Homilia do Cardeal-Patriarca na Missa da Ceia do Senhor

“O Corpo de Cristo, o nosso corpo para Cristo”

1. Esta celebração é profundamente repassada pela intensidade de amor de Nosso Senhor Jesus Cristo e da sua comunhão profunda com toda a humanidade. E pela primeira vez Jesus explicita uma dimensão decisiva para a comunhão de amor entre seres humanos, que têm um corpo, através do qual exprimem toda a densidade espiritual. Não há comunhão de amor sem o dom do próprio corpo. Por isso Jesus, naquela Ceia Pascal, exprime a profundidade de comunhão com os homens de todos os tempos, anunciando o dom do seu próprio Corpo: “Isto é o meu Corpo que vai ser entregue por vós” (Lc. 22,19). Corpo entregue a nós e por nós, numa comunhão de amor que anuncia a nossa salvação.

Jesus tinha preparado os discípulos para esta expressão humana do seu amor, ao dizer-lhes: “Não há maior prova de amor do que dar a vida por aqueles que se ama” (Jo. 15,13). A força do amor que redime e transforma, é divina; para que esse amor fosse humano, envolvendo os homens na comunhão de amor divino, Deus precisava de um Corpo. A Carta aos Hebreus di-lo expressamente: “é por isso que, ao entrar no mundo, Cristo disse: não Te agradaram, nem sacrifícios, nem holocaustos pelos pecados, mas deste-me um Corpo” (He. 10,5). Este amor redentor de Cristo, expresso no dom do próprio Corpo, revela-nos o motivo radical do mistério da encarnação: Deus precisava que os homens sentissem a profundidade do seu amor divino na linguagem do amor humano.

 

2. “Isto é o Meu corpo, que é para vós”. Ao entregar o seu Corpo, num acto de amor, Jesus deseja que aqueles que O recebem com fé, se envolvam nessa relação de amor, entregando a Cristo o seu próprio corpo. São Paulo insiste continuamente nisso, nas suas cartas às comunidades: “O corpo é para o Senhor e o Senhor é para o corpo” (1Co. 6,13). “É preciso glorificar a Deus no nosso corpo” (1Co. 6,20). “Exorto-vos a oferecer os vossos corpos como hóstias vivas” (Rom. 12,1). A união a Cristo que o dom do seu Corpo gera em nós, leva o Apóstolo a afirmar que os nossos corpos se tornam membros de Cristo (cf. 1Co. 6,15) e templos do Espírito Santo (cf. 1Co. 6,19-20).

Isto significa que Cristo ao unir-se a nós, no dom do seu Corpo, redime o nosso próprio corpo, restitui-lhe a dignidade como expressão de amor, conduzindo-o à plenitude da vida. Jesus chama ao seu Corpo entregue por nós, o pão da vida: “Eu sou o pão da vida, descido do Céu. Quem comer deste pão, viverá para sempre. E o pão que Eu vou dar-vos é o meu Corpo, para a vida do mundo” (Jo. 6,51).

 

3. Esta vida nova, fruto do alimento que o Corpo do Senhor passou a ser para nós, exprime a novidade da existência cristã e encontra as suas expressões fundamentais na participação no mistério do Corpo do Senhor. Quis Deus, exigia-o a realidade humana, que a mais radical expressão deste amor de Cristo, que entrega o seu Corpo por nós, fosse a sua morte na Cruz, revelando o sentido pleno daquele anúncio do Livro do Êxodo: “O sangue será para vós um sinal” (Ex. 12,13). O Senhor sabia-o: a maior prova de amor é dar a vida, oferecendo a dureza de uma morte violenta.

Essa será, também para os cristãos, a mais radical expressão da união do seu corpo ao Corpo de Cristo. Viver o sofrimento, participando na Paixão de Cristo, torna-se um ideal cristão. São Paulo confessa acerca de si mesmo: “Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste no nosso corpo” (2Co. 4,19). Mas a expressão radical do dom do próprio corpo, que pertence ao Senhor, porque se uniu ao d’Ele, é o martírio, imitação de Cristo no dom do seu próprio Corpo. Esse é o sentido profundo do martírio cristão. Quem uniu o seu corpo ao do Senhor, não pode, para evitar a morte, ser infiel a essa união de amor. É a forma radical de responder ao dom do próprio Cristo, dizendo-Lhe e dizendo ao mundo, que o nosso corpo Lhe pertence, é um corpo para o Senhor.

 

4. A obediência amorosa de Cristo até à morte, mereceu-lhe a plenitude definitiva da ressurreição. “Por isso Deus O elevou acima de tudo e Lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome” (Fil. 2,9). Depois de ressuscitado, continua a entregar-nos o seu Corpo, a unir-se a nós pelo dom do Corpo, na Eucaristia e infundindo o Espírito Santo, o que anuncia o destino do nosso próprio corpo, unido ao do Senhor. São Paulo anuncia-o aos Filipenses: “Ele transfigurará o nosso pobre corpo, conformando-o ao seu Corpo glorioso, com aquela energia que o torna capaz de sujeitar, a si mesmo, todas as coisas” (Fil. 3,21).

 

5. O dom do corpo, como linguagem de amor tem, na natureza humana, uma expressão importante na esponsalidade, que envolve a sexualidade, a afectividade, a fecundidade: a união de amor entre o homem e a mulher, fazendo, pelo dom do seu próprio corpo, “uma só carne”. O dom do Corpo de Cristo, para nos amar, deu um sentido novo a este dinamismo fundamental da humanidade. O Espírito conduziu a Igreja para a compreensão dos novos caminhos de vivência desse dinamismo, desde que o Senhor uniu o seu Corpo ao nosso.

Aquele que exprimiu mais a ousadia da novidade cristã, foi a vivência desse dinamismo na virgindade escolhida e assumida como realização de amor. Essa profunda comunhão com o Corpo de Cristo envolve todas as capacidades do nosso corpo ao ser expressão de amor. Quem a vive sente que continuamente dá sentido ao seu corpo como um corpo para o Senhor, intuindo, certamente, aquela que será a forma definitiva de amar, no Reino dos Céus.

Outra forma de viver, ao ritmo do dom do Corpo do Senhor, esse dinamismo fundamental, é a vivência das núpcias como sinal da união com Cristo; a realidade das núpcias humanas tornou-se sacramento, isto é, realidade sinal, significando essa união total do nosso corpo ao Corpo de Cristo. No matrimónio o corpo é dom, é entrega a Cristo e ao cônjuge. Sempre que os esposos cristãos, na totalidade da sua entrega, se sentem um só, um só corpo, deviam poder rezar a Cristo que se Lhe entrega continuamente: Senhor, este novo corpo do nosso amor é para vós. Ao falar do amor dos esposos cristãos, São Paulo exclama: “é precisamente o que Cristo fez pela Igreja: não somos nós membros do seu Corpo?” (Efs. 5,29-30).

Expressão permanente deste mistério é para todos a virtude da castidade, enquanto vivência de toda a sexualidade, ao ritmo desta união amorosa do nosso corpo com o Corpo de Cristo.

 

6. Em todas estas expressões cristãs da união ao Corpo do Senhor, manifesta-se a centralidade da Eucaristia. É neste sacramento que o Senhor continua a dar-nos o seu Corpo, a entregar-se por nós. A Eucaristia é a força dos mártires e de todos os que sofrem em união com a Paixão de Cristo; é a luz que atrai para o amor virginal aqueles que o Senhor escolheu; é o alimento do amor dos esposos e a pureza que exige a castidade. Em todas estas circunstâncias os cristãos são chamados a cumprir a Palavra do Senhor: “Fazei isto em Minha memória”.

Sé Patriarcal, 1 de Abril de 2010

JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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