Homilia do Cardeal-Patriarca no Domingo de Ramos

Jesus Cristo, sinal de contradição

1. Entramos hoje na celebração anual da Páscoa. A leitura do Evangelho com que iniciámos a celebração diz: “Jesus caminhava à frente dos seus discípulos, subindo para Jerusalém”. Hoje, os seus discípulos são todos os baptizados, membros da sua Igreja, que fazem, com Cristo, esta caminhada, não para a Jerusalém deste mundo, mas para a participação na glória do Messias, manifestada na Sua ressurreição. Nesta caminhada, somos conduzidos pela Palavra de Deus e pelo confronto com o escândalo da Cruz, para penetrarmos mais profundamente na verdade da nossa fé e da nossa identidade cristã. Não fujamos à contradição significada na Cruz de Cristo; aceitemos a nossa fé como confronto e ruptura com os critérios deste mundo, que assumem, em cada tempo, o concreto da realidade humana, que tão dificilmente faz a passagem para a perspectiva da novidade pascal. Escutemos com ouvidos de discípulo, para perceber que naquela caminhada de Jesus para Jerusalém, está contido o sentido da nossa vida, como cristãos, a caminho da Jerusalém Celeste. As atitudes de Jesus sugerem as atitudes da Igreja e de cada cristão, discípulo do Senhor, na nossa caminhada, em cada momento da história.

2. A primeira atitude de Jesus, que Ele espera seja seguida pelos seus discípulos, é a consciência clara da sua verdade e missão, que Ele aprofunda, escutando a Palavra do Pai, com ouvidos de discípulo, no dizer do Profeta Isaías. Nesta caminhada da Páscoa, somos chamados a purificar os nossos ouvidos, para serem sempre ouvidos de discípulo, escutando o Senhor e o chamamento que dirige a cada um de nós, e purificando a nossa verdade, a verdade deste povo de discípulos, que é a Igreja.

Jesus sabe que a sua verdade é a plenitude de uma longa história de Aliança de Deus com o seu Povo, que vai exprimir na sua fidelidade até à morte, a decisiva manifestação do amor de Deus pelos homens. Jesus sabe que é o Messias prometido e tão ansiosamente esperado, e é com Ele que a Aliança de Deus com o seu Povo atinge a sua plenitude, transformando-se em aliança de Deus com toda a humanidade; Ele sabe e aceita que na sua morte e ressurreição, o tempo atingiu o seu “termo”, isto é, inicia-se a verdade do tempo definitivo.

Durante a sua vida pública, Jesus evitou quase sempre a sua identificação como Messias, devido às ambiguidades de que estavam carregadas, na consciência colectiva, a figura e a missão do Messias. Preferiu sempre identificar-se com a figura escatológica do Filho do Homem, que haveria de manifestar-se em glória, no fim dos tempos, e com a figura do Servo Sofredor, com que o Profeta Isaías anuncia a função redentora e sacerdotal da missão do Messias.

Mas a sua hora tinha chegado e já não podia evitar a sua afirmação messiânica. Se aqueles discípulos que O aclamam no Monte das Oliveiras O seguirem até ao fim da subida para Jerusalém, experimentarão, confundidos, a contradição entre o modo como viam a glória do Messias e o drama da Cruz. E os que tiverem coragem de ficar até ao fim, até ao silêncio pesado daquele túmulo, verificarão surpreendidos que o túmulo ficou vazio e que a glória do Filho do Homem se manifestou na ressurreição de Jesus. Mas não foram muitos os que ficaram até ao fim. Aos mais chegados, o Senhor teve de os surpreender, aparecendo-lhes ressuscitado, fazendo-lhes perceber que tudo começava de novo. Não era fácil aceitar a ressurreição, esse novo rosto de Jesus, pois acreditar no ressuscitado incluía uma contradição dolorosa: nada das realidades deste mundo, mesmo a própria fé religiosa, era definitivo. Tudo começava de novo. Como São João perceberá mais tarde, aceitar o ressuscitado é, inevitavelmente, relativizar as realidades deste mundo, tendo-as como não definitivas. É mergulhar num outro horizonte de verdade.

3. Ao assumir que a realização da sua missão messiânica se exprime na obediência do Servo Sofredor, Jesus dá um sentido novo ao sofrimento. Esta é uma contradição difícil de aceitar numa visão cultural que tanto provoca o sofrimento como foge dele, considerando-o uma desgraça. Aquele Servo, em que Jesus se transformou, experimentou todas as expressões do sofrimento humano: o sofrimento físico da flagelação, da coroação de espinhos, da crucifixão; a injustiça do julgamento; a infidelidade dos discípulos; a mentira da sociedade.

A infidelidade dos discípulos: uns fugiram, Pedro negou conhecê-l’O. A sua generosidade, certamente autêntica, de quem se mostra disponível para seguir Jesus até à morte, soçobra ao medo de se relacionar com o Senhor.

A mentira das autoridades. Para se verem livres de Jesus, não hesitam em apresentar a Pilatos um motivo em que eles próprios não acreditam. Jesus que se tinha definido a Si próprio como sendo a verdade, deve ter sofrido ao ver as autoridades mais sagradas do seu povo a recorrerem à mentira perante a autoridade ocupante só para conseguirem o seu objectivo, desejado e inconfessado. Todo este sofrimento se torna expressão da sua obediência ao desígnio do Pai, como diz a Carta aos Hebreus: “Sendo o Filho, aprendeu a obediência no sofrimento” (Heb. 5,8).

4. Ponhamo-nos a caminho, sigamos Jesus desde o Monte das Oliveiras até ao silêncio do túmulo, onde ele sepultou todos os nossos pecados, para ressuscitarmos com Ele, renovados pela força do Espírito Santo. Tenhamos a humildade de reconhecer que ainda não O seguimos, até às últimas consequências da sua Páscoa em nós. Quantas vezes fomos generosos, como Pedro, na grandeza das nossas promessas, e caímos como Ele, porque não aceitámos a contradição com as verdades deste mundo. Só podemos continuar esta caminhada, subindo a Jerusalém, com a sua força de ressuscitado, que nos comunica ao infundir em nós o seu Espírito. Que as mentiras, as meias verdades e a agressividade deste mundo não nos façam desanimar, porque Ele venceu o mundo. Não nos escondeu que esta caminhada é um combate, que Ele anunciou aos discípulos: “quem não tiver espada venda a capa e compre uma” (Lc. 32,36-37). As espadas para este combate são-nos oferecidas pelo Espírito de Jesus ressuscitado.

Sé Patriarcal, 28 de Março de 2010

JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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