«A Morte e o Morrer entre o deslugar e o lugar. Precedência da Antropologia para uma Ética da Hospitalidade e Cuidados paliativos» é o título do trabalho de doutoramento do padre José Nuno, capelão do Hospital de São João, no Porto. Este sacerdote deseja que o seu novo trabalho “ajude a recuperar a humanidade da morte no hospital, porque a morte humanamente acolhida e vivida é a maior fonte de uma espiritualidade sadia”.
Agência ECCLESIA (AE) – Qual o objetivo desta investigação?
Padre José Nuno (JN) – O objetivo do trabalho foi tentar compreender o sofrimento do nosso tempo na relação com a morte – o sofrimento dos que morrem, o dos familiares que os acompanham ou que fogem, o dos profissionais de saúde que se veem a braços com uma realidade para que não são formados em hospitais que não foram preparados para ser o lugar de morrer da maioria.
AE – O Hospital transforma-se, progressivamente, num local para “o morrer”?
JN – De facto, é no hospital que morrem mais de 60% dos portugueses, já de há vários anos a esta parte. O processo de transferência começa a delinear-se na década de setenta do séc. XX, segundo os dados estatísticos que estudei já aquando da elaboração da tese de mestrado, em 2004. Primeiro no Sul, a acentuar-se depois também no Centro e Norte do país. À primeira vista, é um dado positivo: as pessoas têm acesso a cuidados de saúde, morrem assistidas, as famílias não se veem sós com o seu doente sem saber o que fazer. Mas eu via o outro lado desta realidade – via como as coisas se passavam de facto e compreendi que esta visão só positiva não dizia a realidade toda, porventura não dizia o principal da realidade. Há muito sofrimento por dizer. Por isso me dediquei a esta causa, convicto como estou – cada vez mais! – que ela é causa maior de muito do mal-estar da sociedade dos nossos dias.
AE – Que contributo oferece, com este trabalho, à assistência espiritual nos Hospitais?
JN – Esta questão impos-se-me como prioritária, pois humanizar é evangelizar: o Evangelho o que nos pede, antes de mais, é que sejamos dignos de viver como homens, que vivamos humanamente. E se não morremos humanamente, não podemos viver humanamente. Não se vive bem numa sociedade em que se morre mal – Não é possível viver humanamente numa sociedade em que se morre desumamente. Qual a missão da Igreja diante da realidade como eu a conheci? Não valia a pena gastar-me exclusivamente a abençoar e a consolar as vítimas – e todos são vítimas, não apenas os doentes que morriam, nesta encruzilhada existencial e civilizacional que vivemos em que a morte não cabe – sem, ao mesmo tempo dar o melhor de mim na tentativa de humanizar a morte. Espero que este trabalho ajude a recuperar a humanidade da morte no Hospital, porque a morte humanamente acolhida e vivida é a maior fonte de uma espiritualidade sadia. O meu compromisso com esta causa considero-o absolutamente parte da minha missão como capelão hospitalar.
PR