Uma imensa e magnífica bênção de Deus!
Estimados irmãos e amigos da comunidade académica do Porto; e especialmente vós, que acabais as vossas formaturas e aqui pedis a bênção de Deus para o futuro que com Ele quereis construir: Quero, antes de mais, saudar-vos com toda a amizade e congratulação, a cada um de vós, aos vossos familiares – e muito especialmente às vossas Mães, neste dia a elas dedicado –, aos vossos professores e a todos os que estiveram e estão convosco no caminho humano e escolar. – Bem-vindos a esta magnífica sala de visitas da nossa cidade, que é para nós ponto de tantos e tão felizes encontros e reencontros! – Bem-vindos e as maiores felicidades para todos!
Mas, nisto mesmo que vos disse, vai algo de importante a reter e a aprofundar um pouco. Disse que estais aqui para pedir a bênção de Deus, para o futuro que com Ele quereis construir. Dizer isto é já dizer muito, na compreensão cristã das coisas e das vidas.
Já percebestes que Deus não é alheio ao que fizestes, nem fica “de fora” do que haveis de fazer. Não é meramente alguém a quem se recorra para reforçar garantias e aumentar seguranças; alguém que nos conviesse ter do nosso lado, mais ou menos disponível para os nossos apelos e urgências. Essa ideia “instrumental” ou subsidiária dum deus de recurso, não é certamente a vossa. Por isso, não estais aqui para que Ele abençoe as vossas pastas como se vos desse um talismã de boa sorte…
É realmente outra a vossa ideia de Deus e é outra coisa a que lhe pedis também. As vossas pastas de curso são apenas um sinal das vidas e trabalhos que aqui agradeceis ao Deus vivo que sempre vos acompanhou, no alento, na esperança e na persistência com que fizestes os vossos cursos.
A bênção, podemos dizer, é Ele próprio, como vida das vossas vidas, constante presença em cada um de vós, para convosco renovar o mundo.
Sabeis isto, caríssimos finalistas, e felizmente o sabeis, porque sois cristãos. Não apenas crentes, no sentido genérico do termo, que a tantos outros se aplica, pois convosco crêem que de Alguém provêm e para Alguém se destinam. Vós sabeis mais do que isso. Sabeis que Deus não só constantemente vos cria e mantém vivos, mas também pretende estar íntima e pessoalmente com cada um de vós, em profunda convivência de sentimento e projecto. Sabeis também, caríssimos finalistas, que este desejo divino de ser para vós e convosco, se realizou finalmente, quando, em Cristo, assumiu a nossa natureza e humana condição, de todos e de cada um, passados, presentes e futuros.
Sabeis ainda que, pelo Baptismo, o Espírito de Cristo está em vós e vos vai tornando, mais e mais, no que Cristo eternamente é: Filho de Deus Pai. Sois filhos de Deus em Cristo, que, nos vossos corações e nas vossas vidas, desenvolve pelo Espírito todas as potencialidades da criação, para a glória de Deus e a felicidade de todos. – Isto sois vós e isto mesmo agradeceis aqui!
Bênção de Deus é a vossa vida, d’Ele recebida e plena de sentido. Bênção de Deus sois vós, cada um de vós, amigos finalistas, porque através da vossa vida, do vosso trabalho, da vossa inteligência e sensibilidade, Cristo poderá realizar no mundo o Evangelho da paz e o Reino da fraternidade universal. – Vós sois, cada um de vós é e será, uma imensa e magnífica bênção de Deus!
Ouvistes na segunda leitura aquelas esplêndidas frases e imagens do Apocalipse, último livro da Bíblia e ultimação de todas as coisas em Deus e por Deus. Certamente as lembrais, tão sugestivas foram. João, em tempos difíceis de perseguição e martírio, “vê”, com aqueles olhos que só Deus pode abrir, algo de definitivo e fascinante. Mas é melhor escutá-lo de novo: “Eu, João, vi um novo céu e uma nova terra, porque o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido, e o mar já não existia. Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do Céu, da presença de Deus, bela como noiva adornada para o seu esposo”.
Detenhamo-nos um pouco nesta mesma contemplação, pois sempre precisamos dela. Como vos lembrei, o autor deste trecho é um cristão de tempos difíceis, já sob perseguições e dificuldades de toda a ordem. Estava desterrado numa pequeníssima ilha, como se tanto mar quase o afogasse, a ele e à esperança que mantinha. É então que “vê” um novo céu e uma nova terra; “vê” uma nova cidade a descer do Céu e de junto de Deus.
Assim ou quase assim podereis estar agora e devereis estar sempre, caríssimos finalistas, perante incertezas próximas e preocupações futuras. É difícil, realmente difícil, a situação económica e sócio-profissional. É difícil para muitos conseguir trabalho, trabalho à altura da competência adquirida e das legítimas aspirações, como pode ser difícil garantir o que já se tenha. Mas, deixai-me insistir, porque sois cristãos, vós estais diante de tudo isso como Cristo estava nas suas lides evangélicas, isto é, confiante no Pai, força invencível do bem e do bom futuro, realmente bom, ainda além da própria morte. Vós estais em tudo isto como o vidente do Apocalipse, entrevendo já a última novidade das coisas, garantida por um Deus que não desiste do mundo e o recria – a partir de Si mesmo e da vossa colaboração também -, como “cidade nova”, melhor convivência e realização absoluta de tudo e de todos.
Vós sabeis estas coisas e por isso não vos deixareis abater pelo desânimo, antes fareis das dificuldades outras tantas oportunidades de criar coisas novas. Vós sabeis, ides sabendo, o que João também garantia. E era a própria voz divina, assevera ele: “Do trono ouvi uma voz forte que dizia: ‘Eis a morada de Deus com os homens: eles serão o seu povo, e o próprio Deus, no meio deles, será o seu Deus’”.
Por isso estais aqui, em celebração eucarística, momento por excelência de sinalização destas verdades, que constituem o vosso segredo e o vosso ânimo indestrutível. Como o próprio Cristo garantiu, onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome, Ele estará também. – E nós somos, hoje e aqui, muito mais que dois ou três! Estamos todos em Cristo ressuscitado, estamos aqui na força do seu Espírito, estamos aqui em acção de graças a Deus Pai, concretizando esta “cidade que desce do Céu” para a felicidade de todos.
Cada um de vós fará decerto o melhor que puder e souber, com os próprios talentos que Deus lhe conferiu. Assim o fareis e oxalá encontreis todas as possibilidades e estímulos que a sociedade vos deve, como também os deveis aos outros. Mas também sabeis, caríssimos finalistas, que falando de uns e outros é sempre de pessoas que se trata; significando isto que, em tudo o que fizerdes, é a vossa relação positiva, com os outros e com as coisas, que está em causa, boa causa certamente.
Por mais técnico que seja um trabalho, por mais científica que seja a investigação, por mais racional que seja o intento, é sempre de pessoas que se trata, seres em relação e finalidades conjugadas. Somos dos outros e para os outros, sempre com os outros, pela consciência responsável de cada um. A “cidade nova que desce do Céu” significa solidariedade, requer comunhão e vive na caridade. Por isso o vosso futuro só será humano e autêntico quando nele couberem os outros e a justa preocupação por eles. Um futuro onde caibam todos é o único que vos servirá também. É uma “cidade” aberta, não um domínio fechado.
– Pois não vos dói constatar, caríssimos amigos, que a maior inteligência se perverte quando perde o sentido desta verdade? – Que toda a generosidade se esvai, quando o egoísmo e o materialismo começam a roer os corações? – Que muitos recursos naturais e capacidades do espírito se degradam e esgotam, por falta de altruísmo e partilha?
Como não tereis dúvida em afirmar que, muito pelo contrário, quando se avança em qualquer domínio do conhecimento e respectiva aplicação, com verdadeiro espírito de humanidade e solidariedade, novos campos se abrem ao engenho e à prática, criando oportunidades inéditas de trabalho e remuneração, para si e para os outros. O bem faz bem e só aumentando o bem comum realizamos o bem particular. Assim é Deus, Pai e Filho em mútua doação no amor do Espírito. Apenas assim poderemos ser nós, à sua imagem e semelhança.
Ao próprio Cristo ouvistes dizer no Evangelho: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros”. – Que simples é a religião cristã, caríssimos finalistas, se nos deixarmos simplificar por ela! Simplificar, isto é, ficar uma coisa só, de corpo e alma, condensada na caridade de Cristo, no amor novo que Cristo viveu e trouxe: cuidando de todos e mesmo dos que não cuidaram d’Ele; dando a vida por todos, mesmo pelos que lha feriram de morte.
Amor que não espera, antes se adianta na dádiva, só aí sendo o primeiro. É este amor que identifica um cristão, uma cristã, que de nada mais precisam para o ser deveras e nada menos requerem, como autênticos discípulos de Cristo. E é esta a bênção de Deus, porque assim vivereis ressuscitados e ressuscitadores, em tudo o que fizerdes. Venha o que vier, assim estareis em paz e fareis a paz, como sinais vivos e activos do amor de Cristo no mundo: nas relações, nas muitas e inovadoras aplicações da vossa inteligência e da vossa sensibilidade. Pois se é certo que de nada valerá ganhar o mundo inteiro a quem perder a alma, certo é também que quem acrescenta a sua alma, em verdade, bondade e autêntica beleza, recria o mundo em redor, libertando-o e libertando-se pelo amor.
Mais, muito mais do que as palavras, serão as vossas vidas a concluir longamente esta celebração. Pedis a bênção das pastas; mas sereis vós mesmos, a Cristo unidos, uma magnífica bênção de Deus para o mundo. Este mundo de agora e o que por vós vai crescendo já, definindo melhor e alargando sempre a cidade nova que Deus não desiste de oferecer a todos!
– Boa sorte então, caríssimos amigos: desta sorte que tendes e melhor se chama graça de Deus, conhecimento de Cristo e força do Espírito!
Porto, Avenida dos Aliados, 2 de Maio de 2010
+ Manuel Clemente