Homilia do Patriarca de Lisboa na Missa Vespertina da Ceia do Senhor

«A Eucaristia, fonte e meta de esperança»

Foto: Agência ECLESIA/LFS

Entramos, esta tarde, no Tríduo Pascal, o coração do ano litúrgico, o grande memorial do amor que se dá até ao fim. Em cada Eucaristia celebramos o dom de Deus. Deus dá-Se a Si mesmo, não nos dá «alguma coisa». É a sua vida oferecida por nós e para nós. Reunimo-nos como os discípulos no Cenáculo, à volta de Jesus, para escutar o seu testamento e receber das Suas mãos o dom inestimável da Eucaristia. Esta noite, Ele entrega-nos o Seu Corpo e o Seu Sangue. Esta noite, Ele lava os pés aos discípulos. Esta noite, nasce a esperança que não passará jamais.

Sim, irmãos, a Eucaristia é o sacramento da esperança. Porque nela, Cristo antecipa a Sua vitória, transforma o pão e o vinho em penhor de eternidade. Torna-Se presente como alimento e caminho, com Ele e com todos os que comungam do Seu Amor.

Cada vez que celebramos a Eucaristia, o céu toca a terra. A cruz não é o fim. A morte não sai vencedora. A Eucaristia garante-nos que o amor é mais forte. E esta esperança não é apenas consolo: é envio. A Ceia do Senhor não é uma lembrança passiva, é uma missão ativa. Jesus diz: «Fazei isto em memória de Mim» – não apenas repitam o gesto, mas vivam-no. Tornem-se Eucaristia viva, pão repartido para o mundo. É esperança que brota do altar e transforma a vida.

Na Eucaristia, Jesus entrega-Se completamente. Não guarda nada para Si. Este gesto é o coração da nossa fé: Deus não desiste da humanidade, mesmo quando é traído, mesmo quando é negado, mesmo quando é crucificado.

Na celebração eucarística, contemplamos o amor fiel de Deus, que permanece connosco em todas as circunstâncias. Aqui, no altar, renova-se a certeza de que não estamos sós. De que Deus caminha connosco. De que há futuro, mesmo quando tudo parece perdido. É a esperança fundada no dom total de Cristo: há esperança não porque somos otimistas, mas porque Deus Se deu a Si próprio. É o Senhor! O seu gesto é de tal forma marcante que, depois da ressurreição, os discípulos O reconhecem ao partir do pão (cf. Lc 24, 35).

A Eucaristia é a beleza da terra, iluminada pela beleza do céu. No pão feito do trigo, que cresce nos campos trabalhados pelo homem com o suor do seu rosto, e no vinho fruto das uvas que maturam em fecundos vinhedos escarpados, não encontramos só obra de técnicas aperfeiçoadas no tempo, mas tocamos a sabedoria do homem ser mais do que para si mesmo. Ele é capaz de trabalhar o que alimenta e mata a fome da humanidade, como ainda consegue fabricar a bebida que nos dá o sentido da gratuidade, e nos colocar acima do estritamente necessário. Que paradoxo! Nestes alimentos tão elementares e quotidianos condensam-se valores tão elevadas. Da terra, nenhum outro produto é tão apropriado ao mistério da última ceia como o pão e o vinho; neles está uma força de superação que Jesus evidenciou na multiplicação dos pães e dos peixes, e que reside na sua capacidade de ser sustento da vida; mas também reside uma grandeza de transformação afirmada entre ter ou não ter pão que equivale ao viver ou ao morrer. Mas a própria ceia foi restaurada na sua identidade de memorial da saída do Egito, da escravidão, para a terra prometida, e assumir-se como passagem para o Pai. E assim, toda a Páscoa vem colocada nesta ceia porque o próprio Cristo é a Ceia, Ele a Páscoa que, na sua carne que por Si oferecida como alimento, nós, com Ele, passamos para o Pai. «Quem me come tem a vida eterna» (Jo 6, 54), quem me toma é tomado por mim e levado à comunhão filial na glória do Pai. Pela carne de Adão ressuscitada nós passamos deste mundo para o santuário do Pai. Jesus assumiu a carne de Adão, marcada pelo pecado, e é nesta mesma carne que passa para o Pai e com Ele, todos nós. Eis a verdadeira Páscoa!

Jesus, antes de partir o pão, lava os pés aos discípulos. A Eucaristia não nos fecha no sagrado, mas envia-nos ao concreto, ao quotidiano, ao outro. O sagrado torna-se essa realidade rotineira: como o pão e o vinho são o sacramento do Seu Corpo e Sangue, também o serviço desinteressado aos irmãos é «sacramento» do amor ao próximo. Cristo é o Belo Pastor (cf. Jo 10, 11), que se curva para lavar os pés. Aqui reside «a beleza da caridade cristã, que se expressa, por exemplo, no gesto simples de atender e auxiliar um pobre»1.

Nesta Quinta-feira Santa, somos confrontados com o escândalo de um Deus ajoelhado, de um Senhor que serve. E somos convidados a fazer o mesmo. A esperança cristã torna-se, assim, serviço. O mundo precisa de sinais de esperança concreta: mãos que lavam, corações que escutam, gestos que curam. A esperança cristã não é uma ideia bonita, é uma vida entregue, como o Senhor Jesus, com Ele e por Ele.

Na Eucaristia, vemos também como Deus se coloca connosco a caminho, fazendo-Se próximo de cada um de nós. É o verdadeiro «Emanuel». A Eucaristia faz-nos Corpo de Cristo. Une-nos, mesmo sendo diferentes. Torna-nos povo em marcha, peregrinos de esperança, como nos recorda o espírito jubilar que atravessa este ano santo.

Não podemos guardar para nós este dom. Quem comunga verdadeiramente o Corpo de Cristo, torna-se portador da Sua presença no mundo: na família, no trabalho, na comunidade. Toda a Eucaristia termina com um envio: «Ide» – ou seja, levai esta esperança aonde ela ainda não chegou. Por isso, a Igreja é sacramento desta presença, mas também sacramento do envio. A Igreja só se compreende plenamente como missão, como evangelizadora da paz até aos confins da terra. E a Eucaristia funda e alimenta esta missão.

Queridos irmãos e irmãs, nesta noite em que a Igreja nasce do amor e se renova na esperança, deixemo-nos tocar por esta presença silenciosa, humilde e poderosa de Cristo na Eucaristia. Que cada comunhão seja para nós como para os discípulos de Emaús: um ardor novo no coração, um abrir dos olhos, um levantar-se para o caminho (cf. Lc 24, 32). Somos chamados a ser homens e mulheres da Eucaristia e da Esperança, celebrando com fé, vivendo com coerência, servindo com alegria.

Que Maria, Mãe da Esperança e Mulher eucarística, nos ajude a guardar e a viver este mistério no silêncio e na entrega.

Cristo deu-Se a cada um de nós. Dêmo-nos também nós aos outros com amor fraterno. A esperança foi-nos confiada, não podemos fazer outra coisa senão levá-la ao mundo. Ámen.

+Rui, Patriarca de Lisboa

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