Homilia do Cardeal-Patriarca na Solenidade da Dedicação da Sé de Lisboa

“A Catedral é sinal visível da Igreja Particular como Povo Sacerdotal”

1. Nesta celebração da Dedicação da nossa Catedral, a Palavra de Deus proclamada apresenta-nos a Igreja, na beleza do seu mistério, cidade nova, ou seja, nova experiência de humanidade, fruto fecundo da Páscoa de Jesus. Ela tem a dignidade de Cristo ressuscitado, é apresentada como a “esposa do Cordeiro”, na sua beleza brilha a glória do próprio Deus. A Igreja não é só um Povo que louva o Senhor; na sua realidade humana resplandece a própria glória de Deus.

A Igreja é-nos apresentada como cidade fortificada. Jesus tinha prometido a Pedro: “as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela (Mt. 16,18). A garantia dessa solidez são os seus fundamentos: Cristo como pedra angular, os Apóstolos de Jesus como colunas: “Vou pôr em Sião uma pedra angular, escolhida e preciosa e quem nela puser a sua confiança não será confundido” (1Pet. 2,6); “A muralha da cidade tinha na base doze reforços salientes e neles doze nomes: os dos doze Apóstolos do Cordeiro” (Apoc. 21,14). Estes dois textos dizem-nos que a solidez da Igreja assenta na perenidade da Páscoa de Cristo e na sucessão apostólica. Aliás, a apostolicidade da Igreja é a primeira expressão de Cristo morto e ressuscitado. É por isso que a verdadeira Igreja de Jesus Cristo será sempre a Igreja apostólica.

A Catedral é um sinal vivo da apostolicidade da Igreja diocesana, assente na solidez do ministério do Bispo, sucessor dos Apóstolos do Cordeiro. Durante este Ano Pastoral, teremos a graça de sentir ao vivo e de um modo mais forte, esta apostolicidade da Igreja com a visita pastoral do Sucessor de Pedro, Sua Santidade Bento XVI, à Igreja de Lisboa. Só na comunhão com Pedro, o vosso Bispo é garantia dessa solidez da Igreja diocesana, que, por isso mesmo se afirma e define como comunhão universal com todas as Igrejas católicas do mundo. O Santo Padre reavivará em nós o que procuramos e desejamos todos os dias: a unidade na verdade, a universalidade da caridade, a urgência da missão. O anúncio do Evangelho aos nossos concidadãos, com o ardor dos apóstolos de Jesus, é uma urgência e uma exigência da missão da Igreja no tempo presente.

2. A Catedral evoca, para nós, o mistério do templo, não apenas, nem sobretudo, do templo material, aliás cheio de história e carregado de mensagem em cada uma das suas pedras, mas do templo como experiência de encontro e de comunhão com Deus, presente no meio do Seu Povo, na pessoa do seu Filho Jesus Cristo, nosso Bom Pastor. A Igreja é o lugar do encontro e da intimidade com Deus, porque é o lugar de encontro com Jesus Cristo, onde, com a força do Espírito, se renasce para a vida. E é essa experiência de encontro que o templo significa e anuncia. Aí se pode encontrar o Senhor, escutar sempre de novo a Sua Palavra, deixar que nos transforme o coração, aprender a desejar a plenitude da comunhão. A fecundidade da Igreja é sacramental. A Catedral é o lugar da afirmação mais pujante da riqueza sacramental da Igreja; evocá-la é escutar o desafio lançado a toda a Igreja, pelo Santo Padre, com o Ano Sacerdotal.

A Igreja é sacerdotal na profundidade do seu existir, da sua vocação e da sua missão. Nela, exprime-se continuamente o amor infinito de Deus pelos homens, manifestado radical e definitivamente em Jesus Cristo. A Igreja é fruto contínuo da fecundidade renovadora da Páscoa de Cristo, através da acção criadora do Espírito Santo. Em toda a fecundidade da sua Palavra e da sua Páscoa, Cristo é Sacerdote, o único sacerdote. Todos os que se unem a Ele na consagração baptismal ou na consagração para o ministério sacerdotal, participam do seu sacerdócio. A igreja é o fruto precioso dessa fecundidade sacerdotal. É bom recordar a maneira como o Concílio define a Diocese ou Igreja Particular (cf. C.D. nº11): é uma porção do Povo de Deus, quer dizer, não é a Igreja toda, mas é o todo da Igreja, pois nela acontece a plenitude da Igreja. E isto porque é confiada a um Bispo, sucessor dos Apóstolos, para que seja o seu Pastor, e que exerce esse sacerdócio apostólico em comunhão com os presbíteros a quem impôs as mãos. São muitos os sacerdotes, mas é só um o ministério pastoral, como sacramento de Cristo Bom Pastor. Pontos centrais desse ministério pastoral são a construção da Igreja comunhão, porque reunida no Espírito Santo, o anúncio do Evangelho e a celebração da Eucaristia. A Catedral é o anúncio e desafio desse ministério pastoral do Bispo, com o seu presbitério, pois ela sublinha a prioridade do Evangelho, a centralidade da Eucaristia, a beleza de uma Igreja unida em comunhão.

3. Cristo exerce continuamente o seu poder sacerdotal através do sacerdócio apostólico, para que toda a Igreja seja Povo Sacerdotal. O Apóstolo Pedro lembra-o aos cristãos da primeira geração: “Aproximai-vos do Senhor, que é a pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus. E vós mesmos, como pedras vivas, entrai na construção deste templo espiritual, para constituirdes um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (1Pet. 2,4-5). Jesus já anunciara à samaritana que esse culto espiritual, liturgia discreta nos sinais físicos e densa da atitude interior dos crentes, é o que agrada a Deus e é o culto do futuro (cf. Jo. 4,23-24). Para que toda a Igreja, Povo Sacerdotal, possa oferecer esse culto a Deus, precisa do sacerdócio ministerial, que actualiza, em cada momento, o próprio sacerdócio de Jesus Cristo. Nem o Povo de Deus, Igreja do Senhor, pode oferecer esse culto novo sem a mediação sacramental do sacerdócio apostólico, nem este tem razão de ser, se não for a edificação permanente do Povo Sacerdotal, tornando-o capaz de oferecer a Deus esse culto espiritual. Ao convidar a Igreja para uma descoberta mais profunda do sacerdócio ministerial, o Papa convida a Igreja para uma meditação sobre o seu próprio mistério de identificação total com Jesus Cristo, sacerdote perfeito e pontífice da Nova Aliança.

A Catedral, como Igreja Mãe, sinal visível da comunhão da Igreja diocesana, desafia-nos a todos a encarnar a urgência do anúncio do Evangelho e a fazer da Eucaristia o centro do ser e da missão da Igreja. É nesta Igreja que está a cátedra do Bispo, sucessor dos Apóstolos, e o altar maior, que se prolonga em todos os altares onde as nossas comunidades oferecem a Deus o culto espiritual, que é louvor digno da santidade de Deus e sacrifício redentor para todos nós, peregrinos da Pátria Celeste, que precisamos de merecer a graça da redenção.

Sé Patriarcal, 25 de Outubro de 2009

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

 

Partilhar:
Scroll to Top