Homilia na solenidade de Nossa Senhora do Monte, padroeira da cidade e diocese do Funchal

D. António Carrilho

Homilia de D. António Carrilho, Bispo do Funchal
na Solenidade de Nossa Senhora do Monte
Padroeira da Cidade do Funchal e de toda a Diocese

No rosto de Maria, contemplar a excelsa beleza de Deus!

Monte, 15 de agosto de 2011

 

“A minha alma glorifica ao Senhor” é o cântico de júbilo e de ação de graças, que ressoa no nosso íntimo, ao celebrarmos o 61º aniversário do dogma da Assunção de Nossa Senhora ao céu, promulgado pelo Papa Pio XII, em 1950.

Neste dia, todos os fiéis têm o olhar fixo no rosto da Mãe, para lhe agradecer tantas graças recebidas, renovar a sua consagração filial e pedir novas bênçãos para a sua caminhada. Com Maria subimos ao Monte e aqui estamos, trazendo os nossos sonhos, sofrimentos e esperanças.

A devoção à Senhora do Monte, Padroeira da cidade e da Diocese do Funchal, remonta aos primórdios do povoamento da Madeira e tem permanecido através dos séculos, mantendo-se viva no coração dos madeirenses e portossantenses, qual memorial da bondade do Senhor, manifestado através da poderosa intercessão da Mãe de Deus e nossa Mãe.

Como sabemos, o culto a Nossa Senhora do Monte foi também largamente difundido e promovido pelos nossos emigrantes nas terras de emigração. Foram muitos aqueles que, com lágrimas nos olhos e o coração cheio de saudades, antes de embarcarem para novas terras, subiam a longa escadaria do Monte e ajoelhavam junto da Santa Mãe de Deus, implorando as suas bênçãos e graças. E são muitos aqueles que aqui tornam, agradecidos, sempre que a vida o proporciona.

 

O rosto da beleza de Deus

“A mulher revestida de sol com a lua debaixo dos pés” de que nos fala o Apocalipse simboliza Maria, a Arca da Nova Aliança, revestida de glória e de luz, isto é, da própria santidade de Deus. No rosto de Maria, qual espelho puríssimo, podemos contemplar a excelsa beleza de Deus.

A Imaculada, cheia de graça, a mais santa entre todas as mulheres, não podia sofrer a corrupção da morte. “Cristo é que tem de reinar, até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés. E o último inimigo a ser aniquilado é a morte…” (1 Cor 15, 27). Pela sua Assunção ao céu, Maria participou na vitória de Cristo Ressuscitado e na Sua glória!

Maria é o “grande e luminoso sinal” do Amor de Deus pelo Seu Povo. Diz-nos o Evangelho de Lucas que “Maria se pôs a caminho e dirigiu-se apressadamente para a serra, em direção a uma cidade de Judá”(Lc 1,39). Leva no seu coração de Mãe, cheio de incontido júbilo e felicidade, o Verbo eterno do Pai! Este percurso de montanha ficou assinalado pelo silêncio, cheio de louvor, alegria e adoração da jovem de Nazaré.

A sua atenção vigilante transformou-se em memória agradecida pelas maravilhas de Deus em favor do Seu Povo! No abraço do encontro entre as duas primas, Maria e Isabel cantam louvores ao “Omnipotente, cujo nome é santo” e que enche as suas vidas de tanta paz e amor. A exultação de Maria, dizendo “A minha alma glorifica ao Senhor” harmoniza com a exclamação afetuosa da sua prima: “Bendita és tu entre as mulheres”!

 

Abrir-se aos valores da fé

A exemplo de Maria levemos, na urgência da hora presente, ao ritmo e no dinamismo do Espírito Santo, a Boa Nova da Paz e da Alegria, Cristo Jesus, ao coração da Humanidade sofredora. Como ela, transformemos as estradas deste mundo em espaços de encontro com Deus, que é garantia de felicidade e vida em abundância.

Que o testemunho de vida dos cristãos seja um claro sinal de Esperança nas noites da História, surpreendida pelas forças do mal, o “dragão” a que se refere o Apocalipse, que ameaça a cultura e a sociedade atual, quando esta prescinde de Deus. Não nos deixemos invadir pelo desânimo! O cristão é chamado, hoje, como sempre, a ser a Luz que vence as trevas, nos caminhos da vida, e o Amor que cria comunhão, reconciliação e a paz entre os povos.

Na escola de Maria aprendemos que a verdadeira beleza nasce de um coração puro, disponível, aberto à plenitude de Vida em Deus. Nos nossos dias, com tantas solicitações e propostas no âmbito dos bens materiais, não é fácil manter viva esta atitude de abertura aos valores espirituais e sobrenaturais, não é fácil assumir os valores da fé: esquecem-se, muitas vezes, os mais altos ideais do Evangelho, que é, para os cristãos, a fonte da autêntica sabedoria que liberta e salva.

A Igreja não pode, por isso, calar a Boa Nova, o Evangelho de Cristo, nas suas propostas e valores, nos seus constantes apelos à conversão, à transformação de cada homem e mulher no seu íntimo: coração, inteligência, vontade, consciência, comportamentos.

 

A dignidade e a fraternidade humana

A crise atual, grave e profunda, pode ser vista e considerada por muitos sobretudo na dimensão económica e financeira, ainda que reconhecendo as suas inevitáveis e graves consequências sociais e psicológicas. É que a par das dificuldades e carências, sentidas por muitas famílias, em tantos lugares, e do sofrimento que acarretam, geram-se sentimentos quase generalizados de insegurança e falta de confiança no futuro.

Numa perspetiva cristã, porém, a presente situação tem uma leitura mais profunda e pode ser vista como consequência de uma crise de valores, em grande parte resultante da indiferença religiosa e do esquecimento de Deus, que caracterizam o laicismo de certos meios culturais e modos de viver das sociedades atuais.

Lembrando a mensagem de Jesus, a Igreja entende que muitos problemas humanos e sociais encontram perspetivas de solução a partir de dentro, a partir do coração e da consciência do Homem, iluminado pelo sentido da dignidade e da fraternidade humana, conduzido pelas referências éticas do bem e do mal, e norteado por valores fundamentais como a verdade e o respeito mútuo, a honestidade e a justiça, a liberdade e a responsabilidade.

A solidariedade e a partilha, como expressão da caridade e do amor fraterno, são sempre necessárias, certamente, para acorrer a situações que careçam de especial atenção, como é o caso da crise atual, mas têm de supor a prática habitual da verdade e da justiça, nas relações entre as pessoas e na definição dos sistemas económicos e sociais.

Neste sentido, estão ainda bem vivos os apelos de Bento XVI na Encíclica “Caritas in Veritate” (Caridade na Verdade) a favor da defesa e promoção da dignidade da pessoa humana e do bem comum, em diversos campos, designadamente no que se refere à comunicação social, ao ambiente e ao modo de conceber, com ética, as empresas e a economia (“finanças éticas”), concluindo o Papa: “A maior força ao serviço do desenvolvimento é um humanismo cristão, que reavive a caridade e que se deixe guiar pela verdade” (nº 78). 

É, no entanto, mais fácil apreciar e dar maior importância à ação social e caritativa da Igreja do que aos valores e caminhos da conversão, que ela proclama, como se fosse possível desligar estes dois pólos da ação evangelizadora: corações novos, mulheres e homens novos, para a construção de sociedades novas, de uma nova civilização, a “civilização do amor” (João Paulo II).

 

Jornada Mundial da Juventude

Começa, amanhã, em Madrid, a Jornada Mundial da Juventude, convocada pelo Papa Bento XVI e que terá a sua presença nas celebrações do próximo fim de semana, dias 20 e 21 de agosto.

Para lá seguiram cerca de trezentos jovens da nossa Diocese, ligados a vários grupos e movimentos juvenis. Com eles nos sentimos profundamente solidários, na experiência de fé e intercâmbio cultural, que lhes é proporcionada, como elemento importante de crescimento na vida cristã pessoal e na partilha do seu testemunho com outros jovens da nossa terra.

Por isso lhes disse, na celebração de despedida e do envio: “Ide a Madrid… Ide à descoberta e ao encontro de Cristo. Ide, como Igreja do Funchal à descoberta e ao encontro da Igreja Universal! Ide e vinde! Cristo conta convosco, a Diocese conta convosco, os jovens contam convosco!

O tema da Jornada é importante para eles e para os jovens em geral, é importante para todos nós: “Enraizados e edificados em Cristo…Firmes na fé! ” (Col 2,7). Assim, colocar na fé em Jesus Cristo e nos Seus ensinamentos as raízes e os alicerces das nossas vidas é encontrar segurança e projeto, resposta aos anseios do nosso coração e às exigências mais profundas da nossa razão.

De outro modo, mas de forma clara e incisiva, disse Bento XVI aos jovens, na Jornada Mundial, em Colónia (2007): “A felicidade que procurais, a felicidade que tendes o direito de saborear, possui um nome, um rosto: o de Jesus de Nazaré.”

Na verdade, a Igreja precisa de jovens coerentes com a fé e felizes por serem cristãos, que apontem caminhos para a construção de uma sociedade nova, mais humana e fraterna, a “civilização do amor” de que falava o Beato Papa João Paulo II.

 

Renovação pastoral e comunhão eclesial

Celebramos esta Festa de Nossa Senhora do Monte dois meses depois do início das comemorações jubilares dos 500 anos da Diocese do Funchal, criada pelo Papa Leão X, no dia 12 de junho de 1514, e que terão, por isso, o seu ponto alto em junho de 2014.

Nos próximos três anos, de acordo com o projeto pastoral preparado para esse efeito, celebraremos as maravilhas do Senhor pelas graças recebidas ao longo destes cinco séculos e procuraremos fazer um percurso conjunto de renovação pastoral e comunhão eclesial, em toda a Diocese.

Foi a fé, como sabemos, que impulsionou e sustentou o processo histórico de desenvolvimento da nossa Região: com a fé se foi tecendo a identidade do nosso povo, que bebe na tradição espiritual cristã grande parte dos seus valores e nela encontra um sentido de esperança, um horizonte aberto à vida e ao mundo.

A presente efeméride constitui uma excelente oportunidade e um forte estímulo a intensificar o anúncio da Palavra de Deus, aprofundar o sentido crente dos nossos valores e tradições, transmitir a fé às novas gerações. Nesta tarefa, em especial, é insubstituível a instituição familiar, pela palavra oportuna e pelo testemunho da vivência feliz do matrimónio cristão, como projeto de verdadeira comunidade de vida e de amor.

Toda a sociedade, afinal, precisa do testemunho de famílias alegres e felizes, que fortaleçam o tecido social e os seus valores fundamentais. É por isso que o nosso plano pastoral dá prioridade à Família e inclui uma grande Festa Diocesana das Famílias. Esta terá lugar no dia 3 de junho do próximo ano de 2012, festa litúrgica da Santíssima Trindade e data do encerramento do VII Encontro Mundial das Famílias com o Papa, em Milão.

Convido, desde já e a partir deste Santuário da Senhora do Monte, nossa Padroeira, todas as Famílias Cristãs da Diocese do Funchal para esse grande encontro festivo, cuja coordenação está confiada ao Secretariado Diocesano da Família, em articulação com os Secretariados Diocesanos da Educação Cristã (Catequese e Escolas) e da Pastoral Juvenil, e com os diversos Movimentos Familiares existentes entre nós.

 

Prece à Senhora do Monte

Caros diocesanos: confiai à Senhora do Monte os vossos problemas, dificuldades, sofrimentos e alegrias. Que todos os filhos e filhas desta terra, também das nossas comunidades emigrantes, que nos acompanham pela rádio e pela televisão, sintam a presença e o carinho de Nossa Senhora do Monte. Com Maria chega sempre a esperança, a consolação e a alegria!

Escreveu o Papa Bento XVI, numa homilia da solenidade da Assunção: “No céu temos uma Mãe. O céu está aberto, o céu tem um coração”. Como é belo ter uma Mãe no céu, que vela constantemente por nós! A Mãe nunca se cansa de amar, de estar vigilante e de esperar! A ela dirigimos, agora, unidos e solidários, a nossa prece:

Nossa Senhora do Monte,
Senhora da Assunção,
vós que viveis na glória da Santíssima Trindade,
envolvei e acarinhai as nossas crianças e jovens,
as nossas famílias e cada um de nós,
na ternura do teu abraço de Mãe. 

Queremos caminhar ao ritmo dos teus passos,
com alegria, entusiasmo e amor,
ao encontro de Jesus e dos nossos irmãos e irmãs. 

Acendei em nós a estrela da Esperança,
nas manhãs em que o sol já não brilha,
para que a nossa vida se transforme
num belo Hino de Fé, Amor e Gratidão.
Assim seja!

 

Funchal, 15 de agosto de 2011

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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