Homilia do cardeal-patriarca no Pontifical do Natal do Senhor

Cristo é a luz que ilumina a realidade humana”

1. Na Homilia da Noite de Natal acolhemos a mensagem da Escritura, segundo a qual o nascimento de Cristo é anunciado como a luz que brilha nas trevas. Os textos desta celebração do Natal dizem-nos que Cristo é uma luz para o homem, tanto para aqueles que já buscam a luz, como para os que jazem nas trevas, isto é, que deixaram toldar a beleza do homem pelos seus erros. A fé em Cristo, Deus feito Homem, dá origem a uma cultura, isto é, a uma compreensão do homem, da sua grandeza e dignidade, da sua diferença fundamental em relação a todos os outros seres. A Encarnação do Verbo de Deus é o fundamento da antropologia cristã. O Papa João Paulo II, na sua primeira Encíclica, afirmou-o solenemente: “Só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente o mistério do homem”, porque “Cristo, redentor do mundo, é Aquele que penetrou, de uma maneira singular e que não se pode repetir, no mistério do homem e penetrou no seu coração” [1]. Só em Cristo se capta a grandeza do homem.

 

2. O que contemplamos no Presépio de Belém é um acontecimento criador. O homem é recriado. Com razão se chamou a Cristo o segundo Adão. Aquele Menino é Deus humanizado, é um homem divino; Ele é o Verbo eterno de Deus. “E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós” (Jo. 1,14). Como Verbo eterno, Ele criou o homem, que, por isso, traz gravada na profundidade do seu ser a imagem de Deus. “No princípio Ele estava com Deus. Tudo se fez por meio d’Ele e sem Ele nada foi feito. N’Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens” (Jo. 1,1-2). Ele faz-Se Homem para recriar o homem, não apenas os que vierem a acreditar n’Ele, mas toda a humanidade, abraçada por Ele no seu amor, que é redentor, luz que brilha nas trevas. Acreditar n’Ele, dá ao homem consciência do seu próprio mistério, a alegria de contemplar no Seu rosto e sentir no Seu amor, a luz de Deus. “E nós vimos a Sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade” (Jo. 1,14).

Deus fez-Se Homem. Jesus de Nazaré é a Imagem perfeita de Deus, é o Homem, como Deus O quis e escolheu para comungar da Sua vida. Habitando Cristo no meio de nós, é caso para perguntar como foi possível, um mundo marcado pelo ateísmo ou pela indiferença em relação a Deus. Deus está aí, vive connosco, acessível a quantos O queiram encontrar, e descobrir n’Ele a grandeza dos homens que somos. Continua a ser verdade o que afirma São João: “Àqueles que O receberam e acreditaram no Seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo. 1,12). São esses que percebem, na sua relação com Cristo, a afirmação de João Paulo II: “A única orientação do espírito, a única direção da inteligência, da vontade e do coração para nós é esta: na direção de Cristo, Redentor do Homem, na direção de Cristo, Redentor do Mundo. Para Ele queremos olhar, porque só n’Ele, Filho de Deus, está a salvação, repetindo com o Apóstolo Pedro: para quem iremos nós Senhor? Tu tens Palavras de vida eterna”[2].

 

3. O desconhecimento ou mesmo a rejeição de Cristo são fruto das “trevas” em que caiu a humanidade. São João reconhece: “a luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam” (Jo. 1,5). O que são as trevas? São fruto de se viver a vida como se Deus não existisse. É certo que a força recriadora de Cristo está presente no coração de todos os homens, mesmo daqueles que não O reconhecem. A fé em Deus confessada por outras religiões, ou o desejo de amor, de justiça e de paz cultivados mesmo pelos descrentes são, como lhes chamou Santo Ireneu, “sementes do Verbo”, que podem desabrochar na luz de Cristo. Mas as “trevas” que rejeitaram a luz, são na humanidade, a violência, o egoísmo e a ganância, a mentira consciente, o desrespeito pela vida e pela dignidade do homem, atitudes que comprometem a justiça, aviltam o amor do próximo, destroem a paz. Não é por acaso que, quando Cristo, Verbo eterno de Deus, Se tornou palavra humana, a sua mensagem foi: amai-vos, lutai pela justiça, sede construtores da paz. Só assim a luz vencerá as trevas e os agentes dessa batalha são, antes de mais, os discípulos que acreditam n’Ele, “eles que não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo. 1,13). Esses que como João Baptista são testemunhas, partilham com Ele a missão profética, dão testemunho da luz. É urgente valorizar esta dimensão profética dos discípulos de Cristo. Já Isaías cantava: “Como são belos sobre os montes os pés do Mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova, que proclama a salvação” (Is. 52,7). Chama-lhes sentinelas porque estão atentas aos problemas humanos e dispostos a anunciar a verdade do homem, a sua dignidade, a grandeza do seu destino. “Soltam brados de alegria porque veem com os próprios olhos o Senhor que volta para Sião” (Is. 52,8). Esse ver com os próprios olhos torna-se realidade em Cristo: “Nós vimos a Sua glória”.

Oxalá que neste Natal possamos ver, com os olhos da fé, Deus que voltou ao meio de nós, Se tornou presente no seu Filho Jesus Cristo, a cuja luz descobrimos o mistério da nossa vocação humana.

Sé Patriarcal, 25 de dezembro de 2011

D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa

 

NOTAS:

1 – João Paulo II, ‘Redemptor Hominis’, n.º 8; cf. ‘Gaudium et Spes’, n.º 22

2 – Ibidem, n.º 7 

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