Se Cristo nos espera, porque demoramos nós?
«Maria Madalena correu então e foi ter com Simão Pedro e com o discípulo predileto de Jesus e disse-lhes. “Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram.” Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos a sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa que Pedro…»
Detenhamo-nos um pouco nesta passagem do Evangelho que ouvimos. Ou dizendo melhor, porventura, corramos também nós espiritualmente ao sepulcro, como o fizeram fisicamente os discípulos, alertados por Maria Madalena, que também correra a avisá-los.
É intencional a insistência do evangelista na pressa de qualquer deles. Como é salutar o convite a imitá-los. Para encontramos o túmulo vazio. Para sermos encontrados pelo Ressuscitado, como aconteceu com eles depois.
Desde aquela madrugada é isto mesmo que nos define como crentes, ou seja, a urgência em divisar a presença do Ressuscitado e sermos encontrados por Ele. São Paulo definia-se nesses termos, ou na mesma corrida: «… Assim posso conhecer a Cristo, na força da sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos, conformando-me com ele na morte, para ver se atinjo a ressurreição dos mortos. Não que já o tenha alcançado ou já seja perfeito; mas corro, para ver se o alcanço, já que fui alcançado por Cristo Jesus» (Fl 3, 10-13).
Urgência de alcançar a Cristo, que já nos alcançou a nós. Ansiou pela chegada daquela hora absoluta em que nos encontrou no mais profundo e dramático da condição humana, para nos salvar de vez. Acolhamos a exortação de Paulo, ainda há pouco ouvida: «Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.»
É a afeição às coisas do alto, isso mesmo que só Cristo nos conseguiu e oferece, que explica e incita a nossa corrida espiritual de todos os dias, sempre e só ao seu encontro. E o túmulo vazio que os primeiros discípulos encontraram foi apenas o sinal da presença total com que hoje corresponde à nossa procura.
Cristão, podemos dizer, é quem anseia deparar com o Ressuscitado em cada momento da sua vida – para vir a dizer, também com São Paulo: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.» (Gl 2, 20). Para ressuscitar com o Ressuscitado. Esse mesmo que nos prometeu: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28,20).
Certamente que o Tríduo Pascal, que Deus nos concedeu celebrar mais uma vez, tanto nos encheu a alma como agora nos reforça o propósito. Graças são encargos e a graça pascal redunda em procura e missão, sempre mais urgentes. Procura do Ressuscitado nos sinais mais garantidos da sua presença; missão de os repercutir na vida do mundo, do pequeno mundo de cada um ao grande mundo de nós todos.
Lembremos brevemente os sinais garantidos da presença do Ressuscitado, como a eles devemos acorrer todos os dias, com particular referência ao Tempo Pascal que hoje começa. Falando da sua união connosco, Jesus usou esta comparação: «Eu sou a videira; vós os ramos. Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto […] Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e assim vos acontecerá. Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus discípulos» (Jo 15, 5-8).
Caríssimos: Este é o primeiro sinal que devemos ativar todos os dias: a Palavra de Cristo ouvida, meditada e assimilada. Quando tal acontece, tudo muda de figura, passando a ser visto a partir de Deus, o único que absolutamente conhece o coração do homem e o sentido das coisas. Palavra ressuscitadora, uma vez que ressoa no silêncio que fizermos, como o anúncio da Ressurreição de Cristo soou no túmulo vazio. Precisamente com esta condição silenciosa e acolhedora, todos os dias exercitada e de cada vez correspondida por Cristo Palavra de Deus.
Outro sinal – ou a decorrência do primeiro – é a Eucaristia para que nos convida. É também no Evangelho de João que encontramos esta alusão ao Ressuscitado, aparecendo aos discípulos que tinham voltado à sua faina de pescadores – mas igualmente a cada um de nós, na faina de todos os dias: «Disse-lhes Jesus: “Vinde almoçar.” E nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-lhe: “Quem és tu?”, porque bem sabiam que era o Senhor. Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com o peixe» (Jo 21, 12-13).
A alusão é certamente eucarística, pelo gesto de “tomar o pão e dá-lo”. E traz outra referência importante, uma vez que o “peixe” era para os primeiros cristãos um modo de designar o próprio Cristo. Significando isto que num sacramento – na Eucaristia como em todos os outros – é da própria pessoa de Cristo que se trata, requerendo tanta correspondência e coerência da nossa parte, como da sua é a entrega.
Mais dois sinais da presença do Ressuscitado, a que devemos acorrer, encontramo-los no Evangelho de Mateus, sobremaneira eclesial. Um é mantermo-nos em oração, especialmente a comunitária: «Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedir qualquer coisa, hão de obtê-la de meu Pai que está no Céu. Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, eu estou no meio deles» (Mt 18, 19-20).
Também, e por excelência, a caridade ativa, que nos leve ao encontro das necessidades dos outros, assim mesmo encontrando o Ressuscitado que em cada um nos espera. Mencionando as fomes que saciámos, as sedes que dessedentámos, os peregrinos que recolhemos, os nus que vestimos, os doentes e presos que visitámos, responde perentoriamente: «Sempre que fizeste isto a um destes irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).
– Assim sendo, caríssimos irmãos, que nos falta ou retarda, para vivermos plenamente em Páscoa, procurando e testemunhando a presença do Ressuscitado, como garantidamente se oferece? Para que também dos vazios tumulares deste mundo a sua presença irrompa, tão forte e luminosa como na madrugada daquele primeiro dia. – Se Cristo nos espera, porque demoramos nós?
Sé de Lisboa, 1 de abril de 2018
D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa