Homilia na Missa Crismal do bispo de Santarém

Quinta Feira Santa – Missa Crismal

Santarém, 6 de abril de 2023

 

         D. Manuel Pelino, Caros Presbíteros, Diáconos, Irmãs de vida consagrada, seminaristas, acólitos, irmãos e imãs em Cristo.

         Esta celebração da Missa crismal manifesta a comunhão espiritual dos presbíteros com o seu Bispo e promove, para toda a Diocese, a consagração e bênção dos santos Óleos. É o último ato litúrgico, ainda de preparação, que antecede a celebração do Tríduo Pascal.

         Dirijo uma palavra que é para todos mas especialmente para os presbíteros; é nesta celebração que acontece a renovação dos seus compromissos sacerdotais.

 

         Nos últimos dois meses temos vivido um ambiente na sociedade portuguesa marcado pelo efeito da divulgação de testemunhos de abusos sobres pessoas menores por parte de membros da Igreja. Obviamente, tais abusos não devem acontecer no seio da Igreja nem em lado nenhum, mas a forma como foram apresentados e a intensidade dos meios de comunicação social geraram um ambiente de perplexidade, preocupação e humilhação da Igreja. Entretanto, levantaram-se dúvidas sobre os objetivos, a forma e o espírito que presidiu a todo o processo e lamentações à forma como a Conferência Episcopal respondeu na comunicação social.

 

         Quanto à nossa Diocese, alguns cristãos leigos manifestarem-me o seu desconforto pelo ambiente que se gerou de falta de confiança no clero. Também recebi mensagens e manifestações de apoio e disponibilidade para colaborar. Sobre um caso julgado judicialmente há nove anos, estamos a procurar corresponder ao que foi e é aconselhado: acompanhar, ouvir, avaliar continuamente e escutar todas as pessoas que desejarem ser ouvidas e apoiadas.  Relativamente à missão da Comissão Diocesana, espera-se que  promova o conhecimento e os cuidados a observar de modo que, dentro dos espaços eclesiais da área da Diocese, todas as crianças e adultos sintam confiança e segurança.

         Neste caminho doloroso, não é difícil concluir: Deus quer a santificação da sua Igreja, povo de Deus, como sacramento vivo da sua presença e bondade no mundo e tal desígnio não se conjuga com abusos sobre ninguém. Mas é necessário prudência: não é com ódio, desejo de vingança, desconfiança e falta de esperança que se ajuda alguém a curar-se: seja quem for.

 

         Caros padres, estou grato pela vossa resistência e dedicação à missão neste tempo em que, reconheço, não tive para vós o apoio desejável. Convido-vos a acolher a palavra do Evangelho. Depois do retiro de quarenta dias, Jesus foi à sinagoga de Nazaré e definiu a sua identidade e o seu programa messiânico com a leitura do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos reclusos, e a vista aos cegos, e restituir a liberdade aos oprimidos”. Reconheçamos, o Espírito Santo é o Espírito de Jesus, é o significado do sopro de Jesus sobre os apóstolos, dizendo: “recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22). É na graça atuante deste Espírito que proclamamos a Ressurreição do Senhor e acolhemos a sua consagração como filhos de Deus e a sua Unção para nos configurar como ministros de Cristo e ser enviados aos pobres como pastores do seu povo.

 

         Caros padres, é bom avivarmos a consciência do dom do Espírito Santo no nosso ministério, na vida da Igreja, de todos os cristãos e da sociedade. É o grande dom pascal e deve ser a nossa referência para discernir todas situações que nos surgem na ação pastoral e para as que desejamos promover.  

É o Espírito de Deus que estava com Jesus que tem a missão de estar e conduzir a Igreja e seus pastores. Invoquemo-lo diariamente com Fé. Do acolhimento deste dom, depende a paz e a alegria do nosso ministério e a felicidade de muitas pessoas. Se atuarmos apenas por gosto pessoal,  sem o Espírito Santo tudo tende para o vazio, para a tristeza e complicação. Assim, não permitamos que nos roubem a alegria, a feliz manifestação do Espírito Santo na vida dos cristãos, procurando a fidelidade na administração dos bens materiais, na obediência e na castidade, buscando sempre os meios ao nosso alcance para recuperar a graça divina quando, por qualquer razão, nos sentirmos abatidos.

 

         Hoje é dia de valorizar o ministério sacerdotal. Podemos fazê-lo reconhecendo a ação do Espírito Santo no testemunho de tantos padres do passado recente e nos atuais. Tendo como referência o ano de 1975 e os quarenta e oito anos da criação da Diocese, quanta dedicação de padres na animação da vida das comunidades, no cuidado pela qualidade da mensagem e da liturgia das celebrações, no interesse pela Catequese das crianças e respetivas etapas, pelo atendimento e acompanhamento de jovens, dando origem a Agrupamentos de Escuteiros, acompanhando Equipas de Nossa Senhora, a promover e acompanhar os Convívios Fraternos, Grupos de preparação para o Crisma e outros. Na preparação do matrimónio, no acompanhamento de Equipas de Casais, na atenção aos doentes, na atenção às famílias enlutadas por ocasião de exéquias, no acolhimento e atendimento espiritual no sacramento da Reconciliação. Padres na animação das vocações de especial consagração, no chamamento e formação para o ministério do Diaconado permanente e outros ministérios.

         Padres na recuperação de igrejas e na edificação de outras novas e espaços pastorais para que os cristãos tivessem os seus espaços próprios de celebração, de formação e de festa. Padres na origem dos Centros Sociais Paroquiais com as respostas de Valências para crianças e idosos, procurando assim corresponder às necessidades das famílias. Enfim, podemos encontrar fracassos, mas o bom testemunho é extenso e compromete-nos a continuar a dar o melhor de nós para bem e crescimento do povo de Deus. 

 

         Evidentemente, os padres que nos deram e dão o seu testemunho não estiveram sozinhos, foram acompanhados por cristãos leigos que assumiram protagonismo e responsabilidade, mas a presença dos padres foi fundamental a marcar o tom da inspiração, o espírito de equipa e o sentido da missão.

         No nosso programa para este ano pastoral temos como objetivo: “Evangelizar pelo cuidado”. Sublinho o cuidado em escutar. Para dar continuidade na missão na Diocese, juntamente com os Diáconos e muitos cristãos leigos que assumem responsabilidades nos diversos setores, escutemo-nos uns aos outros e invoquemos o Espírito Santo. Como consta na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho: “Para manter vivo o ardor missionário, é necessária uma decidida confiança no Espírito Santo, porque Ele «vem em auxílio da nossa fraqueza» (Rm 8, 26). Mas esta confiança generosa tem de ser alimentada e, para isso, precisamos de O invocar constantemente” (EG 280).

 

         O Papa Francisco lembra-nos também o testemunho e a intercessão de Nossa Senhora: “Maria sabe reconhecer os vestígios do Espírito de Deus tanto nos grandes acontecimentos como naqueles que parecem impercetíveis. É contemplativa do mistério de Deus no mundo, na história e na vida diária de cada um e de todos. É a mulher orante e trabalhadora em Nazaré, mas é também nossa Senhora da prontidão, a que sai «à pressa» (Lc 1, 39) da sua povoação para ir ajudar os outros. Esta dinâmica de justiça e ternura, de contemplação e de caminho para os outros faz d’Ela um modelo eclesial para a evangelização. Pedimos-Lhe que nos ajude, com a sua oração materna, para que a Igreja se torne uma casa para muitos, uma mãe para todos os povos, e torne possível o nascimento dum mundo novo” (EG 288).

 

         Caros padres, contando com a intercessão de Maria, a Virgem Mãe do Senhor e dos discípulos amados,  e com o dom do Espírito Santo sobre nós, preparemo-nos para a renovação das promessas sacerdotais.

  

D. José Traquina

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