“Iluminar a vida do homem e da sociedade com a luz de Cristo”
1. Hoje iniciamos um novo Ano. Todos o anunciam como um ano difícil, exigente, em que, para não soçobrarmos no desânimo, precisamos de recorrer a todas as forças que nos dão coragem para lutar e que são o fundamento da nossa esperança e da nossa alegria. E para nós crentes a força decisiva é Jesus Cristo, como encarnação da presença de Deus no meio do seu Povo, com amor e solicitude de Pai. São Paulo lembra-o na Carta aos Gálatas: este Filho de Deus nasceu “de uma Mulher, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei e nos tornar seus filhos adotivos… não somos escravos, mas filhos” (Gal. 4,4-7).
Oito dias depois do Seu nascimento, os pais de Jesus levaram-no ao templo para ser circuncidado e deram-Lhe o Nome de Jesus, que o Anjo Gabriel tinha anunciado a Maria. Jesus quer dizer Salvador. Ele é, até ao fim dos tempos, salvador, de todos os homens, em todas as circunstâncias que ameacem neles a plenitude da vida, quer pessoalmente, quer na sociedade a que pertencem. Ninguém se admire que nós, os cristãos, procuremos em Jesus Cristo a força para reagir às adversidades, o desafio de uma vida diferente, que há de transformar a sociedade como fermento na massa, que nos levará a nunca desistirmos de construir a justiça e a ser obreiros da paz.
Ele, o Justo, é a nossa Paz. Em todas as vicissitudes da história, os cristãos não têm outra fonte de força senão Jesus, o nosso Salvador. É esta referência a Ele que nos leva a ter uma visão do homem e da sociedade onde reinem a justiça e a paz.
Na sua Mensagem para este dia, o Santo Padre, define a atitude que devemos ter ao iniciar este novo Ano, com uma referência ao Salmo 130: “O homem de fé aguarda pelo Senhor, mais do que a sentinela pela aurora”. Esta é a experiência do povo eleito que foi educado por Deus a olhar o mundo na sua verdade, sem se deixar abater pelas tribulações. Por isso, o Santo Padre convida-nos “a olhar o Ano de 2012 com esta atitude confiante. É verdade que, no Ano que termina, cresceu o sentimento de frustração por causa da crise que aflige a sociedade, o mundo do trabalho e a economia; uma crise cujas raízes são primariamente culturais e antropológicas. Parece que um manto de escuridão desceu sobre o nosso tempo, impedindo-nos de ver com clareza a luz do dia”.
2. Mas nesta escuridão, continua o Papa, o coração do homem não cessa de aguardar pela aurora. Esta expectativa mostra-se particularmente viva e visível nos jovens. O Papa dedica-lhes, particularmente, esta mensagem, “convencido de que eles podem, com o seu entusiasmo e idealismo, oferecer uma nova esperança ao mundo”. O Papa recorda, certamente, a recente experiência de Madrid: a alegria e o entusiasmo daqueles jovens semeavam no nosso coração a esperança. No encontro com os 15 000 jovens portugueses senti algo que exprimia aquilo a que João Paulo II designou por um “novo ardor” que há de marcar a “nova evangelização”.
Bento XVI, ao situar este contributo dos jovens na sociedade concreta em que vivemos, no momento presente, convida-os a serem construtores da justiça e obreiros da paz. O desafio da justiça e da paz sintetiza toda a mensagem cristã sobre a sociedade. Esta dimensão abrangente exprime-se, igualmente, nos protagonistas escolhidos: os jovens, para poderem “oferecer uma nova esperança ao mundo”, arrastam consigo os seus educadores, as suas famílias, as pedras vivas da sociedade. Eles estão na fase da descoberta da vida: caminhar com eles é ajudá-los a descobrir, pelo nosso empenho, os caminhos novos onde brotem a justiça e a paz. A Igreja precisa de lhes anunciar a boa nova da justiça e da paz. Passa também por aí a nova evangelização. Esta não é só palavra, enunciado doutrinal, mas testemunho de vida. A justiça e a paz têm de ser um testemunho de vida, pois só homens justos podem construir a justiça, e só os que experimentaram a paz interior se tornam lutadores pela paz na sociedade. A paz e a justiça supõem a generosidade, a capacidade de dom, a harmonia interior, com os outros homens, em sociedade, com a verdade da criação e com a terra que habitamos.
3. Fazer esta caminhada com os jovens significa anunciar, com o ardor da convicção e da experiência, a doutrina da Igreja sobre a sociedade, o Evangelho a iluminar a realidade concreta, em cada momento da história. A doutrina social da Igreja não tem estado muito presente no anúncio evangelizador, e ela é a palavra da Igreja a iluminar e a dar sentido a cada realidade concreta. Ela tem, necessariamente, de fazer parte, da nova evangelização. “Tudo o que diz respeito à comunidade dos homens – situações e problemas relacionados com a justiça, com a libertação, com o desenvolvimento, com as relações entre os povos, com a paz – não é estranho à evangelização e esta não seria completa se não tivesse em conta o apelo recíproco que continuamente se fazem o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social do homem. Há laços profundos entre evangelização e promoção humana”.
Antes de mais, laços de ordem antropológica, porque o homem a evangelizar não é um ser abstrato, mas é condicionado pelas questões sociais e económicas. Laços de ordem teológica, porque não se podem dissociar o plano da criação e o da redenção que se exprime em situações concretas de injustiças a combater, e da justiça que é preciso restaurar. Laços de ordem eminentemente evangélica, como é o da caridade: como se poderá, de facto anunciar o mandamento novo sem promover, na justiça e na verdadeira paz, o crescimento autêntico do homem”? [1]
Temos de anunciar aos jovens e com os jovens, com “novo ardor”, esta doutrina da Igreja sobre o homem concreto, em sociedade. Ela abrir-nos-á para o primado da generosidade sobre o egoísmo, ensinar-nos-á a privilegiar o bem-comum, ajudar-nos-á a não limitar os anseios do nosso coração à materialidade das coisas, mas a abrir-nos à dimensão transcendente do homem e da história, e a ansiarmos, nesta luta presente pela justiça, por uma sociedade definitivamente digna do homem, os “novos céus e a nova terra”.
É esse otimismo da esperança que os jovens hão de introduzir na sociedade. O seu idealismo pode levá-los a introduzir o amor e a generosidade como dinamismos básicos da vida social. O Santo Padre diz-lhes: “A cidade do homem não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, de misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho de justiça no mundo”.
4. Termino, fazendo minhas as palavras de Bento XVI, dirigidas aos jovens no início deste Ano, que vai ser difícil:
“Queridos jovens, vós sois um dom precioso para a sociedade. Diante das dificuldades, não vos deixeis invadir pelo desânimo nem vos abandoneis a falsas soluções, que frequentemente se apresentam como o caminho mais fácil para superar os problemas. Não tenhais medo de vos empenhar, de enfrentar a fadiga e o sacrifício, de optar por caminhos que requerem fidelidade e constância, humildade e dedicação.
Vivei com confiança a vossa juventude e os anseios profundos que sentis de felicidade, verdade, beleza e amor verdadeiro. Vivei intensamente esta fase da vida, tão rica e cheia de entusiasmo.
Sabei que vós mesmos servis de exemplo e estímulo para os adultos, e tanto mais o sereis quanto mais vos esforçardes por superar as injustiças e a corrupção, quanto mais desejardes um futuro melhor e vos comprometerdes a construí-lo. Cientes das vossas potencialidades, nunca vos fecheis em vós próprios, mas trabalhai por um futuro mais luminoso para todos. Nunca vos sintais sozinhos! A Igreja confia em vós, acompanha-vos, encoraja-vos e deseja oferecer-vos o que tem de mais precioso: a possibilidade de levantar os olhos para Deus, de encontrar Jesus Cristo – Ele que é a justiça e a paz”.
Paróquia de Nossa Senhora Rainha dos Apóstolos da Ramada, 1 de janeiro de 2012
D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa
NOTA:
1 – Compendio della Dotrina Sociale della Chiesa, nº 66, cf Paulo VI, in Evangelii Nuntiandi