Homossexualidade e formas de vida da sua nomeação

Certamente que a via ou o método que escolhermos para, para abordar, tanto a questão da homossexualidade, como a das formas de vida socialmente aceitáveis dos homossexuais e a da sua nomeação, condicionará o juízo ou a conclusão a que se quer chegar. Os católicos e a Igreja sempre têm, na sua matriz cultural e na sua tradição doutrinária, como referência, principal e principial a via filosófico-teológica. A história, longa de muitos séculos, tem confirmado a pertinência desta forma de abordagem, determinante mas não excluente, e capaz de integrar várias outras aportações, nomeadamente as das ciências humanas.

A abordagem filosófico-teológica é, aqui e sempre, a de uma filosofia que se deixa iluminar pela teologia e a de uma teologia que se abre aos desafios e às mediações da filosofia.  Se alguém quiser, por aproximação, saborear a beleza e as implicações desta forma de abordagem, pode, por exemplo, ler e meditar, com proveito, a Evangelho da Vida, de João Paulo II.

A personalização da existência dos humanos tem a sua raiz na disponibilidade ontológica com que fomos agraciados pela doação da vida, a exigir e a suportar a nossa abertura e a nossa relacionalidade, a nossa identidade e a nossa diferença. Quando os humanos se fecham a esta dimensão incontornável da sua humanidade, tornam-se desumanos, porque iludem e escondem a sua marca de transcendências, substituindo-a pela soberba e pela idolatria de si mesmos, numa perda de sentido que lhes rouba dignidade e altura espiritual. A palavra com que, no étimo latino, se diz a pessoa e o personalizar – per+sonare – já indicia esta excelência do superlativo da per-feição (como, por exemplo, no per-doar, no per-durar e em tantas outras nomeações).

Por isso e desde este ponto de vista, algumas formas de vida têm de ser consideradas como mais personalizantes e mais humanizantes, enquanto outras, pelo contrário, podem e devem mesmo chegar a ser consideradas como despersonalizantes e desumanizantes.

Alguma da nossa incultura dominante pretende começar por logo subverter a nossa forma de olhar a realidade, tornando-nos o modelo quase acabado do homo cyberneticus, aquele que apenas reage a estímulos e a estimulações e se orna incapaz de ver para além da superfície das aparências, desde logo na forma de sentir a corporalidade do seu corpo. O que então se acaba por perder é evidentemente a própria realidade na sua fundura ontológica, substituindo-a, p. ex., por “paradas” e por campanhas, subvertendo de caminho a nossa capacidade de nomear e de respeitar a palavra e as palavras.

A palavra e as palavras deixam então de ser parábolas (evangélicas e evangelizadoras) da realidade e ficam apenas reduzidas a catálogo de classificação de estímulos mais ou menos instintivos, mesmo se a soberba dos legisladores lhes vier a dar a (fraca) “força” de uma lei…

A natureza e a sua lei – essa sim, natural e humanamente eco-lógica – põe-nos diante dos olhos e logo à frente do nariz a diferença de género e como são os humanos sobre a terra: homens e mulheres, masculinos e femininos. Tanto a sabedoria das culturas, como a ciência, têm sabido discernir e assumir as formas aceitáveis e os níveis a que se possa, responsavelmente e no tempo longo, compatibilizar igualdade e diferença de género. A diversidade de formas de vida deve respeitar a vida na diversidade da sua riqueza, sob a condição de a não ofender, tanto na sua nomeação como na sua essência.

  Aqui a sexualidade e o amor são ontologicamente e eticamente incontornáveis e mutuamente se condicionam na força da sua expressividade. O respeito pela sua natureza não se pode reduzir a uma questão de excitação de hormonas, nem é redutível ao redutor dualismo homofobia-homofilia, de sabor quase gnóstico e perigosamente platonizante. A tentativa de perverter, casuisticamente e publicitariamente, o sentido e o senso (comum) das palavras ou da nomeação dos nomes, em nada altera a sua vinculação a realidades que têm a seu favor a força da lógica da vida (biologia, fisiologia e outras) e a sua manifestação (aparição e aparência) na natureza dos humanos, onde a sexualidade está presente em todas as dimensões da existência, nomeadamente, p. ex., sob a forma do carinho (da encarnação da carne e das palavras que a tentam dizer) e muito para além da genitalidade somática.

A homossexualidade significa perda de possibilidades da personalização, Ainda mais grave se afecta aqueles que, pela pouca idade, estão em processo de formação e de personalização e ainda sem referenciais de abertura a horizontes de experiência. Este empobrecimento ontológico remete para um perigoso embotamento e empobrecimento éticos.

Nos papéis – envergonhados e quase desfeitos pela chuva – pendurados na publicidade anónima das paredes na baixa de Lisboa, chegavam ao ponto de pretender pressionar e condicionar até a própria ciência, ao exigirem o que chamavam a despatologização da homossexualidade. Alguma imprensa já chamou a esta questão, fracturante do bom senso comum, mania ou moda e outras nomeações bem menos simpáticas…

  Uma antropologia filosofante – que é muito mais do que a soma de andrologias e de ginecologias e lhes é anterior e posterior— não pode esquecer a ontologia e a ética e torna-se caminho capaz de ajudar a encontrar mais e melhor sentido, nas manifestações da existência dos humanos, e a superar dificuldades. A atenção aos fenómenos mais significantes do nosso existir – a alegria, o desejo, a vergonha, o respeito, o nascer e morrer, o amar e muitos outros – ensinar-nos-á que, até as aparências, podem e devem deixar de nos iludir, se chegarmos à sua densidade ética e ontológica.

Se desafiarmos esta antropologia filosófica com a sabedoria e a riqueza de uma antropologia teológica – bíblica e de sapiência eclesial – e os horizontes de interpretação que abre e oferece, então a caminhada existencial, pessoal e personalizante, cultural e historial íntima e socializável, ficará mais bela e mais facilitada.

A liberdade, um bem tão ontologicamente precioso e felizmente tão querido no nosso tempo e à nossa linguagem, tão estruturante da personalização da nossa personalidade, será então, de verdade, uma realidade libertadora…

Joaquim Cardozo Duarte

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