«A esperança atravessas as noites do mundo e da história»

1. Esta é a noite! A noite em que Deus rasgou as trevas, em que a luz venceu a escuridão, em que a vida triunfou sobre a morte. É a mãe de todas as vigílias, a celebração mais solene, mais cheia de promessas e também da sua realização. A Igreja fez-nos percorrer esta noite com o fogo aceso, a Palavra proclamada, o silêncio escutado, o canto renovado. E ao longo das leituras, Deus conduziu-nos numa peregrinação da esperança.
Sim, irmãos, esta Vigília é um caminho: da criação à nova criação, da escravidão à liberdade, da promessa ao cumprimento. E em cada passo, Deus acende uma luz no meio da noite, uma luz que culmina na ressurreição do Seu Filho, para sabermos que mesmo hoje, mesmo nos recônditos mais sombrios do coração humano ou das trevas do pecado e do mal, Deus volta a acender a luz do seu amor e da sua graça.
2. «No princípio, Deus criou o céu e a terra» (Gn 1, 1). É o início de tudo. E o que vemos? Um Deus que ama a vida, que chama cada coisa pelo nome, que vê tudo como bom. Desde o primeiro instante, a esperança é colocada no coração da criação. Somos queridos por Deus, não obra do acaso. E isso dá-nos dignidade, dá-nos sentido. A primeira esperança é esta: existimos porque Deus nos quis, porque Deus nos ama.
3. Abraão sobe ao monte com o filho (cf. Gn 22, 1-18). Parece um Deus que pede o impensável. Mas a fé de Abraão, feita de obediência e de confiança, revela que Deus não quer a morte, mas a vida. Ele mesmo providencia o cordeiro. A esperança de Abraão é a esperança de quem não entende, mas confia. E essa esperança abre caminho à bênção de todas as nações e de todos os povos.
4. «Porque estás a bradar por Mim? Diz aos filhos de Israel que se ponham em marcha» (Ex 14, 15). No coração da noite, no meio do mar, quando tudo parece perdido, Deus abre um caminho novo. Passagem da escravidão à liberdade. Esta é a grande imagem da esperança bíblica: não ficamos presos ao que fomos. Deus conduz-nos à terra prometida, a um futuro que começa naquele instante.
5. Isaías, Baruc, Ezequiel – cada um à sua maneira – falam a um povo ferido, exilado, desiludido. Mas todos anunciam: «O teu Criador será o teu Esposo» (Is 54, 5); «Vinde à nascente das águas» (Is 55, 1); «Caminha para o esplendor da sua luz» (Br 4, 2); «Dar-vos-ei um coração de carne» (Ez 36, 26). Mesmo quando tudo parece ruína, Deus não desiste. Ele reconstrói, regenera, ressuscita. A esperança profética é uma esperança que olha para a frente, que acredita em novos começos, que espera contra toda a esperança.
6. Depois desta lenta preparação, hoje proclamamos: Cristo ressuscitou: passou dos braços da cruz para os braços do Pai; a esperança cumpriu-se! No fulgor desta noite, ouvimos o anúncio esperado: «Porque buscais entre os mortos Aquele que está vivo?» (Lc 24, 5). Toda a esperança do Antigo Testamento conduzia a este momento. A cruz não foi o fim. A pedra foi removida. O sepulcro está vazio. Jesus venceu a morte. E agora, nenhuma noite é demasiado escura. Nenhuma dor é sem sentido. Nenhuma vida está perdida.
A esperança cristã tem um nome: Jesus ressuscitado. E é esta certeza que muda tudo. Não apenas para depois da morte, mas para cada dia da vida, da nossa vida, neste ano de júbilo que se deseja santo.
7. Irmãos, o que fazemos desta esperança? Nesta Vigília, muitos serão batizados, outros renovarão as promessas do seu Batismo. E todos somos convidados a renovar o nosso «sim» à vida nova em Cristo. Mas a esperança não é para guardar no íntimo. É para anunciar, partilhar, testemunhar. Como as mulheres junto ao túmulo, como Pedro e João, como os discípulos de Emaús: corramos ao mundo, dizendo: Ele vive!
O mundo precisa de ver cristãos cheios de esperança, mesmo nas provações: este é o grande anúncio do qual a Igreja não é só depositária, mas sobretudo arauto, num mundo tantas vezes cansado, desiludido e triste. O Jubileu que estamos a viver convida-nos a sermos peregrinos de esperança: não turistas na fé, mas testemunhas em caminho. Que esta Vigília reacenda em nós a certeza de que a última palavra pertence sempre a Deus. E a Sua palavra é vida, luz, paz.
Peçamos também a Maria, Mãe da Esperança, que no silêncio do Sábado Santo manteve viva a fé, que nos ensine a esperar confiando, e a crer amando.
Cristo vive. A esperança está viva. Aleluia! Ámen.
Sé Patriarcal, 19 de abril de 2025
+Rui Valério, Patriarca de Lisboa