia. (A Agência ECCLESIA viaja a convite da Geostar)

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