“O que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens” (1Cor 1, 25) Neste dia da Caritas, a Palavra de Deus desafia-nos a ir mais longe, a ir até ao máximo. A opção paulina por pregar “Jesus Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios” segue a clareza da proposta de Jesus no Evangelho e a firmeza dos mandamentos, expostos na primeira leitura, como quadro ético basilar entre os humanos. Era natural a estranheza pelas palavras de Jesus acerca do templo do seu corpo. Era duro entender como é que o corpo de Jesus era o lugar de encontro com Deus, o novo templo. Jesus era zeloso pela verdade da relação com o Pai e não aceitava negócios nas relações com Deus. Só a sua entrega pelos outros até ao fim, no dom total da cruz, manifestava a verdade do que anunciava, a força da novidade que proponha. Não admira o escândalo dos ouvintes, incapacitados de renovar as mentes para acolher e entender a ousadia de Jesus. Quando não se quer entender uma palavra, porque acreditar nela levaria à conversão, das duas, uma: ou se encaixilha e adora essa palavra, como se pode ter feito com a lei do decálogo, hoje lido, ou então brinca-se com as palavras para distrair do acolhimento simples da novidade de Jesus. Podemos respeitar a Palavra de Deus, ter bela edição da Bíblia, reservar-lhe veneração, mas não fazer dela alimento de vida. Podemos elaborar análises dos textos bíblicos cheios de erudição ou traje oratório, mas não acolher a mensagem dentro do coração. A nova lei de Jesus é lei de liberdade. A antiga lei era transitória. O novo templo, o novo lugar onde a humanidade pode encontrar Deus é o corpo de Cristo, a sua humanidade, actualizada nos que formam a Igreja. Agora Cristo é o lugar da comunhão de Deus connosco, o lugar da aliança. Por ele nós podemos adorar o Pai em espírito e verdade. O seu corpo morto e ressuscitado ao terceiro dia é o templo novo e excelente. Enxertados em Cristo, os baptizados tornam-se templo de Deus vivo, onde habita a glória de Deus. Reparem nas consequências destas afirmações: 1.A partir da vinda de Jesus não são os lugares que nos servem para encontrar Deus. Não há sítios fixos para Deus morar. Não tem residência fixa. A carne e o corpo de cada pessoa podem ser habitação de Deus. 2.A relação que Jesus tem com Deus como Pai é plenamente verdadeira. Não se baseia em negócios, em dás para que te dê, em cálculos conforme a vida corre, em câmbios de mercadoria espiritual por sacrifícios materiais. O culto que agrada é o da vida toda que Cristo entregou, é o Cristo crucificado, como expressão cume do real viver para os outros. 3.O encontro com Deus, por que tantos homens e mulheres do nosso tempo anseiam, abre-se ou fecha-se na vida transparente dos cristãos. Não é por doutrinas ou leis que se abre a porta do encontro: é pelo acolhimento à maneira de Jesus: a prática dos gestos acolhedores e misericordiosos do Pai. Não é por ilusões vendidas a saldo no mercado religioso. É pela sabedoria da cruz que nos abre ao dom do Espírito. Meditar nas palavras de Jesus é princípio de conversão para não dizermos mal de Deus, nem levarmos uma vida de oração e de abertura às necessidades dos outros que diga mal de Deus. Acreditemos na verdade das palavras de Jesus. Ele é o templo novo. Olhemos a salvação que vem da sua vida. Nele e por ele nos abeiramos do Pai. Em Cristo encontramos a salvação oferecida como dom a quem procura. A sua humanidade entregue é a nova casa do Pai, lugar do sacrifício perfeito, fonte de abundantes bênçãos. Transformemos as relações de vida numa verdadeira liturgia que exprime o culto ao único Senhor. Assim respondemos ao facto da aliança resumido por Jesus no mandamento novo. Entremos na experiência viva de Cristo crucificado, ponte onde grava para nós cristãos a nova lei. Novo Sinai é o Calvário. O decálogo, aí, concentra-se na pessoa de Jesus Cristo. A nossa vida, centrada em Cristo, seja templo onde outros possam chegar ao amor do Deus vivo. Neste Dia Caritas ganha particular vigor a expressão da caridade como lugar do encontro com Deus. A indiferença ou insensibilidade às carências sociais são obstrução ao acesso ao Deus vivo que Cristo crucificado mostra. Uma relação com Deus que não abra para uma vida em dom aos outros é falsidade. No corpo do doente, do faminto, do necessitado está o lugar onde Cristo vive, como no sacrário. Alimentar-se de Cristo é construir comunhão com os seres humanos mais desprovidos de bem-estar. Eis a nossa responsabilidade. Não deixemos Cristo abandonado e multipliquemos em cada paróquia grupos sócio-caritativos, expressão autêntica do amor de Deus por cada ser humano. Deus assim poderá tocar-se na generosidade das mãos onde transparecer a loucura do seu amor. D. Carlos Azevedo, Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social